A Censura Instaurada
Conheço o Afonso de Melo desde os tempos liceais, vizinho de rua, colega de “liceu”, até naquilo de jogarmos Subbuteo juntos. Mais tarde chegámos a cruzar-nos nas andanças pelo “Calhau” de Mafra, eu mais dado (ainda que muito pouco) à “rusticidade” militar do que o então já jornalista, pois entretanto entrara no “A Bola”. Esse alojado - como durante décadas o esteve - na Travessa da Queimada, junto à fiada de tascas, bares e discotecas que fizeram o Bairro Alto da nossa geração. E nesses redutos, por vezes, após o fecho da redacção lá se bebericava algo conjunto. Depois a vida apartou-nos, eu anos emigrado. Nos últimos tempos reencontrámo-nos por estes Olivais, que ele visita fiel e filialmente. Fez nesse entrementes décadas de jornalismo, desde o tal “A Bola” percorrendo um ror de periódicos, intervalou-se como “oficial de comunicação” na Federação do seu Futebol. E vigora numa infatigável última década no “(Nascer do) Sol” (e parente “i”). Semanalmente preenchendo páginas e páginas com a sua prosa e seu olhar, cosmopolitas de viajados e atentos, cultos e atrevidos, densos e esvoaçantes, sem “com licenças” nem “ó faz favor”, abrangendo o realmente circundante. Ou seja, não se debruçando apenas pela tralha dos dias correntes. Acoplado a esse rumo já publicou uma prateleira de livros - em alguns congregando o que botara na imprensa - naquela sua escrita sem concessões ao aprazível, no arrumadinho “simpático” ao leitor mimado, pois implacável no necessário cerzir das coisas do mundo. Convocando-nos, para os seus ritmos e temas. E ainda há um mês lá fui ao “lançamento” do seu último, a deliciosa colecção “A Tragédia do Homem-Orquídea e Outras Eu-Biografias”. Há dias os lisboetas sobressaltaram-se, recordámo-nos ideafixs, na defesa dos jacarandás. Lembrei-me de deixar um breve postal, tornado impertinente após o recuo camarário, preservando o arvoredo. Era este breve trecho do seu “Sabiá na Gaiola” (Âncora, 2009), pois bem denotativo do identitário, afectivo, do que então ocorria: “Em Phnom Penh não havia flores roxas, deste roxo-chão. Em Phnom Penh não há jacarandás como em Lisboa; há frangipanis. A flor dos frangipanis é branca-sonho ou cor-de-rosa-cor-de-dor. Flores brancas pelo chão: Monivong Boulevard.”(14). Enfim, neste longo rumo - pois já vamos para anciãos - o Afonso foi dos que mais, e desde cedo, enfrentou, peito feito, teclado rijo, a cleptocracia instalada desde há décadas por Pinto da Costa, essa que foi colhendo a vil anuência dos sucessivos próceres e de inúmeros jornalistas. E desse patrono portista e de seus esbirros sofreu impiedosa perseguição e inaceitáveis ameaças - mesmo daquelas que nós, no remanso da vidinha, dizemos apenas “de filme”. Mas nisso sempre tendo tido o apoio dos seus. Mas há sempre novidades neste “comboio descendente” luso. Há dias morreu José António Saraiva, antigo director do “Sol”, e logo foi substituído o vigente interino Vitor Raínho, sendo nomeado um novo director: Nuno Tiago Pinto. Como corolário? O (já) velho Afonso de Melo, e pela primeira vez em 40 anos de carreira, viu excluído um texto seu. Corrosivo, opinativo, enfrentando um meio que bem conhece, a cúpula de certa forma de viver o futebol. Decerto que para “não incomodar”. É assim o “novo jornalismo”, esse que apregoa - como o faz o novel director Pinto no seu mural de FB - “novos, grandes e interessantes desafios.” Ou, como diremos nós, os mais-velhos mas não mais-cansados, é assim a censura instaurada. Claro, o Afonso de Melo diante deste inaceitável acto censório logo se despediu. Abaixo - e porque me deu autorização para tal - reproduzo o texto sobre futebol que tanto assustou o (afinal agora) Pôr-do-Sol. O Discurso da Pequenez por Afonso de Melo Bem à moda do seu padrinho e mentor, e o padrinho não surge aqui por acaso, vamos lá deixar-nos de hipocrisia (essa palavra que passou a fazer parte do novo léxico dos que andam pelos jornais a escrever em nome do FC Porto), Villas-Boas veio agora gritar aos quatro ventos que o jogo de domingo, pelas 20h30 nas Antas, é o jogo da época para o seu clube. Poderia ter graça se não fosse estafada. O homem que se assume como um vento novo e limpo do futebol português limitou-se a ir ao baú e sacar do mofo uma daquelas tiradas inventadas por José Maria Pedroto, e depois plagiadas ad nauseum por um tal de Jorge Nuno, que veio a provar-se, tal como eu vinha escrevendo desde o tempo da Maria Caxuxa – que remete lá para inícios dos anos 90 – ser um ente definitivamente pernicioso para uma sociedade que se desejava no mínimo não fedorenta. Só lhe faltou acrescentar aquele lugar-comum enjoativo do venceremos contra tudo e contra todos. Contra quem? E contra quê? Que raio de palavreado é este? Adiante que entrar por esse caminho só pode levar à insânia. Ora bem, esgoelar que o jogo deste fim de semana do FC Porto contra o Benfica é o jogo da época para a rapaziada da Mui Nobre e Invicta Leal Cidade é tão lapaliciano como jurar a pés juntos que o próprio La Palice, frent

Conheço o Afonso de Melo desde os tempos liceais, vizinho de rua, colega de “liceu”, até naquilo de jogarmos Subbuteo juntos. Mais tarde chegámos a cruzar-nos nas andanças pelo “Calhau” de Mafra, eu mais dado (ainda que muito pouco) à “rusticidade” militar do que o então já jornalista, pois entretanto entrara no “A Bola”. Esse alojado - como durante décadas o esteve - na Travessa da Queimada, junto à fiada de tascas, bares e discotecas que fizeram o Bairro Alto da nossa geração. E nesses redutos, por vezes, após o fecho da redacção lá se bebericava algo conjunto. Depois a vida apartou-nos, eu anos emigrado.
Nos últimos tempos reencontrámo-nos por estes Olivais, que ele visita fiel e filialmente. Fez nesse entrementes décadas de jornalismo, desde o tal “A Bola” percorrendo um ror de periódicos, intervalou-se como “oficial de comunicação” na Federação do seu Futebol. E vigora numa infatigável última década no “(Nascer do) Sol” (e parente “i”). Semanalmente preenchendo páginas e páginas com a sua prosa e seu olhar, cosmopolitas de viajados e atentos, cultos e atrevidos, densos e esvoaçantes, sem “com licenças” nem “ó faz favor”, abrangendo o realmente circundante. Ou seja, não se debruçando apenas pela tralha dos dias correntes.
Acoplado a esse rumo já publicou uma prateleira de livros - em alguns congregando o que botara na imprensa - naquela sua escrita sem concessões ao aprazível, no arrumadinho “simpático” ao leitor mimado, pois implacável no necessário cerzir das coisas do mundo. Convocando-nos, para os seus ritmos e temas. E ainda há um mês lá fui ao “lançamento” do seu último, a deliciosa colecção “A Tragédia do Homem-Orquídea e Outras Eu-Biografias”.
Há dias os lisboetas sobressaltaram-se, recordámo-nos ideafixs, na defesa dos jacarandás. Lembrei-me de deixar um breve postal, tornado impertinente após o recuo camarário, preservando o arvoredo. Era este breve trecho do seu “Sabiá na Gaiola” (Âncora, 2009), pois bem denotativo do identitário, afectivo, do que então ocorria: “Em Phnom Penh não havia flores roxas, deste roxo-chão. Em Phnom Penh não há jacarandás como em Lisboa; há frangipanis. A flor dos frangipanis é branca-sonho ou cor-de-rosa-cor-de-dor. Flores brancas pelo chão: Monivong Boulevard.”(14).
Enfim, neste longo rumo - pois já vamos para anciãos - o Afonso foi dos que mais, e desde cedo, enfrentou, peito feito, teclado rijo, a cleptocracia instalada desde há décadas por Pinto da Costa, essa que foi colhendo a vil anuência dos sucessivos próceres e de inúmeros jornalistas. E desse patrono portista e de seus esbirros sofreu impiedosa perseguição e inaceitáveis ameaças - mesmo daquelas que nós, no remanso da vidinha, dizemos apenas “de filme”. Mas nisso sempre tendo tido o apoio dos seus.
Mas há sempre novidades neste “comboio descendente” luso. Há dias morreu José António Saraiva, antigo director do “Sol”, e logo foi substituído o vigente interino Vitor Raínho, sendo nomeado um novo director: Nuno Tiago Pinto.
Como corolário? O (já) velho Afonso de Melo, e pela primeira vez em 40 anos de carreira, viu excluído um texto seu. Corrosivo, opinativo, enfrentando um meio que bem conhece, a cúpula de certa forma de viver o futebol. Decerto que para “não incomodar”. É assim o “novo jornalismo”, esse que apregoa - como o faz o novel director Pinto no seu mural de FB - “novos, grandes e interessantes desafios.” Ou, como diremos nós, os mais-velhos mas não mais-cansados, é assim a censura instaurada.
Claro, o Afonso de Melo diante deste inaceitável acto censório logo se despediu. Abaixo - e porque me deu autorização para tal - reproduzo o texto sobre futebol que tanto assustou o (afinal agora) Pôr-do-Sol.
O Discurso da Pequenez
por Afonso de Melo
Bem à moda do seu padrinho e mentor, e o padrinho não surge aqui por acaso, vamos lá deixar-nos de hipocrisia (essa palavra que passou a fazer parte do novo léxico dos que andam pelos jornais a escrever em nome do FC Porto), Villas-Boas veio agora gritar aos quatro ventos que o jogo de domingo, pelas 20h30 nas Antas, é o jogo da época para o seu clube. Poderia ter graça se não fosse estafada. O homem que se assume como um vento novo e limpo do futebol português limitou-se a ir ao baú e sacar do mofo uma daquelas tiradas inventadas por José Maria Pedroto, e depois plagiadas ad nauseum por um tal de Jorge Nuno, que veio a provar-se, tal como eu vinha escrevendo desde o tempo da Maria Caxuxa – que remete lá para inícios dos anos 90 – ser um ente definitivamente pernicioso para uma sociedade que se desejava no mínimo não fedorenta. Só lhe faltou acrescentar aquele lugar-comum enjoativo do venceremos contra tudo e contra todos. Contra quem? E contra quê? Que raio de palavreado é este? Adiante que entrar por esse caminho só pode levar à insânia.
Ora bem, esgoelar que o jogo deste fim de semana do FC Porto contra o Benfica é o jogo da época para a rapaziada da Mui Nobre e Invicta Leal Cidade é tão lapaliciano como jurar a pés juntos que o próprio La Palice, frente a Pavia, estava vivo um quarto de hora antes de ter morrido. Santa paciência! Até onde irá a idade do paleozoico? A minha memória, que já é de avô, e que aliás prezo muito, não me deixa olvidar esses tempos em que Pedroto virou o futebol português de pantanas graças a frases que os jornais e as rádios absorviam com se fossem esponjas. Por isso, vamos lá tentar ser sérios: desde quando é que um jogo do FC Porto com o Benfica não é o jogo da época para os portistas??? Cáspite! Já era assim no anos 60 e teve de ser assim quando o velho Zé do Boné re-fabricou um clube cujo único fito era emular os vermelhos de Lisboa, a amaldiçoada capital do império com a odiada Praça do Comércio que, segundo os anti-mouros, deveria ter sido assolada pelas chamas num destino mais devastador do que o de 1755.
Vá lá, deixemo-nos de tergiversações parolas. André Vilas Boas limitou-se a ser a continuidade do seu antecessor: em caso de desespero, qualquer época fica ganha desde que o FC Porto impeça o Benfica de ser campeão. Qualquer farsola que queira esganiçar-se a dizer o contrário entrará diretamente para o Clube dos Bacocos Irreversíveis. E, aí está, carregando às costas com o peso já muito razoável de quatro décadas de jornalismo, só tenho de pôr um ponto final neste assunto. Ou um ponto parágrafo. Ou um ponto de exclamação! Escolha quem tem ainda a divina paciência de passar os olhos pelo que rabisco semanalmente nestas páginas.
Para sublinhar esta reencarnação de Pedroto em Villas-Boas (ou, mais precisamente, na reencarnação de Pinto da Costa, o arremedo de Pedroto, em Villas-Boas), nada como o regresso à motivação das massas para que o vulcão despeje a ferocidade da lava na altura de o inimigo entrar em campo. Envolvido numa época miserável, tal como os artrópodes se deixam envolver pelas algas, o jovem presidente do FC Porto recorre ao verbatim esclerosado. Confesso que não me admiro. Estamos a falar de um produto fabricado e moldado de forma industrial. Villas-Boas foi alimentado com a mesma sopa com que alimentaram José Mourinho, outro menecma do original Zé Maria, e que o antigo presidente do clube criou à sua imagem e semelhança. E assim por omnia seculae seculorum. De José se fez Jorge, de Jorge se fez José, de José se fez André. E já estou quase a desabafar como o meu companheiro de adolescência dos Olivais Sul, André Pipa: «Não me quilhem!». Ou seja lá o que foi.
Domingo, nas Antas, o jogo da época só pode ser o jogo do Benfica. Como entra pelos olhos dentro. O êxito significará um alento precioso para a restante batalha ombro a ombro com o Sporting. Um triunfo do FC Porto, por muito que Villas-Boas queira engrandecê-lo, não aquece nem arrefece aos portistas. Eis-nos, novamente, de regresso ao insuportável discurso da pequenez endémica – para André, tirar o Benfica da luta pelo título será a sua vitória de Pirro, esse patético rei de Epiro e da Macedónia. E se a tal se resume a sua ambição, vou ali e já venho.
Aceitemos igualmente que estaremos perante dois opositores drasticamente separados pela lei da qualidade. O plantel do Benfica pode não ser tão exuberante como nos querem fazer crer, mas é indubitavelmente melhor do que o do seu contendor de domingo. Se no banco dos encarnados estivesse outro treinador qualquer que não Laje, talvez isso se viesse a fazer a diferença. Mas… Um enorme mas voa sobre as águias jornada a jornada. Depois de hora e meia desconcertante contra o Farense, o treinador do Benfica continua a pensar que se passa nada. Os largos minutos que a equipa desliga frente a todos os adversários poderão ser decisivos no Porto. E o homem que comanda a nau não arranja solução para acabar com os sustos, uns atrás dos outros. Aquele que era até quarta-feira passada o pior ataque do campeonato conseguiu marcar dois golos na Luz. Não é nada bom sinal para os encarnados.
(Também colocado no "O Pimentel")