COP30 será marcada pelos 10 anos do Acordo de Paris
Tratado contra o aquecimento global alcançou avanços na governança climática, mas enfrenta desafios na implementação das suas metas. A 30ª Conferência do Clima é considerada momento crucial para a sustentabilidade

O Acordo de Paris, adotado com o objetivo de fortalecer o compromisso dos países para lidar com as mudanças climáticas, completa 10 anos em dezembro. Paralelo a isso, o Brasil sediará no mês de novembro a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, que ocorrerá em Belém, no Pará.
O encontro é apontado como crucial para que as nações apresentem suas novas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), que são os compromissos climáticos nacionais atualizados. "Embora tenhamos COP todos os anos, algumas são definidoras desse percurso", destacou a analista sênior do Instituto Talanoa, Marta Salomon.
Para a especialista em mudanças climáticas a COP30 chega com uma efeméride e uma série de desafios, "para saber se esse modelo de negociação climática se sustenta". "São 30 anos de COPs e 10 anos do Acordo de Paris. Então, é um teste para saber se a única forma que a gente encontrou até agora de lidar com o aquecimento global vai resistir a esse momento crítico geopolítico", comentou Salomon, em conversa com a imprensa, intermediada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
O tratado internacional firmado em 2015, definiu o compromisso de manter o aumento da temperatura média global "bem abaixo de 2°C" em comparação com os níveis pré-industriais, com esforços para limitar a elevação a 1,5°C. No entanto, em 2024, o planeta ultrapassou, pela primeira vez, esse limiar. No ano passado, a temperatura média global foi 1,6 °C mais quente do que o período antes da queima de combustíveis fósseis em grande escala.
Para Daniel Caiche, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em mudanças climáticas e mercado de carbono, o Acordo de Paris conseguiu estabelecer um consenso político inédito em torno da urgência da crise climática. No entanto, as emissões globais continuam altas e o aquecimento ultrapassa os limites estabelecidos. "Esses avanços institucionais não foram acompanhados da velocidade e da escala de implementação que a ciência climática aponta. Esse cenário coloca em risco o limite de 1,5°C, que é fundamental para evitar impactos mais extremos", afirmou.
O fato de a temperatura global ter ultrapassado o limite de 1,5°C é um sinal de alerta importante, segundo o especialista. "Esse limiar não é apenas simbólico, ele marca uma fronteira crítica em termos de impactos climáticos. Atingir ou ultrapassá-lo com frequência significa mais riscos, cenários imprevisíveis, eventos extremos, prejuízos à produção agrícola, perda de biodiversidade e mais pressão sobre populações vulneráveis", apontou.
Esse cenário, para Caiche, escancara uma fragilidade do Acordo de Paris e impõem desafios para a conferência sediada no Brasil. "Apesar de ser um acordo com metas ambiciosas, ele depende de compromissos voluntários e da capacidade de implementação de cada país. A lacuna entre o que foi prometido nas NDCs e o que realmente está sendo feito é grande, e o tempo está ficando curto", disse.
As NDCs são um ponto de partida para a ação climática global, com a necessidade de uma maior cooperação entre os países para alcançar os objetivos do Acordo de Paris. Por isso, a COP30 é considerada um momento chave para avaliar os avanços do tratado, ajustar as metas e fortalecer as parcerias internacionais.
A avaliação da comunidade científica é de que as contribuições precisam ser mais ambiciosas do que as anteriores, com metas mais agressivas para redução de emissões. "Há uma grande pergunta que será respondida, provavelmente em setembro, com o relatório que será feito neste mês, com as NDCs que forem apresentadas até lá. Se as novas NDCs vão dar conta de segurar a temperatura e o aquecimento global a 1,5 °C", apontou Marta Salomon.
O cenário global é bastante instável com guerras em curso, tensões geopolíticas crescentes e incertezas sobre a postura climática de grandes emissores, como os Estados Unidos. O país anunciou sua saída do Acordo de Paris, logo após o presidente Donald Trump tomar posse em seu segundo mandato.
Ratificado originalmente por 196 países, o tratado é adotado atualmente por 194 partes. "Esse contexto torna ainda mais desafiador manter o foco na ação climática, mas, ao mesmo tempo, reforça a importância do Acordo de Paris como um pacto multilateral que precisa ser fortalecido. O grande desafio da COP30 será transformar o que hoje são metas insuficientes em compromissos mais ambiciosos e viáveis", avaliou Daniel Caiche.
- Leia também: Faltam 200 dias para a COP30: Belém no mapa do mundo
A conferência no Brasil pode ser o espaço para revisar e elevar as NDCs, mas também para avançar em temas concretos como financiamento climático, mecanismos de adaptação e o papel das soluções baseadas na natureza. Para o professor da FGV, a representação é o fim de um ciclo para início de um novo: "Até aqui, o foco esteve em construir acordos e revisar compromissos. Agora, o mundo precisa mostrar capacidade de entrega."
Combustíveis fósseis
Os negociadores do clima afirmam que COP no Brasil não pode ser considerada bem sucedida se não houver nenhum avanço na transição dos combustíveis fósseis, responsáveis por cerca de 75% das emissões globais de gases de efeito estufa. Contudo, negociações sobre o tema em específico não estão na agenda do encontro, o que preocupa ambientalistas.
A carta mais recente divulgada pelo presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, na última quinta-feira, não fez nenhuma referência explícita aos combustíveis fósseis. Ao mesmo passo, o Brasil tenta avançar na exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial, na bacia da Foz do Amazonas.
A ação é vista como contraditória devido ao potencial impacto ambiental e à necessidade de transição energética, que são frequentemente contrários à continuidade da produção de petróleo.O argumento do governo é de que a demanda por petróleo está longe de ter fim. A prosperidade da COP 30, no entanto, depende necessariamente de algum avanço ou esboço para a diminuição da produção de combustíveis fósseis.
"Diferente das COPs anteriores, a COP30 deve ser o espaço onde as promessas se convertem em planos de ação concretos com metas mais ambiciosas, mais recursos financeiros para os países em desenvolvimento, e mecanismos claros de acompanhamento e responsabilização", afirmou Caiche.
Papa Leão XIV convidado
O papa Leão XIV foi convidado para participar da COP30, a conferência do clima que será realizada em Belém, no mês de novembro. O chamado partiu do arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo Ulrich Steiner, que participou do conclave, que elegeu o novo líder da Igreja Católica, após a morte do papa Francisco.
Considerado uma liderança fundamental na questão climática, ao longo de seus 12 anos de liderança, Francisco tratou as mudanças climáticas como uma questão espiritual, destacando suas conexões com a pobreza e os desequilíbrios sociais. Um de seus posicionamentos mais emblemáticos foi a encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), publicada em maio de 2015, ano em que foi estabelecido o Acordo de Paris.
No documento, o Pontífice criticou duramente a relação do ser humano com o meio ambiente, evidenciando suas aflições sobre a questão climática e alertando para a desigualdade social, onde os mais pobres são os que mais sofrem com as mudanças climáticas.
"Estamos destruindo a criação. Matamos a natureza sem nos dar conta de que estamos ficando com um deserto, não com um jardim. Deus nos deu a maravilha da criação não para explorá-la, mas, sim, para amá-la e levá-la a sua perfeição", afirmou Francisco, ao apontar a preservação da natureza como um dos grandes desafios atuais.
A expectativa é de que Leão XIV esteja alinhado, do ponto de vista ambiental, ao antecessor. Ele é visto com potencial de seguir com as reformas iniciadas por seu antecessor, especialmente no que diz respeito à abertura ao diálogo e à defesa dos mais vulneráveis.
Embora não haja uma declaração específica sobre questões ambientais ou sobre a crise climática, durante sua missão pastoral no Peru, o religioso dedicou-se ao cuidado das comunidades carentes, em uma região profundamente afetada por desigualdades sociais e degradação ambiental.
Como bispo, Leão XIV desenvolveu sua ação em diálogo não somente com a pobreza, mas também com os impactos dos problemas ambientais. Ele participou de um seminário sobre clima realizado em Roma, em novembro de 2024, organizado pelas embaixadas de Cuba, Bolívia e Venezuela. Na ocasião, defendeu que o "domínio sobre a natureza" não pode se tornar tirânico, devendo ser uma "relação de reciprocidade" com o meio ambiente.
Faltando 183 dias para a COP, não se sabe ainda se o novo Pontífice conseguirá se planejar para comparecer em Belém, mas a expectativa é de que ele venha ao Brasil. O papa Leão XIV é próximo da atual direção da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e tinha passagem comprada para vir ao país no fim do último mês de abril para participar da Assembleia Geral dos bispos do país, mas o compromisso foi cancelado por conta da morte de Francisco.
Saiba Mais