"A escuta será a marca do papado de Leão XIV"

Frei que conviveu com Leão XIV revela ao Correio os traços da personalidade e espiritualidade do novo papa

Mai 18, 2025 - 12:34
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"A escuta será a marca do papado de Leão XIV"

Quando a fumaça branca surgiu na chaminé da Capela Sistina, no Vaticano, os freis André Fernandes, Gutenberg Albuquerque e Maurício Manosso se preparavam para a cerimônia de ordenação sacerdotal do Frei André, que ocorreria no final daquele dia 8 de maio. Eles interromperam os seus afazeres para acompanhar a transmissão ao vivo, pela televisão.

“Quando o diácono anunciou o primeiro nome ‘Robert’, gritamos os três juntos, ‘Prevost’”, narra, ainda emocionado, o frei Maurício Manosso Rocha, prior provincial da Província Agostiniana do Brasil. Nesta entrevista ao Correio, ele conta que não havia expectativa da eleição do também Agostiniano Robert Francis Prevost, listado nos últimos lugares entre os papáveis nos dias que antecederam ao conclave.

Manosso, que conviveu com o novo papa, aponta também os traços da personalidade e da espiritualidade do agora Leão XIV, que serão levados para o pontificado. A seguir, trechos da entrevista: 

Qual a sensação de ter um confrade seu sendo anunciado como novo papa?

É um sentimento inexplicável, algo que a gente não imaginava acontecer. E aconteceu...

Onde o senhor estava quando foi feito o anúncio?

Nós estávamos assistindo juntos, na comunidade, pela televisão. Estava na comunidade de Aracaju, porque haveria, naquele mesmo dia, a ordenação do frei André. Eu estava lá para a ordenação. Na hora em que o diácono falou o nome dele foi um sentimento inexplicável. Falar o nome de um irmão seu, de alguém que fez os mesmos votos que você, que anuncia Jesus Cristo com o mesmo carisma de Santo Agostinho. Foi uma alegria imensa para nós, como ordem, como província, como agostiniano no Brasil e no mundo. Para você ter uma ideia, o último cardeal agostiniano que participou de um conclave foi há 120 anos.

Qual foi a sua reação imediata?

Estávamos, os três, acompanhando pela TV. Quando o diácono anunciou o primeiro nome ‘Robert’, gritamos os três juntos, ‘Prevost’. Tínhamos certeza de que era dele que estavam falando.

Ele não estava no topo da lista. Ninguém o citava entre os favoritos. Entre os agostinianos, havia alguma expectativa?

Eu digo que sim, porque nós o conhecíamos. Conhecemos desde sempre, como o religioso agostiniano. Por isso eu digo que para nós não foi uma grande surpresa, porque ele ocupou cargos desde o início da sua vida religiosa no Peru, na cidade de Trujillo, onde ele foi formador das novas gerações no seminário. Depois, no ano de 1998, ele retornou para Chicago e foi eleito provincial. Muito jovem, ele já foi eleito provincial da província de Chicago, que é uma província importante para a ordem. Logo depois disso, em 2001, ele participou do capítulo geral da ordem e já foi eleito geral, cargo que ocupou do ano de 2001 até 2013. Ocupando o cargo de geral, o frade tem um conhecimento muito amplo não só da ordem, como da Igreja como um todo, no mundo. Como superior geral da Ordem, ele tem o cargo de cuidar para que nós, abrindo no mundo, possamos responder ao carisma da Ordem, cuidar das constituições para que elas sejam também seguidas, animar a vida religiosa no mundo, a vida religiosa agostiniana no mundo todo.

Ele viajava muito, por isso conhecia a Ordem e a Igreja?

Nós estamos presentes em todos os continentes. Somos, atualmente, mais de 2.700 frades. Ele viajava como determinam as constituições (as regras da congregação). O padre geral tem que visitar todas as comunidades no seu período de governo. Robert foi duas vezes superior- geral. Então, ele visitou as comunidades duas vezes, pelo menos. Viajou pelo mundo inteiro. Na América Latina, por exemplo, o único país que eu acredito que ele não visitou foi o Paraguai, onde nós não temos presença. Mas as outras, nos outros países, sim, com certeza, ele esteve.

Como ele se comportava enquanto era geral?

A gente conhecia o Frei Robert pela sua capacidade intelectual, por esse seu olhar missionário, de ir ao encontro dos mais pobres e também por essa capacidade de governo e de administração. Mas, especialmente, pela humildade e simplicidade.

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Como ele se aproximou do papa Francisco?

O papa foi ao Capítulo (Assembleia, na qual as congregações tomam decisões sobre suas diretrizes), em 2013, quando frei Robert era Geral. Foi o último ano dele como geral. Ao final, o papa disse para ele: “agora você descansa, porque logo tenho uma missão para você”. Logo em seguida, Francisco o nomeou bispo de Chiclayo, no Peru. E ele foi, novamente, para essa missão. O ardor missionário e o sentimento de Igreja em saída, que o papa Francisco tanto mencionava, está no coração do agora papa Leão XIV. Por isso, em 2023, Francisco trouxe Robert para perto dele.

E para ocupar um cargo muito importante, não é, na Congregação para os bispos?

Sim. Ele poderia ter dado outros cargos, mas escolheu esse, que é um dos cargos da maior confiança, que é ser prefeito do dicastério dos bispos. Como prefeito dos bispos, o então Robert tinha contato com o papa toda semana. Um dia na semana ele tinha uma audiência com o papa para falar, obviamente, das nomeações de bispos e tudo mais. Então, eles formaram uma grande amizade, aprofundaram uma amizade que já havia começado na época de Monte de Buenos Aires, quando o geral era o padre Robert Prevost, e o Jorge Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires.

Ele se identificou como agostiniano em sua primeira fala. Está garantido que ele vai levar para o papado esse perfil missionário, de “pastor com cheiro de ovelha”, que ele costuma dizer?

Tenho certeza, porque ele já fez isso como bispo em Chiclayo. Ele estava em uma diocese de periferia e, lá, ele fez isso. Ele exerceu o seu episcopado com o povo. Lá, ele caminhou com aquele povo e sentiu a necessidade de estar junto, de caminhar junto com eles. Ele esteve nas periferias do mundo e, agora, com certeza ele vai, ele vai trabalhar para isso, sim.

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O senhor esteve com ele algumas vezes, como pode descrever o perfil? Algumas pessoas dizem que ele não será um papa tão expansivo quanto Francisco…

Eu o descreveria como um homem extremamente humilde. Mas ele tem também um senso de humor bastante interessante, um humor mais tranquilo, sempre transmitindo uma paz profunda. E é um homem extremamente inteligente. Com toda humildade, mas tratando as questões de forma bastante concreta.

Mas uma coisa que foi notada é que ele usou as vestes papais que Francisco havia dispensado.

Muitas vezes, as pessoas veem a humildade da outra pela vestimenta. Estou falando de algo muito mais profundo. A veste não caracteriza a humildade da pessoa, mas, sim, a ação, as atitudes, as atitudes que brotam do coração. Ele é um homem humilde. Estou extremamente certo disso.

Ele tem insistido em falar da paz. Essa será a sua principal marca?

Sim. Primeiro, ele é um homem de diálogos. Segundo, ele viveu nas periferias e, obviamente, nesses lugares onde esteve, pôde vivenciar todas essas coisas que as periferias do mundo vivem: a violência, o problema das drogas, o tráfico, e, claro, as questões políticas, maiores. Ele vai dar um direcionamento. Esse é também o nosso carisma. O carisma de Santo Agostinho é direcionado a uma vida de diálogo e, sobretudo, buscando a unidade.

Essa busca pela unidade vai estar restrita à Igreja, ou abrangerá as negociações internacionais, nesse momento de tanta tensão?

Sim. Estou certo de que ele vai lutar por isso, porque isso está dentro do nosso carisma, lutar pela paz. Agostinho, que é o nosso pai espiritual, foi um homem que lutou constantemente pela paz. Pela paz na Igreja, pela paz no mundo. Tenho certeza de que esse é um aspecto que vai direcionar o pontificado do papa Leão.

Qual será o perfil dele como chefe de Estado?

Ele vai ser um homem de escuta e de diálogo. Vai ser um papa de dialogar, de escutar e, talvez, atuando como um moderado, dando ênfase a essa característica da escuta.

Quando o senhor diz moderado, podemos entender que será menos veemente do que o Francisco?
Exatamente. Eu acho que ele vai escutar. A escuta será a marca do papado de Leão XIV. Ele será um homem capaz de escutar e dialogar com a Igreja, com a sociedade, com o mundo atual.

Mas será uma escuta ativa?

Sim. A gente pode observar pelo nome que ele escolheu. Ele mesmo menciona inteligência artificial, será um papa preocupado com temas atuais e terá atitude. Ele é uma pessoa que está muito a par de todas essas questões que nos envolvem.

Ele vai ser um continuador de Francisco?

Os problemas que Francisco enfrentava são muito atuais. Não são os problemas de Paulo VI ou de João XXIII. São os problemas de Francisco. Esses mesmos problemas atuais são enfrentados por Leão XIV, mas com o carisma dele, sendo Leão XIV.

Além do legado de Francisco, ele já explicou que se inspirou também em Leão XIII, papa que inaugurou o ensino social da Igreja, com a encíclica Rerum Novarum, que alerta para as consequências ruins da Revolução Industrial. Ele cita a atual Revolução Digital. Que sinalização ele está dando?

Essa vai ser também uma bandeira dele, chamar a atenção para os perigos dessa revolução que está em curso. É um tema que ele tem no farol, que ele vem monitorando e é algo do qual nós, como Igreja e como sociedade, nós não vamos poder fugir. A Igreja vai ter que dar uma resposta a essa problemática. E convocar a sociedade para esse diálogo. Há tanto coisa positiva quanto negativa na inteligência artificial, por exemplo, e ele vai aprofundar esse tema.

Pesou mais para a eleição dele o episcopado latino-americano ou o episcopado norte-americano?

Latino-americano. Com certeza. O fato de ele ter essa experiência latino-americana, falar perfeitamente o espanhol. É, e ter essa imersão no Peru, com cidadania peruana. Foi muito simbólico ele ter mandado aquele recado para a diocese de Chiclayo, falando em espanhol. Não foi em inglês. Ele não mandou recados para a cidade de Chicago, onde nasceu. Mas para Chiclayo, onde viveu.

Podemos ver nisso um recado de insatisfação com os rumos atuais dos Estados Unidos?

As causas dele confrontam com as causas do atual governo dos Estados Unidos. Há vários exemplos, como a questão da imigração.

Quando ele virá ao Brasil?

Ele virá ao Brasil. É o que sabemos. Quando, não é possível dizer. Mas podemos dizer que ele gosta muito do povo brasileiro. Isso ficava muito claro nas vezes que vinha aqui. Ele veio várias vezes ao Brasil. Ele tem um carinho muito grande pelo povo brasileiro e ele entende bem o português, e fala um português assim bastante aceitável. Ele vai viajar muito. É um missionário e um aventureiro, que gosta muito de dirigir. Percorria todo o Peru com o carro dele.