O eterno “futuro do marketing” no crescimento real da economia
Opinião de André Zeferino, consultor em Estratégia de Marketing e autor dos livros “Digital Marketing Analytics” e “Marketing Mindset”.


Por André Zeferino, consultor em Estratégia de Marketing, autor dos livros “Digital Marketing Analytics” e “Marketing Mindset” e co-autor de “Marketing Futureland”
O “futuro do marketing” é um tema inesgotável nas suas narrativas, frequentemente debatido numa bolha autorreferenciada de tendências, por vezes longe das preocupações reais do grande público e desconectada das dinâmicas que mostram o papel do marketing na criação de riqueza social, produtiva e, por consequência, económica.
Ao longo das últimas décadas, esta área atravessou sucessivas vagas de inovação tecnológica: da internet à digitalização, da virtualização à recente ascensão da IA. Cada etapa trouxe novas promessas de reinvenção e um novo arsenal de ferramentas para os profissionais. Mas perante esta constante narrativa de transformação, o que mudou, de facto, na sua função essencial?
Os instrumentos evoluíram, mas a ética e a lógica do seu uso pouco acompanharam, porque o modelo dominante continua ancorado na lógica da interrupção e na obsessão pela atenção e visibilidade, gerando uma sobrecarga de estímulos, fadiga cognitiva e crescente rejeição emocional num cenário já poluído por desinformação. A “corrida à IA”, longe de inverter esta tendência, tem servido para a intensificar, automatizando o ruído em vez de aumentar o valor para lá da mera transacção.
Historicamente visto como um custo acessório, o marketing continua a enfrentar dificuldades em demonstrar retorno mensurável, sobretudo quando comparado com os indicadores clássicos de prosperidade económica. O seu ensino, frequentemente afastado da economia, agravou este fosso: enquanto economistas falam de PIB, produtividade e investimento, os marketers discutem “engagement”, “awareness” ou “influencers”, quase sempre sem um ponto de contacto entre os dois mundos.
A sua imagem pública não ajuda: práticas como as vendas agressivas ou a comunicação política mantêm-se os seus embaixadores mais visíveis (e também os menos desejáveis), perpetuando a perceção de manipulação e superficialidade.
É urgente, por isso, resgatar o marketing da bolha em que se tornou refém de si próprio. A sua missão não é gerar “buzz”, nem confundir os meios com os fins, mas afirmar-se como uma força de progresso económico e cultural, porque, devidamente enquadrado, dispõe de racionais, métodos e processos que geram crescimento, valor exportável e impulsionam o desenvolvimento de sociedades mais competitivas.
O seu poder reside na capacidade de criar mercados e estimular a procura em novos conceitos, seja na reconfiguração de um café banal num ritual premium, à emergência de marcas globais em áreas como mobilidade, alimentação, saúde ou bem-estar.
Em mercados maduros, onde as margens ficam pressionadas, uma estratégia de marketing sólida é frequentemente o último diferencial competitivo, ou mesmo a única alavanca de internacionalização. O caso do enoturismo português ou das startups globalizadas é exemplar: os produtos e os serviços exportam-se, mas as marcas viajam antes deles. A reputação e a narrativa precedem a logística e abrem portas.
O efeito multiplicador do marketing na economia real
Cada euro investido em marketing não se esgota numa campanha. Alimenta um ecossistema dinâmico que integra agências, plataformas tecnológicas, criadores de conteúdo, meios de comunicação, freelancers e serviços analíticos. E estimula inovação contínua através das marcas que querem manter-se relevantes e precisam de melhorar portfólios e experiências, gerando um ciclo virtuoso de valor.
Este efeito multiplicador é real e demonstrável. Embora os resultados económicos dependam do desempenho agregado de empresas e indústrias, o marketing tem um papel estrutural neste impacto. Estudos recentes, que consideram efeitos directos, indirectos e induzidos, indicam contributos significativos no PIB: nos EUA, estima-se que a sua influência represente entre 10% e 13%. No Reino Unido, este impacto pode chegar aos 8%, com estudos a indicar que cada libra investida em publicidade gera seis de retorno económico.
Na Alemanha, o impacto varia entre 3% e 5%, com destaque para o sector B2B e a exportação de marcas de cariz técnico. Em França, as estimativas rondam os 3,5% num contributo das indústrias do luxo e lifestyle. Já em Portugal, os números podem rondar os 3% do PIB, pelo impacto na internacionalização de sectores estratégicos.
Neste contexto, os avanços recentes da IA devem representar um ponto de inflexão. Ao expor a obsolescência de tarefas operacionais de marketing, exige o redesenho de competências, currículos e funções. Esta reconfiguração é uma oportunidade decisiva para centrar esta área no coração das organizações, onde deve estar.
Do futuro prometido ao valor entregue
O marketing do futuro não deve apenas perguntar “quem viu ou quem se lembra da marca?”, mas sim “o que mudou com ela?”. As marcas genuinamente relevantes medem-se pela consistência dos seus resultados e provas dadas, porque a tão proclamada transformação do marketing não acontece no seu umbigo, mas no compromisso real com a competitividade, o crescimento sustentável e o bem-estar social.
O futuro só tem lugar quando a bolha rebenta, porque o marketing apenas cumpre a sua missão quando serve algo maior do que ele próprio.