O sucesso imprevisível de Hacks — e o espelho que ela nos devolve

Na 4ª temporada, a comédia mais premiada da atualidade continua sendo real demais para ser só engraçada

Mai 11, 2025 - 20:12
 0
O sucesso imprevisível de Hacks — e o espelho que ela nos devolve

Sou muito fã da série Hacks e de Jean Smart em particular. A série criada há quatro anos pelo trio Jen Statsky, Lucia Aniello e Paul W. Downs (Lucia e Paul são casados e ele também atua na série) lida com temas que hoje estão no centro dos debates culturais: a combinação explosiva de etarismo, misoginia e conflito de gerações. E o faz com graça e inteligência, nos fazendo rir e refletir ao mesmo tempo. Acertaram na mosca. Depois de um início mais tímido diante do fenômeno O Urso, Hacks conquistou espaço e hoje é a comédia mais premiada da televisão – e merecidamente.

A atuação de Jean Smart é um dos grandes destaques da série Hacks
A atuação de Jean Smart é um dos grandes destaques da série HacksAssessoria/Divulgação

Ainda assim, confesso que fiquei em dúvida se, depois de duas temporadas brilhantes, havia fôlego para mais três. Mas, pelo visto, há. O sucesso da série trouxe nomes de peso para papéis coadjuvantes (como a vencedora do Oscar Helen Hunt) e participações especiais de celebridades interpretando a elas mesmas.

Hacks é, afinal, uma série sobre os bastidores de Hollywood – e a Indústria ama se ver na tela. Nós, que cobrimos entretenimento, também. Por isso, quero falar um pouco sobre essa nova fase da série.

Na primeira temporada, conhecemos Deborah Vance (Jean Smart), uma lenda do stand-up em decadência, forçada a trabalhar com a jovem roteirista Ava Daniels (Hannah Einbinder) num momento em que ambas precisavam se reinventar. As duas são difíceis, teimosas e geniais – e o embate de personalidades nos viciou na química irresistível entre Jean e Hannah.

Já na segunda temporada, a dupla caiu na estrada para testar novos materiais em tempos de cultura do cancelamento e, ao fim, conseguiu se entender.

Continua após a publicidade
Jean Smart e Hannah Einbinder na série Hacks
Jean Smart e Hannah Einbinder na série HacksAssessoria/Divulgação

O que era apenas uma semente nos roteiros se transformou em tema central nas temporadas seguintes: Deborah queria quebrar o teto de vidro dos talk shows e ser a primeira mulher a comandar um programa noturno de entrevistas. A terceira temporada mergulhou nesse sonho, mostrando como tanto a idade de Deborah quanto a juventude de Ava eram vistas como empecilhos – por serem mulheres.

Mais uma vez, as duas terminam em lados opostos: quando Deborah consegue sua chance, opta por não levar Ava com ela, e a roteirista reage com uma chantagem emocional e profissional para garantir seu espaço.

Agora, na quarta temporada, vemos as duas numa relação quase simbiótica e ao mesmo tempo tóxica. A dinâmica de bastidor se intensifica: o ambiente de trabalho reúne baby boomers, millennials e a geração Z, gerando situações hilárias – e incrivelmente reais, ao menos para quem está de fora.

Continua após a publicidade

Deborah finalmente faz história ao assumir o talk show, mas enfrenta o desafio impossível de se manter relevante num mercado saturado. Talvez por trabalhar há décadas com produção e programação de TV, essa parte da série me gera mais nervoso do que risadas. Porque Hacks é muito real – e muito sincera – ao mostrar como se constrói (e se destrói) um sucesso.

Deborah é pragmática, um tanto insegura, e quer apostar no que “funciona”. Ava quer ser reconhecida por sua inovação intelectual – o que também é um clichê da juventude criativa. E assim, num impasse, perdem a chance de equilibrar forças justamente quando mais precisavam uma da outra.

Não foram poucas as vezes que vi estrelas, roteiristas e produtores enfrentarem discussões parecidas. Porque não existe fórmula para prever o sucesso. Talvez por isso seja tão viciante acompanhar essa dupla tentando decifrar o que pode funcionar.

Hacks também funciona porque é, em si, uma metalinguagem do que sua própria equipe de roteiristas e produtores vive. E isso dá à série uma autenticidade difícil de encontrar.

Continua após a publicidade

O trio de showrunners concebeu a ideia em 2015, numa viagem de carro em que conversavam sobre comediantes esquecidas como Phyllis Diller e Joan Rivers. Encontraram em Jean Smart a Deborah Vance perfeita – e a atriz, com três Emmys na conta, entregou muito mais do que se esperava.

A quarta temporada estreou com aclamação: 97% de aprovação dos críticos no Rotten Tomatoes e nota 90 no Metacritic. Os especialistas elogiam a performance de Jean Smart, o roteiro afiado e a evolução emocional da história. Mas parte do público se mostra desconfortável com o tom mais ácido desta fase, especialmente com o nível de toxicidade entre as protagonistas, que agora trabalham juntas num ambiente ainda mais competitivo.

A própria série reconhece que está chegando ao fim: os criadores já avisaram que a próxima será a última temporada. Vai ser um adeus difícil. Hacks é uma dessas raras comédias que sabem ser inteligentes, emocionantes e profundamente humanas sem perder o ritmo. E, para quem já viveu os bastidores da TV, é um espelho desconfortavelmente verdadeiro.

Assine a newsletter de CLAUDIA

Receba seleções especiais de receitas, além das melhores dicas de amor & sexo. E o melhor: sem pagar nada. Inscreva-se abaixo para receber as nossas newsletters:

Continua após a publicidade

Acompanhe o nosso WhatsApp

Quer receber as últimas notícias, receitas e matérias incríveis de CLAUDIA direto no seu celular? É só se inscrever aqui, no nosso canal no WhatsApp

Acesse as notícias através de nosso app 

Com o aplicativo de CLAUDIA, disponível para iOS e Android, você confere as edições impressas na íntegra, e ainda ganha acesso ilimitado ao conteúdo dos apps de todos os títulos Abril, como Veja e Superinteressante.

Publicidade