O novo pároco da minha terra

Soube há dias que o pároco da minha terra ia mudar. Dada a há muito diagnosticada falta de padres, a Diocese de Leiria tem tentado ultrapassar esta limitação de várias formas. Já há uns anos que cada pároco deixou de estar atribuído exclusivamente a uma única paróquia. Isso eu já sabia. Mas confesso que fiquei surpreendido quando soube que alguns padres originários de latitudes longínquas prestavam os seus serviços também nesta zona do país. Assim, e desde há algumas semanas, o conjunto das três paróquias do Juncal, Pedreiras e Aljubarrota passará a ser servido por dois padres, um indiano e outro brasileiro. Quando soube disso, e antes de qualquer outra consideração, saltou-me à ideia o conceito do retorno nos ciclos longos. Noutra época histórica, foram os portugueses, abundantes então em clérigos, evangelizar outras latitudes, sendo incapazes de imaginar que muitas gerações depois, quando fossem escassos de sacerdotes, de lá viria quem os acudisse em tais necessidades. Entretanto, e já depois disso, travei conhecimento com o novo pároco que é indiano. O que foi atribuído a Aljubarrota é brasileiro. O Pedro Correia já aqui tinha trazido uma reportagem da SIC sobre outros padres indianos que vêm para Portugal para terminar os seus estudos teológicos, mas o Padre Sebastien José já foi ordenado há mais de quinze anos e já esteve ao serviço em diferentes Dioceses do país. Pertence à Congregação missionária do Verbo Divino e tanto podia ter sido colocado em África ou na América Latina como acabou por ser colocado aqui. Numa conversa informal disse-me que quando os portugueses chegaram ao subcontinente indiano, já lá existiam cristãos. Hã!! Como assim? Era capaz de teimar o contrário... É bem feito para não teres a mania que sabes bastantes coisas sobre vários assuntos! Vai buscar. Contou-me que, na primeira diáspora cristã, o apóstolo São Tomé viajou até ao que agora conhecemos por Índia e por lá andou a converter os locais à sua fé. Como resultado disso, na actualidade existem apenas três templos cristãos construídos sobre o que se aceitou serem os túmulos de apóstolos de Jesus. Um em Roma, de São Pedro, outro em Santiago de Compostela (de São Tiago) e um outro em Chenai (de São Tomé). O Padre Sebastian é da região de Cochim, onde também existem vestígios dos portugueses do séc. XVI e seguintes. À data da chegada dos portugueses à Índia, este culto cristão da Igreja de São Tomé obedecia ao Patriarcado do Oriente, também conhecido como Igreja Nestoriana. Era por isso independente de Roma ou de Constantinopla, e desde o Concílio de Éfeso, em 431, era considerada uma igreja herética. No séc. XVI, pela força da fé, acompanhada certamente pela força da pólvora e do chumbo, os portugueses conseguiram que alguns destes cristãos adoptassem o rito latino e reconhecessem a obediência papal. Alguns não aceitaram tal exigência, o que criou entre eles algumas divisões. Os dois principais grupos que resultaram desta cisão foram a Igreja Jacobita/Sírio Ortodoxa e a Igreja Sirio-Malabar, sendo que esta última mantém o rito siríaco mas obedece a Roma. Quem se quiser debruçar sobre detalhes históricos e teológicos destas igrejas de São Tomé encontrará informação sem fim. Regressando ao relato do Padre Sebastien, depois de ter vindo para cá para aprender a língua de Camões, completou os seus estudos de Teologia na Universidade Católica em Lisboa. Retornou à Índia para ser ordenado sacerdote de acordo com seu rito e só depois se estabeleceu em Portugal onde, como disse, já está há uns anos. Confesso que achei toda esta situação muito curiosa e interessante. O regresso a Portugal destes descendentes dos evangelizados pelos portugueses de outrora é como o fechar de um ciclo, e daqueles muito longos. Perante tal invulgaridade, não posso deixar de guardar tudo isto na prateleira cerebral que etiquetei como “a magia do mundo”.

Mai 12, 2025 - 09:44
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O novo pároco da minha terra

Soube há dias que o pároco da minha terra ia mudar. Dada a há muito diagnosticada falta de padres, a Diocese de Leiria tem tentado ultrapassar esta limitação de várias formas. Já há uns anos que cada pároco deixou de estar atribuído exclusivamente a uma única paróquia. Isso eu já sabia. Mas confesso que fiquei surpreendido quando soube que alguns padres originários de latitudes longínquas prestavam os seus serviços também nesta zona do país. Assim, e desde há algumas semanas, o conjunto das três paróquias do Juncal, Pedreiras e Aljubarrota passará a ser servido por dois padres, um indiano e outro brasileiro.

Quando soube disso, e antes de qualquer outra consideração, saltou-me à ideia o conceito do retorno nos ciclos longos. Noutra época histórica, foram os portugueses, abundantes então em clérigos, evangelizar outras latitudes, sendo incapazes de imaginar que muitas gerações depois, quando fossem escassos de sacerdotes, de lá viria quem os acudisse em tais necessidades.

Entretanto, e já depois disso, travei conhecimento com o novo pároco que é indiano. O que foi atribuído a Aljubarrota é brasileiro.

O Pedro Correia já aqui tinha trazido uma reportagem da SIC sobre outros padres indianos que vêm para Portugal para terminar os seus estudos teológicos, mas o Padre Sebastien José já foi ordenado há mais de quinze anos e já esteve ao serviço em diferentes Dioceses do país. Pertence à Congregação missionária do Verbo Divino e tanto podia ter sido colocado em África ou na América Latina como acabou por ser colocado aqui.

Numa conversa informal disse-me que quando os portugueses chegaram ao subcontinente indiano, já lá existiam cristãos. Hã!! Como assim? Era capaz de teimar o contrário... É bem feito para não teres a mania que sabes bastantes coisas sobre vários assuntos! Vai buscar.

Contou-me que, na primeira diáspora cristã, o apóstolo São Tomé viajou até ao que agora conhecemos por Índia e por lá andou a converter os locais à sua fé. Como resultado disso, na actualidade existem apenas três templos cristãos construídos sobre o que se aceitou serem os túmulos de apóstolos de Jesus. Um em Roma, de São Pedro, outro em Santiago de Compostela (de São Tiago) e um outro em Chenai (de São Tomé). O Padre Sebastian é da região de Cochim, onde também existem vestígios dos portugueses do séc. XVI e seguintes.

À data da chegada dos portugueses à Índia, este culto cristão da Igreja de São Tomé obedecia ao Patriarcado do Oriente, também conhecido como Igreja Nestoriana. Era por isso independente de Roma ou de Constantinopla, e desde o Concílio de Éfeso, em 431, era considerada uma igreja herética. No séc. XVI, pela força da fé, acompanhada certamente pela força da pólvora e do chumbo, os portugueses conseguiram que alguns destes cristãos adoptassem o rito latino e reconhecessem a obediência papal. Alguns não aceitaram tal exigência, o que criou entre eles algumas divisões. Os dois principais grupos que resultaram desta cisão foram a Igreja Jacobita/Sírio Ortodoxa e a Igreja Sirio-Malabar, sendo que esta última mantém o rito siríaco mas obedece a Roma. Quem se quiser debruçar sobre detalhes históricos e teológicos destas igrejas de São Tomé encontrará informação sem fim.

Regressando ao relato do Padre Sebastien, depois de ter vindo para cá para aprender a língua de Camões, completou os seus estudos de Teologia na Universidade Católica em Lisboa. Retornou à Índia para ser ordenado sacerdote de acordo com seu rito e só depois se estabeleceu em Portugal onde, como disse, já está há uns anos.

Confesso que achei toda esta situação muito curiosa e interessante. O regresso a Portugal destes descendentes dos evangelizados pelos portugueses de outrora é como o fechar de um ciclo, e daqueles muito longos. Perante tal invulgaridade, não posso deixar de guardar tudo isto na prateleira cerebral que etiquetei como “a magia do mundo”.