O que é dano qualificado?
O crime de dano qualificado é uma infração que, embora pareça simples à primeira vista, possui implicações jurídicas significativas, especialmente quando envolve bens públicos ou é cometido sob circunstâncias agravantes. Definido no artigo 163 do Código Penal, esse crime abrange a destruição, inutilização ou deterioração de bens alheios e pode ter suas penas aumentadas dependendo […]

O crime de dano qualificado é uma infração que, embora pareça simples à primeira vista, possui implicações jurídicas significativas, especialmente quando envolve bens públicos ou é cometido sob circunstâncias agravantes.
Definido no artigo 163 do Código Penal, esse crime abrange a destruição, inutilização ou deterioração de bens alheios e pode ter suas penas aumentadas dependendo das condições em que ocorre.
Quais são as situações que qualificam esse crime? Como ele é tratado no contexto jurídico e social?
Este texto explora essas questões, oferecendo uma visão detalhada sobre o crime de dano qualificado e apresentando exemplos práticos, como o caso recente do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de dano qualificado ao patrimônio público durante os eventos de 8 de janeiro de 2023.
O que é crime de dano qualificado?
De acordo com o artigo 163 do Código Penal, o crime de dano qualificado ocorre quando alguém destrói, inutiliza ou deteriora uma coisa que não lhe pertence. A pena para esse tipo de crime pode variar de detenção de 1 a 6 meses ou multa.
No entanto, quando o crime é cometido de forma mais grave, com agravantes específicas, ele é considerado dano qualificado, levando a penas mais severas.
O dano qualificado é caracterizado quando o crime é praticado sob condições que o tornam mais grave, conforme o parágrafo único do artigo 163. Estas condições são:
- Com violência à pessoa ou grave ameaça: quando o dano é cometido com agressão física ou ameaça grave à integridade de alguém;
- Com emprego de substância inflamável ou explosiva: quando o dano é causado por substâncias perigosas, como fogo ou explosivos, desde que o fato não constitua um crime mais grave;
- Contra o patrimônio público ou de entidades específicas: quando o dano é praticado contra bens da União, Estado, Município, autarquias, ou empresas públicas e concessionárias de serviços públicos;
- Por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima: quando o crime é cometido por interesse próprio ou gera um grande prejuízo à vítima.
Nos casos de dano qualificado, a pena pode ser detenção de 6 meses a 3 anos, além de multa, e, se houver violência, a pena será aumentada.
O dano qualificado é tratado com mais severidade, considerando não apenas o dano material, mas também as circunstâncias que o rodeiam.
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Dano ao patrimônio público
Quando o dano é cometido contra o patrimônio público, ele recebe uma gravidade maior devido à sua importância para a sociedade. O patrimônio público envolve bens essenciais para o funcionamento do Estado, como edifícios governamentais, monumentos, e equipamentos de uso coletivo.
Nesse caso, a ação penal é pública e incondicionada, ou seja, o processo pode ser iniciado independentemente da vontade da vítima. Esse tipo de dano afeta a coletividade, e a legislação vai garantir a proteção desses bens.
Exemplo: Quando ocorre um dano a um telefone público, mesmo que o valor do objeto seja baixo, a justiça pode entender que o bem possui valor de relevância social, afastando o princípio da insignificância e tratando o caso como um dano qualificado.
De acordo com o professor e promotor de justiça André Estefam, o crime de dano possui diversas classificações:
- Crime comum: pode ser praticado por qualquer pessoa, sem distinção;
- Crime simples: protege um único bem jurídico (geralmente o patrimônio), e a consumação depende de um resultado naturalístico (dano material ao bem);
- Crime de forma livre: o agente pode usar qualquer meio para cometer o crime;
- Crime unissubjetivo: não exige a participação de outras pessoas para ser consumado;
- Crime instantâneo e plurissubsistente: embora a consumação aconteça rapidamente, a conduta pode ser fracionada, permitindo a tentativa.
O dolo, ou seja, a intenção de causar dano, é um requisito fundamental para a configuração do crime de dano. A jurisprudência discute se o dolo específico (intenção de prejudicar diretamente o proprietário do bem) é necessário.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se consolidado no sentido de que, para a configuração do crime de dano, basta o dolo genérico. Ou seja, a vontade de causar o dano já é suficiente para caracterizar o crime, independentemente de o agente ter a intenção de prejudicar diretamente o proprietário do bem.
Exemplos de dano qualificado:
- Dano a bens públicos: a destruição de equipamentos públicos, como telefones de orelhão ou o vidro de viaturas policiais, pode ser enquadrada como dano qualificado. Mesmo que o objetivo do agente seja outro (como a fuga ou um ato de revolta), o simples ato de destruir ou inutilizar esses bens configura o crime;
- Dano durante tentativas de fuga: se um preso danifica a cela durante uma fuga, ele comete dano qualificado ao patrimônio público, conforme a jurisprudência, que considera o dolo genérico suficiente.
O caso de Jair Bolsonaro e o dano qualificado ao patrimônio público
Em 8 de janeiro de 2023, ocorreram invasões e destruições de prédios públicos em Brasília, incluindo o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi acusado de dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado devido a esses eventos.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou Bolsonaro por cinco crimes, incluindo o dano qualificado ao patrimônio da União. No entanto, a Polícia Federal, ao embasar a denúncia, não incluiu essas acusações de dano qualificado diretamente em seu relatório.
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Ela se concentrou em crimes mais graves, como tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.
A PGR, por sua vez, usou os crimes de dano qualificado para fortalecer a acusação, apontando que, mesmo sem participação direta de Bolsonaro nos atos de destruição, seus discursos ajudaram a incitar os atos violentos e criaram o ambiente propício para eles.
A inclusão de dano qualificado na denúncia tem um caráter estratégico, como apontado pelos especialistas Marcelo Crespo, criminalista e coordenador da graduação em Direito da ESPM-SP, e David Metzker, criminalista.
Crespo explica que, ao incluir esses tipos penais, a PGR consegue estabelecer um elo entre os discursos de Bolsonaro e os atos violentos, mesmo que o ex-presidente não estivesse no Brasil no dia da destruição.
O professor afirma que a denúncia pretende fortalecer a acusação de que Bolsonaro ajudou a criar o ambiente para os ataques aos Três Poderes.
David Metzker observa que, apesar de os crimes de dano qualificado não serem os mais graves, eles são usados na base fática da acusação, ajudando a estabelecer um vínculo entre a violência contra o Estado e a incitação de Bolsonaro.
Os crimes de dano qualificado ao patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado podem resultar em seis anos de prisão para o ex-presidente. No entanto, essas acusações são apenas uma parte de um conjunto de acusações.
Se todas as acusações forem confirmadas, a pena total pode chegar a 28 anos de prisão, considerando os crimes mais graves, como tentativa de golpe de Estado e organização criminosa.