14 bilhões de vídeos vivem no anonimato no YouTube
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A BBC publicou uma reportagem especial esta semana mostrando que existe um universo muito pouco explorado no Youtube, longe dos holofotes dos algoritmos que impulsionam vídeos virais. Segundo pesquisadores, a maioria dos vídeos da plataforma, estimada em 14,8 bilhões, quase nunca é vista. Essa realidade começa a ser revelada por uma pesquisa inédita da Universidade de Massachusetts Amherst, nos Estados Unidos.
A matéria reforça que o primeiro vídeo publicado no YouTube, em 23 de abril de 2005, mostrava um dos fundadores do site comentando sobre elefantes em um zoológico. Vinte anos depois, a plataforma afirma ter se tornado a nova Hollywood. Atualmente, é o serviço de TV via streaming mais acessado do mundo, com bilhões de horas assistidas diariamente.
Criadores de conteúdo como MrBeast superam a audiência de grandes estúdios: seu vídeo mais popular acumulou 762 milhões de visualizações, quase uma para cada 10 pessoas do planeta.
Essa é a visão do YouTube promovida pela empresa – elegante, profissional, divertida e barulhenta – mas, sob outra perspectiva, tudo isso é uma fachada.
“Quando focamos apenas no que é popular, deixamos de lado como a maioria das pessoas realmente usa o YouTube como plataforma de publicação”, afirma à BBC Ryan McGrady, pesquisador sênior da Iniciativa para Infraestrutura Pública Digital da Universidade de Massachusetts Amherst. “As conversas que temos sobre o YouTube se baseiam em uma visão empobrecida do que a plataforma realmente é.”
Com uma equipe, McGrady desenvolveu uma ferramenta capaz de encontrar vídeos aleatórios, acessando trilhões de URLs antes de reunir uma amostra representativa para análise científica. A pesquisa aponta que a média de visualizações por vídeo é de apenas 41. Um vídeo com mais de 130 visualizações já está no terço superior dos conteúdos mais vistos da plataforma. “Esses vídeos não são feitos para que estranhos assistam. Eles existem porque as pessoas precisam de um espaço digital para guardar suas memórias”, afirma McGrady. “YouTube é infraestrutura. É uma ferramenta crítica que pessoas comuns usam para se comunicar.”
De acordo com a BBC, um dos exemplos citados pelos pesquisadores é um vídeo de 2020, visto apenas duas vezes antes da análise. Um homem aponta a câmera para fora da janela durante uma nevasca e diz: “Aqui está. A neve caindo.” O vídeo segue por 19 minutos sem mais acontecimentos, ao fundo toca a televisão e um pássaro pousa em uma cerca.
Segundo a BBC, os pesquisadores descobriram vídeos como “sw33t tats”, publicado por Emily, dos Estados Unidos, há mais de uma década. Na gravação, ela e a irmã escrevem com caneta dentro dos lábios. “Eu nem me lembrava que tinha enviado esse vídeo”, diz Emily, hoje com 34 anos, morando em Nova York. “Acho que queria mandar para minha irmã, mas também precisava liberar espaço no meu HD. É engraçado e estranho. Fico feliz que ainda esteja lá.”
Ethan Zuckerman, diretor da Iniciativa de Infraestrutura Pública Digital da mesma universidade, lidera os estudos sobre o YouTube. “Temos que assumir que o uso das redes sociais é sempre para ser influente, como se fosse Joe Rogan ou um fracasso. Mas esse é um modo errado de pensar”, afirma.
O artigo criticou que segundo o YouTube, é incorreto sugerir que a plataforma não permite acesso a vídeos com poucas visualizações. “A mágica do YouTube é que, independentemente de um vídeo ter 60 visualizações ou seis milhões, as pessoas podem encontrar uma comunidade, aprender algo novo, se entreter ou compartilhar sua voz com o mundo”, diz Boot Bullwinkle, porta-voz da plataforma.
Zuckerman recorda que, entre 2009 e 2012, iPhones permitiam enviar vídeos ao YouTube com poucos toques, resultando em milhões de uploads, muitos desses vídeos seguem acessíveis e revelam uma camada pessoal do uso da plataforma. “No sul da Ásia, por exemplo, o YouTube parece funcionar como ferramenta de mensagens em vídeo para pessoas com baixa ou nenhuma alfabetização”, diz Zuckerman. “Mais de 70% dos vídeos da plataforma não estão em inglês.” Segundo ele, o conteúdo costuma ser classificado como “amigos e família”, com comentários de pessoas que conhecem quem publica. “Se algum desses vídeos se tornasse viral, significaria que algo deu errado. Não é para isso que o YouTube serve.”
Entre os vídeos analisados pela BBC, há registros diversos: uma noiva se preparando para uma sessão de fotos, um homem resmungando sobre política, imagens de câmera de painel em estacionamentos, anúncios de venda de animais, trechos de videogames — que representam cerca de 20% da amostra. Outros vídeos se destacam pelo inusitado: homens se batendo ao som de James Brown, uma avaliação de mortadela fatiada ou um canal chamado “Space Stuff and Other Stuff”, com um garoto fazendo rap sobre Netuno e prestando homenagem à rainha Elizabeth II.
Bill Hellman, conhecido como “WoofDriver”, aparece entre os criadores mais ativos desse universo desconhecido. Aos 58 anos, Hellman já publicou mais de 2.400 vídeos, documentando passeios com seus quatro huskies em veículos adaptados por ele para prática de “urban mushing”. Ele escreve músicas originais, grava com drones e contrata celebridades pelo Cameo para promover seus vídeos. Mesmo com baixa audiência, ele segue motivado.
“Não tenho muita audiência, mas isso não me incomoda. Estou tão apaixonado por como isso faz os cães felizes que pensei: ‘preciso compartilhar’”, diz Hellman. “Uso o YouTube como uma nuvem para guardar minhas aventuras.” “Talvez inspire alguém a cuidar melhor dos próprios cães”, acrescenta. “Faço isso pela alegria que me traz.”
Para os pesquisadores, essa parte invisível do YouTube é geralmente positiva ou neutra, ao contrário dos vídeos populares, que muitas vezes reforçam negatividade, estereótipos e desinformação. A plataforma já foi criticada por disseminar discursos de ódio, extremismo político e propaganda de grupos criminosos e terroristas, diz a análise.
O YouTube afirma que aplica diretrizes de comunidade desde o início e que melhorou os mecanismos de segurança. Em 2017, cerca de 63 a 72 visualizações a cada 10 mil estavam associadas a conteúdos que violavam as regras da empresa. Hoje, esse número caiu para oito ou nove, segundo dados internos, a empresa diz oferecer ferramentas para que os usuários gerenciem o conteúdo recomendado e o histórico de visualizações.
A publicação apontou que o objetivo inicial da pesquisa da Universidade de Massachusetts era justamente entender a prevalência de discurso de ódio e desinformação na plataforma. “Se você procurar, encontrará”, diz McGrady. “Mas em comparação ao total de vídeos no YouTube, isso é extremamente raro.” Mesmo assim, McGrady acredita que o debate público sobre o YouTube ainda se concentra apenas no conteúdo viral, ignorando a função que a plataforma exerce como infraestrutura de comunicação.
“A internet tem muitos problemas, e não podemos ignorar como as empresas de tecnologia contribuem para isso”, afirma. “Mas o que me dá esperança é ver como as pessoas usam a web. Ainda parece muito com o começo da internet. É expressão, comunicação, conexão. É um lugar onde pessoas comuns compartilham a si mesmas e fazem coisas incríveis.”
No fim, McGrady destaca que a maior parte do YouTube está nas imagens tremidas, nas falas sem pretensão, nos vídeos públicos que não foram feitos para serem assistidos por estranhos. “É como um documentário não editado da vida humana”, conclui.
Leia a reportagem completa no site da BBC neste link.
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