O software comeu o mundo. Marc Andreessen serviu o prato principal
No início era só texto — e mais nada. Então, aos 21 anos, Marc Andreessen criou o Mosaic, primeiro navegador que mostrava imagens junto de textos e foi o Big Bang da internet. Era 1993. De lá pra cá, a rede se expandiu sem parar. Nessa jornada evolutiva, passamos por Netscape, Skype, Facebook, Twitter, Instagram, […] The post O software comeu o mundo. Marc Andreessen serviu o prato principal appeared first on Brazil Journal.

No início era só texto — e mais nada.
Então, aos 21 anos, Marc Andreessen criou o Mosaic, primeiro navegador que mostrava imagens junto de textos e foi o Big Bang da internet. Era 1993.
De lá pra cá, a rede se expandiu sem parar. Nessa jornada evolutiva, passamos por Netscape, Skype, Facebook, Twitter, Instagram, LinkedIn, AirBnB, Reddit, CoinBase, até a onipresente OpenAI (ChatGPT) dos dias de hoje.
Em comum, todas tiveram a participação de Marc Andreessen.
“Nada é tão poderoso quanto uma ideia cujo tempo chegou,” escreveu Victor Hugo. Quando o assunto é tecnologia, Andreessen parece ter a capacidade de identificar essas ideias bem antes do seu tempo chegar e delas mudarem o mundo.
Nascido em 1971 em Cedar Falls, Iowa, e criado em New Lisbon, Wisconsin — uma cidade que ele descrevia como “o lugar onde nada acontece” — Andreessen encontrou nos computadores um escape para o tédio. Aos 9 anos devorava manuais de programação como se fossem gibis, e aos 12 já criava programas em um computador Commodore 64.
Na Universidade de Illinois, enquanto seus colegas curtiam a vida universitária, Andreessen trabalhava no National Center for Supercomputing Applications (NCSA). Foi lá, em 1993, que ele e Eric Bina desenvolveram o Mosaic, o primeiro navegador web com interface gráfica que tornou a internet acessível ao público. Antes do Mosaic, a internet era um labirinto para versados em tecnologia; depois, tornou-se uma estrada aberta para todos.
Tive a oportunidade de conhecer a internet antes da interface gráfica. Na virada da década de 1980 para 90, entrando na adolescência, fiz um curso de verão de programação numa universidade. Desde então, nunca me separei do mundo dos computadores e da tecnologia.
Para quem consumia informações apenas em papel, acessar conteúdo de todos os cantos do mundo (e se comunicar com pessoas desses lugares) era algo inimaginável – mas ainda assim, um mundo sem sites diagramados, imagens, tabelas, botões e links clicáveis era bastante pobre e limitado.
O Mosaic deu vida a tudo isso: tornou a web visual e pavimentou o caminho para toda inovação que se seguiu.
Essa mudança tectônica foi tão marcante para mim que, em 2009, após vendermos o Buscapé para a Naspers (hoje Prosus) e fundarmos uma nova empresa, meus sócios e eu demos a ela o nome de Mosaico – uma homenagem ao software que é o chão sobre o qual se construiu todo o mundo digital que pisamos hoje. Poucos compreenderam a motivação e, quando explicávamos, quase ninguém conhecia a história do icônico navegador ou seu criador.
Mas o nerd do Midwest não se contentou em ser apenas um pioneiro acadêmico com o Mosaic, que era sem fins lucrativos e pertencia à universidade. Andreessen co-fundou a Netscape Communications e lançou o navegador Netscape, que se tornou sinônimo de internet nos anos 90.
Em 1995, com apenas 24 anos, levou a Netscape a um IPO que a avaliou em US$ 2,9 bilhões no primeiro dia. De repente, ele era a estrela da nova era digital e, ainda com cabelos, estampou a capa da revista Time de fevereiro de 1996: descalço e sentado num trono. Tornou-se o poster child da primeira corrida do ouro da tecnologia.
Os problemas de gente grande logo apareceram. A nascente Netscape enfrentou a gigante Microsoft, que lançou o navegador Internet Explorer — que, ironicamente, tinha parte de seu código licenciado do Mosaic — e usou o poder distribuição do Windows (numa época em que as Big Techs ainda não estavam no radar dos reguladores) para esmagar a concorrência.
Em 1999, a Netscape já havia perdido 75% do seu valor de mercado no auge, e foi vendida à AOL por US$ 4,3 bilhões. Andreessen perdeu essa batalha – mas continuou na guerra.
Após a venda da Netscape, fundou a Loudcloud — uma empresa de computação em nuvem muito antes do conceito ser viável — que ficou a três semanas de quebrar com o estouro da bolha, mas terminou vendida em 2007 (depois de pivotar e ser renomeada Opsware) para a HP por US$ 1,6 bilhão.
Mark Zuckerberg tinha profunda admiração por Andreessen em razão do seu pioneirismo no mundo da web 1.0 e fez dele seu mentor.
Em 2006, quando um Zuck de 22 anos estava na iminência de assinar a venda do Facebook para o Yahoo! por impressionantes 1 bilhão de dólares, Andreessen foi o único a lhe dizer em alto e bom tom: “não venda, não venda, não venda!”
Zuckerberg não vendeu. Executou sua visão de longo prazo, com Andreessen como seu conselheiro mais influente, e hoje a Meta pertence ao seletíssimo grupo das empresas com mais de 1 trilhão de dólares de valor de mercado.
Em 2009, junto com seu colega de Netscape, Ben Horowitz, Marc fundou a Andreessen-Horowitz (logo apelidada de a16z pelo tamanho do nome).
A firma de venture capital redefiniu o modelo de investimento no Vale do Silício que ainda funcionava de forma parecida desde que Arthur Rock — o pai do venture capital — investiu nos “oito traidores” que abandonaram a empresa para a qual trabalhavam e fundaram a Fairchild Semiconductor, em 1957.
Os fundadores da a16z disseram à época que haviam ficado tão desencantados com suas próprias experiências com investidores de venture capital na Opsware que isso os inspirou a criar sua própria firma.
O objetivo: tratar melhor os fundadores.
A a16z começou oferecendo mais do que apenas dinheiro — uma commodity que abundava pelo Vale, especialmente em tempos de juro zero. A proposta para seduzir os melhores empreendedores era construir uma sólida parceria e oferecer redes de contato, suporte operacional e visão estratégica para escalar os negócios.
Eles não queriam ser apenas acionistas, mas co-pilotos dos negócios, uma tendência que se acelerou ainda mais recentemente no mundo do venture capital. Com essa visão, hoje administram mais de 44 bilhões de dólares e têm cerca de 800 investidas, o que faz deles a maior firma de venture capital do mundo.
Ao contrário de VCs mais conservadores, que esperam as ideias amadurecerem para investir, a a16z investe cedo, muitas vezes contra o consenso. Em vez de tração no negócio, querem ver obsessão nos fundadores.
Buscam os que têm uma visão tão ousada que beira a heresia. Como disse Horowitz, “as melhores ideias parecem ruins no começo.”
Diferentemente de alguns fundos que atuam nos bastidores como discretos banqueiros, a a16z é barulhenta. Publica oito newsletters, sete podcasts, white papers, manifestos ousados e polêmicos, e até entra no debate regulatório, o que às vezes a coloca em rota de colisão com o governo e defensores de mais controle sobre as Big Techs.
Andreessen trouxe para a a16z a filosofia que sempre guiou o Vale: apostar nos rebeldes obstinados. Ele parece se inspirar em histórias como a de Don Valentine, da Sequoia Capital, que nos anos 70 visitou o escritório da Atari — um caos regado a cerveja, maconha e reuniões em banheiras — e ainda assim decidiu investir, transformando um grupo de hippies na precursora da indústria de videogames.
Andreessen segue essa tradição e financia empreendedores obstinados que desafiam as convenções, mesmo quando suas ideias parecem, à primeira vista, insanas.
Como dizia Steve Jobs, “as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo são as que de fato mudam.” A a16z investe nessas pessoas. Mesmo que o resto do mundo ainda não entenda o que elas estão tentando construir.
Em 2022, ele chocou o mercado ao entregar um cheque de US$ 350 milhões a Adam Neumann — que fundou e afundou a WeWork — para sua nova empresa, a Flow. No mês passado, a Flow captou mais dinheiro no dobro do valuation pago pela a16z.
A voracidade com que Andreessen investe antecipando tendências muitas vezes leva a fracassos, algo esperado numa indústria cujo retorno depende de apostas contra as probabilidades. Cedo, a a16z entendeu cripto como uma tese de transformação estrutural e apostou forte – estima-se que mais de 7 bilhões de dólares a partir de 2018 – o que a levou a alguns tropeços.
Se a AI virou uma tendência em venture capital há alguns anos, na a16z virou uma obsessão. É (mais uma) mudança tectônica que, no início, é difícil prever de onde virão os maiores retornos. A casa endereçou o problema pulverizando apostas em mais de 80 empresas do setor.
Além de investidor, Andreessen é um pensador provocativo. Em 2011, ele publicou o ensaio “Why Software Is Eating the World” no Wall Street Journal, prevendo que o software se tornaria o coração de todas as indústrias, o que de fato ocorreu.
Mais recentemente, afirmou que “a AI salvará o mundo”.
Andreessen é um usuário ativo do X, onde debate temas de tecnologia (cripto, AI e cia.) política, regulação e cultura corporativa com uma mistura de humor e provocação. Alguns creditam a ele a popularização do “tweetstorm”, uma longa sequência de posts aprofundando um assunto.
O apoio a ideias ultra libertárias, o discurso anti-burocracia e sua recente aproximação com Trump — de quem foi doador, é conselheiro e membro do DOGE — geraram um certo desconforto no mainstream de São Francisco.
Andreessen é um otimista por natureza que entende que o futuro não é construído por pessoas idealizadas, mas por aqueles que têm a coragem (e por vezes a loucura) suficiente para desafiar o status quo, o que inclui sua própria visão do que é venture capital. Há rumores crescentes que seu próximo passo seria abrir o capital da a16z.
Como disse Cervantes, em Dom Quixote, “o homem que luta por seus ideais é o que dá sentido à vida.”
E enquanto o mundo debate se suas apostas são genialidade ou imprudência, Andreessen segue investindo não para agradar o consenso, mas para criar o futuro.
Guilherme Pacheco é empreendedor e investidor em tecnologia. Foi co-fundador/sócio do Bondfaro, Buscapé, Mosaico, Gazeus, ParceleX e da Tessera Ventures.
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