Mais um mau serviço do PR, do Governo e dos partidos políticos
(créditos: EFE/EPA/JOSE SENA GOULAO) Por diversas vezes, nomeadamente em artigo publicado no Público em 10/02/2022, chamei a atenção para o que estava a acontecer com o voto nos círculos da emigração e com os problemas atinentes aos sufrágios remetidos por via postal e ao voto presencial em eleições legislativas. Os eleitores que residem no estrangeiro podem escolher entre uma das duas modalidades: nos temos do art.º 79.º, n.º 4, da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, “[o]s eleitores residentes no estrangeiro exercem o direito de voto presencialmente ou pela via postal, consoante optem junto da respe[c]tiva comissão recenseadora no estrangeiro até à data da marcação de cada a[c]to eleitoral.” O art.º 79.º-F desse diploma esclarece que a “opção entre o voto presencial ou voto por via postal por parte dos eleitores residentes no estrangeiro é feita junto da respe[c]tiva comissão recenseadora até à data da marcação de cada acto eleitoral.”, não podendo essa opção ser alterada “entre a data da marcação e a de realização de cada a[c]to eleitoral.” O voto por correspondência têm funcionado mal. Ou não funciona de todo. A consequência tem sido o desperdício de centenas de milhares de votos. O tempo necessário para a preparação e envio dos boletins é excessivo, a burocracia envolvida é pesada e os envelopes com os votos demoram uma imensidão a chegar a Lisboa, acabando uma grande parte, quando não a maioria, por chegar depois de decorrido o prazo de recepção para que possam ser contabilizados. A opção que os eleitores recenseados anteriormente fizeram pelo voto por correspondência podia ser agora mudada para o voto presencial se o pudessem fazer até à data da marcação das eleições, isto é, salvo melhor opinião, até à publicação no Diário da República do decreto presidencial que fixa a data do acto eleitoral. Entre a data do anúncio do PR de que iria dissolver a AR e convocar novas eleições – 13 de Março – e o dia escolhido – 18 de Maio – havia 66 dias, o que permitiria, se o diploma fosse publicado até 55 dias antes (prazo limite a respeitar nas situações de dissolução, face ao art.º 19.º, n.º 1, da Lei Eleitoral da Assembleia da República) da data agendada para as eleições, que houvesse uma janela de cerca de dez dias, prévia à suspensão de acesso informático ao sistema de recenseamento eleitoral, pois que só através deste sistema, a funcionar junto dos consulados portugueses, seria possível proceder à escolha da opção pelo voto presencial. Com a rejeição do voto de confiança pedido pelo governo de Luís Montenegro, e a subsequente dissolução da Assembleia da República e a marcação da data das eleições para 18 de Maio p.f., tudo se precipitou e a possibilidade de muitos poderem optar pelo voto presencial, para que desta vez o seu voto fosse contado, fechou-se num espaço de tempo muito curto, inviabilizando-se o exercício desta opção. Será por essas razões – atraso no envio dos boletins de voto, encerramento quase imediato do sistema de recenseamento e morosidade da chegada dos sobrescritos a Lisboa – mais do que certo que muitas centenas de milhares de eleitores não exercerão o seu direito de voto e muitos milhares de votos se perderão, ficando impedida a sua contabilização, aumentando-se os valores da abstenção, distorcendo-se a vontade dos eleitores e o resultado final. Impunha-se que o Presidente da República, que apenas se preocupou com os partidos políticos concorrentes e o tempo necessário à preparação e apresentação das listas de candidatos, tivesse também pensado nisto quando anunciou ao país, em 13 de Março p.p., a data para as eleições legislativas de 18 de Maio. E do Governo, através do Ministério da Administração Interna e da Secretaria de Estado das Comunidades Portugueses, esperava-se que, através dos postos consulares e dos canais próprios, de imediato procedesse à difusão de informação, alertando os emigrantes e potenciais eleitores para a necessidade de procederem com urgência às operações de recenseamento e de actualização dos cadernos eleitorais, ainda que num curtíssimo período, de modo a que não ficassem de fora no próximo acto eleitoral. Nada disto aconteceu. Os direitos e deveres cívicos dos portugueses residentes nos círculos da emigração foram pura e simplesmente desprezados e ignorados. E se houve alguns consulados que, não obstante essa breve janela temporal, procederam à difusão de avisos em redes sociais, os quais terão chegado a alguns eleitores, a maior parte não teve conhecimento do que se impunha e vai sujeitar-se, de novo, a ficar limitada a um voto por correspondência, se chegar a tempo, que não só de nada servirá como, nalguns casos, voltará a potenciar a fraude. A situação é tão triste, e ao mesmo tempo tão caricata, que ainda ontem, 18 de Março, em Macau, o Telejornal do único canal em língua portuguesa anunciou a possibilidade dos portugueses residentes na RAEM poderem realizar a opção pelo voto presencial hoje – quarta-feira, 19 de Março – ou amanhã – quint

(créditos: EFE/EPA/JOSE SENA GOULAO)
Por diversas vezes, nomeadamente em artigo publicado no Público em 10/02/2022, chamei a atenção para o que estava a acontecer com o voto nos círculos da emigração e com os problemas atinentes aos sufrágios remetidos por via postal e ao voto presencial em eleições legislativas.
Os eleitores que residem no estrangeiro podem escolher entre uma das duas modalidades: nos temos do art.º 79.º, n.º 4, da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, “[o]s eleitores residentes no estrangeiro exercem o direito de voto presencialmente ou pela via postal, consoante optem junto da respe[c]tiva comissão recenseadora no estrangeiro até à data da marcação de cada a[c]to eleitoral.” O art.º 79.º-F desse diploma esclarece que a “opção entre o voto presencial ou voto por via postal por parte dos eleitores residentes no estrangeiro é feita junto da respe[c]tiva comissão recenseadora até à data da marcação de cada acto eleitoral.”, não podendo essa opção ser alterada “entre a data da marcação e a de realização de cada a[c]to eleitoral.”
O voto por correspondência têm funcionado mal. Ou não funciona de todo. A consequência tem sido o desperdício de centenas de milhares de votos. O tempo necessário para a preparação e envio dos boletins é excessivo, a burocracia envolvida é pesada e os envelopes com os votos demoram uma imensidão a chegar a Lisboa, acabando uma grande parte, quando não a maioria, por chegar depois de decorrido o prazo de recepção para que possam ser contabilizados.
A opção que os eleitores recenseados anteriormente fizeram pelo voto por correspondência podia ser agora mudada para o voto presencial se o pudessem fazer até à data da marcação das eleições, isto é, salvo melhor opinião, até à publicação no Diário da República do decreto presidencial que fixa a data do acto eleitoral.
Entre a data do anúncio do PR de que iria dissolver a AR e convocar novas eleições – 13 de Março – e o dia escolhido – 18 de Maio – havia 66 dias, o que permitiria, se o diploma fosse publicado até 55 dias antes (prazo limite a respeitar nas situações de dissolução, face ao art.º 19.º, n.º 1, da Lei Eleitoral da Assembleia da República) da data agendada para as eleições, que houvesse uma janela de cerca de dez dias, prévia à suspensão de acesso informático ao sistema de recenseamento eleitoral, pois que só através deste sistema, a funcionar junto dos consulados portugueses, seria possível proceder à escolha da opção pelo voto presencial.
Com a rejeição do voto de confiança pedido pelo governo de Luís Montenegro, e a subsequente dissolução da Assembleia da República e a marcação da data das eleições para 18 de Maio p.f., tudo se precipitou e a possibilidade de muitos poderem optar pelo voto presencial, para que desta vez o seu voto fosse contado, fechou-se num espaço de tempo muito curto, inviabilizando-se o exercício desta opção.
Será por essas razões – atraso no envio dos boletins de voto, encerramento quase imediato do sistema de recenseamento e morosidade da chegada dos sobrescritos a Lisboa – mais do que certo que muitas centenas de milhares de eleitores não exercerão o seu direito de voto e muitos milhares de votos se perderão, ficando impedida a sua contabilização, aumentando-se os valores da abstenção, distorcendo-se a vontade dos eleitores e o resultado final.
Impunha-se que o Presidente da República, que apenas se preocupou com os partidos políticos concorrentes e o tempo necessário à preparação e apresentação das listas de candidatos, tivesse também pensado nisto quando anunciou ao país, em 13 de Março p.p., a data para as eleições legislativas de 18 de Maio.
E do Governo, através do Ministério da Administração Interna e da Secretaria de Estado das Comunidades Portugueses, esperava-se que, através dos postos consulares e dos canais próprios, de imediato procedesse à difusão de informação, alertando os emigrantes e potenciais eleitores para a necessidade de procederem com urgência às operações de recenseamento e de actualização dos cadernos eleitorais, ainda que num curtíssimo período, de modo a que não ficassem de fora no próximo acto eleitoral.
Nada disto aconteceu. Os direitos e deveres cívicos dos portugueses residentes nos círculos da emigração foram pura e simplesmente desprezados e ignorados.
E se houve alguns consulados que, não obstante essa breve janela temporal, procederam à difusão de avisos em redes sociais, os quais terão chegado a alguns eleitores, a maior parte não teve conhecimento do que se impunha e vai sujeitar-se, de novo, a ficar limitada a um voto por correspondência, se chegar a tempo, que não só de nada servirá como, nalguns casos, voltará a potenciar a fraude.
A situação é tão triste, e ao mesmo tempo tão caricata, que ainda ontem, 18 de Março, em Macau, o Telejornal do único canal em língua portuguesa anunciou a possibilidade dos portugueses residentes na RAEM poderem realizar a opção pelo voto presencial hoje – quarta-feira, 19 de Março – ou amanhã – quinta-feira, 20 de Março –, quando se verificou que a suspensão do sistema informático de actualização dos cadernos terá começado às 00:00 horas de Lisboa, pelo que os portugueses que, face a essa notícia, quisessem exercer esta manhã a opção pelo exercício presencial do seu direito de voto nas próximas eleições, e tivessem assistido ontem ao jornal televisionado da TDM, bateram com o nariz na porta.
Do Ministério da Administração Interna, cuja ministra mostrou ser politicamente inepta, muito pouco havia a esperar. De José Cesário, o secretário de Estado das Comunidades, que exerce o cargo pela quarta vez, era de admitir que ao fim de tanto tempo tivesse aprendido alguma coisa. E que nos últimos doze meses se preocupasse, face ao sucedido em anteriores actos eleitorais, em "dar corda aos sapatos". Não para ir aos bailaricos das comunidades, mas para contribuir para o inadiável processo de reforma, evitando a repetição do sucedido. Porém, não foi isso que sucedeu.
A vida deste Governo foi curta. Por culpa própria ou das oposições logo se verá. Só que em matéria de reforma das leis eleitorais, enquanto durou, voltou a impor-se a propaganda ao serviço público.
E quanto aos demais partidos, a começar pelo PS, estou convicto de que nenhum deles pensou no assunto.
Assim se perderam mais doze meses num processo inadiável, com as consequências que estão à vista de todos e que se confirmarão quando forem conhecidos os resultados do próximo acto eleitoral.
Siga a marcha.