Do conceito à identidade: Os segredos de Pedro González e Hélder Pombinho, da VML Branding, para criarem marcas globais

Nesta entrevista à Marketeer, os dois profissionais falam do percurso que os levou a criar marcas de sucesso internacional a partir de Portugal, os desafios enfrentados e as tendências que moldam o futuro do setor.

Abr 7, 2025 - 11:23
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Do conceito à identidade: Os segredos de Pedro González e Hélder Pombinho, da VML Branding, para criarem marcas globais

A inovação e a estratégia definem o trabalho de Pedro González (PG) e Hélder Pombinho (HP), Managing Director e Diretor Criativo da VML Branding. Há 10 anos, lideram esta agência do grupo WPP, especializada em identidade de marca e com impacto global em mercados como Arábia Saudita, Reino Unido e Suíça.

A experiência que ambos têm reflete-se em projetos de grande dimensão, como a identidade visual do UEFA Euro 2028 e colaborações com a FIFA e a FIBA.

Nesta entrevista à Marketeer, os dois profissionais falam do percurso que os levou a criar marcas de sucesso internacional a partir de Portugal, os desafios enfrentados e as tendências que moldam o futuro do setor. Do papel da IA no branding à transformação das marcas e ao seu impacto global, esta conversa promete insights sobre estratégia, criatividade e inovação.

Quais foram os maiores desafios enfrentados como Managing Director ao longo destes 10 anos na VML Branding?

Pedro González (PG) – Foram muitos e de vária ordem. Começou pela afirmação desta área especializada no desenvolvimento de sistemas de identidade num grupo internacional focado em publicidade. Para isso, contribuiu muito a nossa vitória no concurso para a marca do UEFA Euro 2020, precisamente há 10 anos, dando-nos o impulso reputacional e financeiro para a caminhada que fizemos até hoje. A nossa estratégia comercial foi alicerçada nesse projeto e nas nossas experiências profissionais, conseguindo chegar a outras confederações internacionais, trabalhando em vários projetos para a FIFA e a FIBA.A construção da nossa equipa, o facto de termos uma estrutura coesa, que partilha a mesma visão, com a área estratégica, criativa e comercial perfeitamente alinhadas, teve também um papel fundamental na nossa caminhada.

Que estratégia considera ter sido fundamental para transformar marcas locais em referências globais?

Uma das características desta área da comunicação é a ligação profunda que tem com o negócio. Não é uma ação táctica. É um exercício estratégico de longo prazo, alicerçado nos valores e na verdade da marca, nos seus objetivos, procurando destacá-la da sua concorrência, evidenciando os seus fatores de diferenciação. Para fazê-lo, temos de começar por um trabalho de consultoria que nos leva a múltiplas interações com os nossos clientes, procurando conhecer a sua operação, de forma a que a solução que propomos seja não só adequada do ponto de vista da percepção que tenha no mercado, mas também que seja fácil de implementar. É precisamente nesta ligação entre a estratégia de marca e o negócio dos nossos clientes, que está o segredo do sucesso de uma operação de mudança de identidade visual ou de criação de uma nova marca.

Como avalia o impacto da pertença ao grupo WPP na internacionalização da VML Branding?

O facto de pertencermos a um grupo de expressão mundial, que chega a mais de 150 países, tem sido bastante importante. Quando criámos a marca para o FIBA Basketball World Cup 2023, que decorreu nas Filipinas, Japão e Indonésia, os nossos escritórios locais ajudaram-nos a validar o conceito criativo e a identidade visual, confirmando a relevância local que o trabalho que estávamos a desenvolver tinha. Isto passa muita confiança aos nossos clientes, mesmo num cenário em que se trata de uma marca global, porque ela tem de ter valores e personalidade com raízes locais. Estamos numa posição particularmente vantajosa para ajudar marcas portuguesas a entrar em mercados internacionais, por sermos parte do Grupo WPP.

Que competências são necessárias para liderar uma agência global de branding a partir de Portugal?

Como em qualquer negócio, é fundamental perceber a especificidade da área, encontrar os parceiros de jornada certos – porque nada de faz sozinho – tirar partido do contexto em que se está inserido. Isto implica estar atento às mudanças de mercado, sejam elas tecnológicas, políticas, sociais, culturais ou económicas, garantido que estamos sempre um passo à frente no planeamento das estratégias de abordagem de negócio.

Ao longo da sua carreira, desde os tempos da Expo’98 até ao sucesso global da VML Branding, que lições de liderança mais valiosas aprendeu e como moldaram a sua abordagem na criação e gestão de marcas globais?

A principal foi sempre a liderança pelo exemplo. Tive a sorte de ter pessoas como o Arq. Manuel Salgado ou o Dr. Rolando Borges Martins como referências, numa fase muito inicial da minha carreira. Com eles, aprendi que pior que decidir mal, é não decidir. Mas também que nada se faz sem planeamento e rigor. E se é verdade que o desenvolvimento de um sistema de identidade competente obriga sempre a uma profunda reflexão estratégica, o facto de vir de um mundo profissional que já respirava este princípio, ajudou muito a cimentar esta visão que partilho com o Hélder.

 

Como Diretor Criativo, como é que equilibra inovação com as exigências dos clientes em projetos de identidade visual?

Helder Pombinho (HP): A inovação em Branding não é opcional. Não é possível criar uma marca que não acrescente alguma inovação no mercado. Procuramos em todos os projectos descobrir aquilo que torna a marca em algo necessário e inovador por natureza. Os clientes têm cada vez mais consciência do fator crítico que representa a inovação. No entanto, este elemento é perecível. Para qualquer vantagem competitiva que uma marca apresente existem logo outras que procuram nivelar ou superar essa característica. Existem dois tipos de clientes no que diz respeito à criação de uma marca: aqueles que olham para a marca como um instrumento comercial e aqueles que vêm na marca um instrumento estratégico e orientador. Os primeiros exigem uma identidade que ajude a vender um produto ou serviço, ou que crie reputação numa organização com o fim de o valorizar economicamente. Os segundos preocupam-se com uma visão a longo prazo, que estabeleça um ideal e exigem que a marca represente esse lugar. Ambos estão preocupados com a inovação, só que uns olham para ela como um atributo e outros como uma filosofia.

Quais as tendências globais do branding que acredita que irão moldar o futuro?

O Branding está como todas as actividades criativas sob pressão. Depois do impacto gerado pela rápida adoção da inteligência artificial na criação de algumas fases de projecto, criando a ideia de que tudo vai mudar, existe agora uma expectativa mais moderada sobre o futuro do branding. A ilusão de criar sistemas de identidades consistentes a partir de um “prompt” em dois minutos, não é assim tão diferente das marcas geradas quase instantaneamente numa aplicação online muito populares no início deste século. O problema é sempre o mesmo: Marcas geradas por algoritmos não são humanas. E nós, humanos, rejeitamos marcas que não sejam feitas para nós e por nós. Esta é uma das tendências deste ano: a rejeição da inteligência artificial demasiado artificial. Uma espécie de “Ai free” que alguns criativos estão demasiado excitados em promover. Uma tendência preocupante para as marcas é o pessimismo. As marcas são agentes do otimismo, vivem de ideais, criam ideais. O cinismo e a falta de crença são tendências que estão a obrigar as marcas a mudar. Por um lado temos uma geração emergente, a Z, que perante um mundo cada vez mais caótico procura realidades alternativas, por outro temos ao mesmo tempo uma rejeição à tirania digital. Parece um paradoxo, mas as contradições fazem para dos nossos dias e estão aqui para ficar.

Como avalia o impacto da inteligência artificial no processo criativo do branding?

É incontornável. Ao nível da criação do computador pessoal ou mesmo da internet. Estes dois momentos mudaram a forma como criámos marcas, antes e depois. O mesmo está a acontecer com a inteligência artificial. Talvez o impacto seja ainda mais profundo, porque os dois momentos que mencionei alteraram a forma como usávamos as ferramentas que nos ajudavam a criar marcas. Mas nunca pensámos em alterar o autor. Em criar agentes para no mínimo serem coautores. Esta pequena diferença muda tudo. Talvez, por enquanto, ainda nos possamos sentir confortáveis na coautoria, em distribuir tarefas ao nível da análise e processamento de dados, mas e quando pedirmos à máquina para decidir por nós aquilo que a máquina sabe que é melhor para nós?

Que projetos considera serem os mais desafiantes na sua carreira na VML Branding?

Ao longo dos mais de 10 anos da VML Branding tive dois tipos de desafio que considero os mais exigentes:

O primeiro é o da sobrevivência. Uma espécie de prova de vida. Em Portugal não é fácil criar uma equipa que seja especializada em branding. Não existem oportunidades no mercado local e apontar baterias para o mercado internacional com uma equipa inexperiente foi um ato de coragem e de loucura. Mas quando não existem mais alternativas, não há que hesitar. Tínhamos de ganhar um projeto com escala e que nos desse crédito: O UEFA EURO 2020 foi o projeto da sobrevivência, criado com uma equipa muito pequena de 3 designers (dois estágiários) e um diretor criativo.
O segundo é o da superação. Costumamos dizer que o segundo álbum é o mais importante na carreira de uma banda, sobretudo se o primeiro tiver sucesso. A UEFA NATIONS LEAGUE significou a superação, igualmente com uma equipa pequena, conseguimos superar a fasquia. A partir desse projecto foi sempre a colocar a fasquia mais alto.

Tendo liderado equipas em diversas agências e acumulado um portefólio impressionante de colaborações globais, como mantém a sua criatividade em constante evolução, especialmente num setor tão competitivo e exigente como é o branding?

Curiosidade. Continuo a sentir um fascínio enorme pelo processo criativo. Todas as fases do projecto são estimulantes, mas a fase da criação de uma ideia de marca continua a ser um momento inacreditável. Ninguém pode com certeza absoluta definir este momento. Por mais projectos que faça, continuo a sentir  tudo como se fosse a primeira vez. A experiência conta, mas não chega. A vontade de sentir o deslumbramento da criação de uma ideia de marca é o que conta mais e para isso acontecer só é necessário um instrumento: a curiosidade. Fica mais interessante se no processo fores partilhando este sentimento e estes momentos com outras pessoas. Sozinho não tem a mesma graça.

Qual é o segredo para manter uma colaboração de sucesso ao longo de 10 anos?

PG- Muita paciência (risos)…

Agora a sério, é importante ter uma visão comum: ambos acreditamos no poder das marcas e partilhamos o entendimento de que uma identidade de marca sem estratégia tem como resultado uma marca sem rumo. A importância que damos à nossa equipa, a forma como foi construída e é gerida, tem também sido fundamental no nosso trajecto. E depois, eu tenho uma enorme admiração e respeito pelo trabalho do Hélder. Acredito que ele sente o mesmo.

HP- O Pedro é o tipo gestor que todos os criativos precisam. Dá-te espaço, tempo e confiança sem descarrilar. É um daqueles tipos que não queres decepcionar. Dentro da equipa todos confiamos uns nos outros. Todos queremos fazer marcas mais extraordinárias. Não existe um segredo, existe esta vontade que é comum a todos e sabemos que depende de todos darmos o nosso melhor todos os dias.

Que diferenças identificam entre branding e publicidade no contexto internacional?

PG- De uma forma geral, o branding tende a olhar para as marcas a longo prazo. Está na sua origem, na definição dos seus valores de base, da sua personalidade, do seu posicionamento original. Estabelece valores inamovíveis, que são os pilares das marcas. A publicidade, nas suas diversas formas, surge depois, reforçando estes elementos, adaptando-os aos momentos e fases de vida da marca, atuando a um nível mais táctico. Não é que a publicidade não tenha uma base estratégica, que deve ter sempre. Atua é sempre a um nível mais superficial que o sistema de identidade.

HP- Um dia, todos temos de explicar aos nossos filhos ou aos nossos pais o que fazemos, certo? Trabalhando mais de 20 anos em agências de publicidade, não é fácil estar sempre a dizer: “Não, o pai não fez o filme das vaquinhas”. Até que chegou a explicação mais simples que encontrei: “Sabes, quando vais para a escola vestes todos os dias uma roupa diferente, mas não mudas de cara, ou de nome, pois não?” (Só resulta se a escola não for um colégio com farda obrigatória). Apesar de as disciplinas se tocarem, existe um mundo de diferenças. Por mais que existam momentos memoráveis e definidores da nossa cultura na publicidade, são momentos. Todos os publicitários sonham com a rutura, o momento em que tudo mudou. Todos os Brand Designers sonham com a cultura de marca, onde tudo é coerente e cria um sentido de pertença. No contexto internacional, é igual.

Como conseguem adaptar-se aos mercados internacionais tão diversos como Arábia Saudita e Suíça?

PG- Na verdade, poucas são as marcas que desenvolvemos que não tenham uma abrangência global. Mesmo na Arábia Saudita, apenas uma marca era de cariz eminentemente local. Ainda assim, é muito importante aferir a relevância que as marcas que desenvolvemos têm nos mercados locais. E para isso, recorremos aos nossos escritórios nessas geografias, que integram as nossas equipas de trabalho e estão nas reuniões com os nossos clientes. Lembro-me de um caso, para o Mundial de Basquetebol Feminino, que decorreu na Austrália em 2022. Foi necessário integrar de forma concreta elementos da cultura aborígene no projeto, coisa que teria sido absolutamente impossível sem recorrer ao apoio do nosso escritório em Sidney.

HP- Na criação de uma marca, o contexto é relevante, mas não é um obstáculo insuperável. As marcas apresentam desafios humanos mais universais, menos específicos do que os que são resolvidos pela comunicação publicitária. As marcas que criamos destes mercados citados são marcas tendencialmente internacionais. Apesar de terem uma origem, não são limitadas por isso. As marcas que se focam num mercado, são por natureza mais limitadas.

Que papel desempenhou o desporto na trajetória de sucesso da VML Branding?

PG- Foi o ponto de partida e, por isso, foi fundamental. Na sequência de ganharmos o UEFA Euro 2020, montou-se uma estratégia comercial que permitiu chegar a outras confederações. E isso alavancou muito o nosso negócio. Deu-nos reputação e fez-nos chegar a outros mercados e áreas de negócio, que vão da banca ao turismo, passando por inúmeras outras áreas.

HP- O desporto é uma categoria humana universal. Existem eventos desportivos no mundo inteiro, todos os anos. Esta foi uma condição fundamental para o êxito no alargamento do nosso território. Não estando limitados, nem na geografia nem no tempo, parece-nos uma área cheia de oportunidades. Tínhamos de nos posicionar através de projetos relevantes e de referência, o que aconteceu em primeiro lugar através dos projecto da UEFA. Como a recomendação é a melhor forma de fazer new business, seguiu-se a FIBA e a FIFA. Apesar de não existir uma relação direta entre o desporto e as outras áreas onde criamos marcas, a reputação criada através da criação de marcas internacionais que todos conhecem foi determinante.

Que conselhos dariam às novas gerações de profissionais de branding?

PG- Pense sempre global. Nunca desistam e procurem sempre fazer o que nunca foi feito. Mantenham-se sempre humildes, permeáveis a novas ideias, e muito, muito curiosos.

HP- O mercado está cheio de profissionais de branding que são uns curiosos. Não chega. Para teres sucesso numa área cada vez mais exigente, é preciso seres melhor. É preciso aprender a fazer melhor. Antes de começar a tentar fazer o que nunca foi feito é preciso conhecer melhor o que já foi feito e fazer melhor. Podes ter uma atitude humilde, mas tens de ser ambicioso, podes ser permeável a novas ideias, mas tens de ter convicções. Ao invés de pensar global, pensa no problema humano que a marca precisa de resolver. Se não tiveres para isto, desiste.

PG- Estão a ver porque é que é preciso ter paciência… (risos)