Júnior não é assistente

Tenho visto com frequência times de produto onde, além da Product Manager, há também uma APM (Associate Product Manager) que acaba exercendo um papel quase de assistente ou secretária da PM: coletar dados, agendar reuniões, tomar notas, organizar tarefas no backlog, e por aí vai.

Esse tipo de atribuição pode até parecer útil como uma forma de treinar alguém que está começando na área de produto, já que oferece a oportunidade de conhecer algumas das tarefas do dia a dia de uma PM. Contudo, na prática, é uma maneira bastante limitada — e até contraproducente — de treinamento, pois a APM não tem a chance de vivenciar o ciclo completo de desenvolvimento de produto. E, sem vivenciar o todo, o aprendizado será superficial.

Quem me conhece sabe que gosto de usar analogias para explicar conceitos. Então aqui vai uma pessoal: minha filha fez 18 anos recentemente e queria aprender a dirigir. Imagine se o processo de aprendizado dela fosse ser “assistente” de alguém que já dirige. Ela faria tarefas como ligar o rádio, trocar a marcha quando pedissem, acionar o limpador de para-brisa — mas nunca colocaria as mãos no volante.

Aprender a dirigir é muito mais do que saber o que acontece dentro de um carro. É sobre tomar decisões, entender o contexto, lidar com imprevistos — e, claro, sentir a responsabilidade de estar no controle. Por isso, o processo de aprendizado acontece em etapas: primeiro no simulador, depois em ruas calmas, só então em avenidas mais movimentadas.

Com pessoas iniciando na carreira de produto, devemos fazer o mesmo. A melhor forma de aprender não é sendo assistente de quem já está ao volante, mas assumindo o volante — ainda que em uma rua tranquila.

Queremos que a pessoa júnior aprenda já assumindo responsabilidades reais, mas, inicialmente, em um ambiente seguro. Podemos (e devemos) dar a ela um pedaço pequeno do produto, com baixa complexidade, mas com a responsabilidade de cuidar de todo o ciclo de desenvolvimento. Para tornar esse aprendizado mais efetivo, é importante que essa pessoa esteja próxima de profissionais experientes (PMs, designers e desenvolvedores) que possam orientar, tirar dúvidas e mostrar caminhos.

Uma pessoa júnior deve ter a oportunidade de vivenciar e coordenar o discovery do problema, o discovery da solução e apoiar, participando ativamente, o delivery de um produto ou funcionalidade. Sempre garantindo que essa entrega, de fato, resolva um problema real da cliente, por meio da tecnologia, e gere resultado para a empresa. Naturalmente, será um produto ou funcionalidade menor, com menos complexidade — assim como quem está aprendendo a dirigir começa pelas ruas mais tranquilas.

Dessa forma, essa pessoa aprende a tomar decisões, a priorizar e a se comunicar com o time técnico, com designers e com stakeholders — responsabilidades essenciais do papel de uma PM.

Com o avanço da inteligência artificial, esse tipo de tarefa mais operacional — tomar notas, organizar tarefas, buscar dados, agendar reuniões — será cada vez mais absorvido por ferramentas. Por isso, além de esse papel de assistente não ser a melhor forma de treinar PMs juniores, essa abordagem acaba ensinando tarefas acessórias que, cada vez mais, serão realizadas de forma mais rápida e eficiente por ferramentas de IA.

Para quem lidera times de produto, deixo aqui o meu convite: olhe com atenção para como sua equipe está desenvolvendo quem está começando. Júnior não é assistente. Júnior é alguém em formação. E formação exige prática — não apenas observação e execução de tarefas acessórias.

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