Minha hora com Warren Buffett

Como se comporta um mito longe das luzes, das câmeras e dos palcos? Essa era uma das perguntas que eu me fazia na manhã de 12 de maio de 2012, enquanto caminhava para o escritório de Warren Buffett. Será que longe dos holofotes ele seria mesmo um sujeito tão simples, curioso e bonachão – imagem […] The post Minha hora com Warren Buffett appeared first on Brazil Journal.

Mai 11, 2025 - 04:13
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Minha hora com Warren Buffett

Como se comporta um mito longe das luzes, das câmeras e dos palcos?

Essa era uma das perguntas que eu me fazia na manhã de 12 de maio de 2012, enquanto caminhava para o escritório de Warren Buffett. Será que longe dos holofotes ele seria mesmo um sujeito tão simples, curioso e bonachão – imagem que cultivava publicamente havia décadas? Bastaram poucos segundos em sua companhia para eu descobrir que, de perto, Buffett é ainda melhor.

Ele já havia me surpreendido duas semanas antes do nosso encontro. À época eu estava escrevendo o livro Sonho Grande, sobre a trajetória de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Buffett e Lemann eram velhos amigos, e eu sabia que se conseguisse uma entrevista exclusiva com ele o livro ganharia outra envergadura.

Depois de muito bater cabeça, descobri o email de sua assistente e enviei uma mensagem falando do meu projeto. Recebi uma resposta no mesmo dia – curta e direta, assinada pelo próprio Buffett, dizendo que topava. Eu teria 60 minutos com o Oráculo de Omaha.

Warren Buffett

Quem trabalha nos luxuosos edifícios da Faria Lima provavelmente torceria o nariz para o prédio onde Buffett dá expediente, no interior de Nebraska.

Com apenas 15 andares, o edifício cinzento tem zero charme. Naquele sábado havia apenas um funcionário no lobby. Refestelado na cadeira atrás do balcão da recepção ele pergunta meu nome e me orienta a seguir direto para o elevador, sem solicitar qualquer documento. Não havia seguranças à vista – nem no térreo nem no 14º andar, onde fica o escritório de Buffett.  

Toco a campainha e o próprio Oráculo, então o quarto homem mais rico do mundo, abre a porta. A primeira coisa que faço é me desculpar por estar adiantada. Cheguei 25 minutos antes do horário previsto, já que a ansiedade me despertara às 5 horas da manhã.

Ele sorri, aperta minha mão e pergunta qual a forma correta de falar meu sobrenome (algo que nunca haviam me questionado). Veste calça cáqui e camisa azul de mangas longas. A camisa traz bordada no peito as iniciais de sua empresa – “BH” -– e não as de seu nome. Fico com a sensação de que para ele BH ou WB são a mesma coisa.

Naquela manhã o escritório estava praticamente vazio. Enquanto caminhávamos para sua sala ele me perguntou se eu gostaria de uma Coca-Cola. Eu não bebo refrigerante, mas claro que aceitei. (A verdade é que eu estava tão encantada com aquela simplicidade toda que se ele me oferecesse cianureto eu provavelmente tomaria de bom grado.)

Sua sala é menor e mais discreta que a de muitos executivos que eu havia entrevistado ao longo da carreira. Mede apenas 25 metros quadrados e tem móveis escuros, persianas de madeira, estantes repletas de livros. Espartana e funcional. Estamos sozinhos ali.  Ao contrário de 99% das pessoas que entrevistei ao longo da carreira, Buffett não precisa de ninguém que o acompanhe numa conversa com uma jornalista.

Falamos sobre muitos temas: o começo de sua amizade com Lemann no conselho da Gillette (“Ele não fingia  saber coisas que não sabia, ele não falava só para escutar a própria voz, tinha uma tremenda visão de negócios, era articulado e claro, algo que não pode ser dito de todos os conselheiros”), sobre como reage frente às oscilações do mercado (“Se você tem ações e não dorme à noite pensando nelas, é melhor fazer outra coisa”), sobre a importância de ganhar dinheiro (“Nunca é sobre dinheiro. É sobre querer fazer uma coisa bem –  e isso não acaba nunca. Essa é a graça do jogo. A partir de um determinado ponto, o dinheiro não tem mais utilidade”).

A certa altura, a conversa foi interrompida por Tracy Britt, uma jovem que fora contratada por Buffett havia pouco tempo. Aproveitei para perguntar como era uma entrevista de emprego com ele. 

“A Tracy foi criada numa fazenda que fica a três, quatro horas daqui. Como ela sabia que eu gostava de milho, me trouxe alguns no dia da entrevista. Eu sei das coisas diferentes que empresas como Microsoft e Google fazem para contratar, mas não sou assim. Simplesmente sei que uma pessoa como a Tracy é muito esperta. Estou mais interessado em conhecer que tipo de pessoa ela é do que no currículo”, explicou.

(Tracy deixou Berkshire em 2019 para fundar sua própria empresa de investimentos). 

“Eu quero pessoas legais ao meu redor. Esse escritório funcionaria se houvesse um bando de gente desagradável? Acho que não. Tivemos uma pessoa assim uns anos atrás e isso comprometeu a produtividade de todo mundo. Por que você se cercaria de gente que faz seu estômago virar?”

Enquanto eu o entrevistava, Buffett não espiou o relógio ou o celular nenhuma vez. Estava de fato ali. Presente e interessado. 

Num momento em que me embananei com o inglês e não encontrei a palavra certa para fazer uma pergunta, ele teve a gentileza de me tranquilizar e se esforçar para me entender. Ao final de quase uma hora de conversa, inverteu os papeis e passou a me fazer perguntas sobre o Brasil. 

Eu pensava que não era possível que uma lenda como ele estivesse genuinamente interessado no que uma mulher parda, de meia idade e vinda da periferia de São Paulo tinha a dizer.

Mas ele estava.

Antes de sair da sala, pedi para tirarmos uma foto. Constrangida por parecer um tanto tiete, expliquei que nunca havia feito esse pedido a um entrevistado. Ele chamou Tracy e pediu que ela fotografasse. Passou o braço direito pelo meu ombro e sorriu para o clique.

Em seguida, falou: “Agora vamos fazer uma em que eu falo ao pé do seu ouvido, como se estivesse contando um segredo.” Eu, obviamente, caí na gargalhada – e assim a imagem foi registrada.

Buffett me acompanhou até a saída e então perguntou para onde eu iria depois de Omaha. Respondi que voltaria ao Brasil. “Você veio de lá só pra falar comigo?”, questionou, espantado e erguendo as sobrancelhas, como se tivesse achado o motivo da viagem um exagero.

Quando o investidor anunciou sua aposentadoria, dias atrás, vasculhei meus arquivos para encontrar todas as anotações da nossa conversa, ocorrida quando ele ainda era um jovem octogenário.

Movido a hambúrguer e Coca-Cola (uma dieta que provoca arrepios em qualquer especialista em longevidade), ele evitou se afastar da sua criação o quanto pôde.

Agora, aos 94 anos, capitulou e elegeu Greg Abel, na Berkshire desde 2000, como seu sucessor. Se seguiu o que me disse em 2012, quando o indaguei sobre uma eventual sucessão na firma, Buffett não o “preparou” para o novo cargo: “Não há como ensinar alguém a fazer o que eu faço. Tenho que encontrar alguém que já esteja preparado.”

Tomara que Greg esteja.

Cristiane Correa é jornalista e escritora.

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