Atuação brasileira na Segunda Guerra foi fundamental, apontam especialistas

Historiadores e militares ouvidos pelo Correio defendem maior reconhecimento da participação do Brasil no conflito mundial

Mai 11, 2025 - 11:02
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Atuação brasileira na Segunda Guerra foi fundamental, apontam especialistas

Na última semana, em 8 de maio, o mundo comemorou os 80 anos da vitória dos aliados contra os regimes nazifascistas da Alemanha e da Itália durante a 2ª Guerra Mundial. A participação do Brasil nesse conflito acumula vitórias e conquistas, desde o litoral de Sergipe até a campanha na Itália, antes mesmo da ida de 25 mil homens e mulheres da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar em solo italiano, em agosto de 1944.

Mas, nas últimas oito décadas, historiadores e militares sustentaram que esse episódio histórico ainda não teve o reconhecimento devido aos governos e à sociedade brasileira. Nas comemorações do Dia da Vitória, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferiu relembrar os dados na Rússia, ao lado do colega Vladimir Putin. Oitenta anos depois do colapso do Terceiro Reich, o Kremlin é fortemente criticado por manter há três anos um conflito após a invasão da Ucrânia.

Especialistas ouvidos pelo Correio defendem um resgate histórico mais amplo da atuação das Forças Armadas brasileiras no conflito do século passado. Para o chefe do Departamento de História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, capitão de fragata Carlos André Lopes, a participação brasileira na guerra, especialmente a da Marinha e do contingente da FAB que atuou na patrulha litorânea e antissubmarina, é pouco conhecida e valorizada.

Segundo o militar, a memória popular foca predominantemente na FEB e nos "pracinhas" que lutaram na Itália. Para Lopes, é trazer a memória necessária desde o esforço dos trabalhadores da indústria brasileira — daquela época, majoritariamente têxtil —, até os militares que morreram no conflito. "É importante que as pessoas entendam a ideia de que não eram só os militares que lutaram na guerra; era o país todo", diz.

Lopes faz ressalvas a alguns pontos comuns sobre a participação brasileira no conflito mais sangrento da história da humanidade. "O Brasil não entrou em guerra porque (o presidente) Getúlio Vargas negociou uma siderúrgica com os Estados Unidos. Entrou em guerra depois que 607 brasileiros morreram em cinco dias nos ataques, em agosto de 1942", ressalta o militar.

O escritor e historiador Cláudio Lucchesi, especialista em história militar, tem uma visão semelhante. Considera que o legado brasileiro é de "muito heroísmo", "de forma muito positiva e até nobre da parte dos nossos militares na guerra". Ele lembra as mudanças geradas no país a partir desse acontecimento, especialmente na industrialização nacional.

Para o especialista, uma das razões para essa incompreensão se deve à atuação política dos militares, especialmente no período da ditadura. Lucchesi acredita haver um "preconceito contra a história militar nos ambientes acadêmicos e culturais", porque se confunde "história militar com história dos militares ou história pró-militares".

"A sociedade brasileira precisa abraçar a história e o heroísmo de seus militares que lutaram na Segunda Guerra Mundial, como uma história de heroísmo dessa sociedade e de protagonismo. Não se trata de heroísmo apenas militar, mas, sim, da história de heroísmo de brasileiros", observa.

Iniciada no segundo semestre de 1939, uma guerra se concentrou na Europa, o que permitiu ao Brasil manter uma posição de neutralidade. Porém, em agosto de 1942, o cenário mudou. Naquele mês, 607 tripulantes de navios mercantis brasileiros foram mortos por torpedos disparados por submarinos alemães no litoral brasileiro.

Em 31 de agosto, o presidente Getúlio Vargas declarou guerra à Alemanha e à Itália. O Brasil passou, então, a exercer um papel fundamental para os aliados, com o fornecimento de matéria-prima e apoio logístico. Lopes e Lucchesi destacam também a ação conjunta da sociedade civil e das Forças Armadas para manter ativa a indústria interna e defesa da costa brasileira.

A principal missão da Marinha do Brasil tornou-se a proteção dos comboios ao longo da costa brasileira e no Atlântico Sul. Isso foi planejado para agrupar navios mercantes e escoltá-los do Rio de Janeiro ou Salvador, até o Caribe, como Porto de Espanha, em Trinidad e Tobago, onde a escolta era assumida pela Marinha dos EUA.

"A guerra chega aqui pelo mar. A fronteira brasileira que é atacada é a fronteira marítima. Isso é muito presente em Aracaju, em Sergipe, onde está muito vivo na memória da população, no imaginário da população, esse momento de guerra. Foram 607 mortos em uma faixa do litoral que tem cerca de um quinto do litoral de São Paulo, por exemplo", observa Lopes.

O oficial ressalta os esforços significativos da Força nesse período. A Marinha brasileira providenciou a proteção de 3.164 navios mercantes — 1.577 brasileiros e 1.041 estadunidenses — em 575 comboios, alcançando uma taxa de sucesso de 99% nas missões.

De acordo com dados da Marinha, ao longo do período de guerra, morreram mais brasileiros no mar — 1.456 civis e militares — do que na Campanha da Itália — cerca de 470 militares da Força Expedicionária Brasileira. A Marinha de Guerra perdeu três navios: um por torpedeamento, o Navio-Auxiliar Vital de Oliveira, com 100 mortos, incluindo um civil; a Corveta Camaquã, naufragada pelo desequilíbrio do peso da embarcação, matando 33; e o Cruzador Bahia, após o fim da guerra, também em acidente com 332 mortos.

Defesa contra o avanço alemão

Em 1941, a Força Aérea Brasileira (FAB) foi criada, a partir da fusão das aviações naval e do Exército. Assim como a Marinha, a força aérea, inicialmente, foi pega de surpresa, tendo que entrar na guerra sem equipamentos adequados para uma luta anti-submarinos — também recebeu, posteriormente, material e treinamentos estadunidenses.

Com isso, iniciou-se um trabalho conjunto entre a força naval e a FAB na defesa litorânea. O capitão de fragata Lopes destacou a cooperação entre as duas Forças, que agiam sob um comando centralizado — a Quarta Esquadra Naval dos EUA, com base inicialmente, inicialmente, em Recife.

Graças a essa cooperação, afirma Lopes, a marinha alemã não foi capaz de interromper as redes de comunicação e abastecimento brasileiras. Ele lembra que, na época, o Brasil importava mais que exportava, e, entre assim, era o combustível, que era utilizado para além do abastecimento de veículos, mas também para gerar eletricidade para as cidades.

"Se a Marinha alemã conseguiu romper as redes de comunicação marítima e abastecimento das importações brasileiras, o Brasil parava. Sem combustível e energia elétrica, a indústria parava, as cidades paravam. E ninguém se dá conta disso", diz. 

Cooperação no front italiano

Depois de dois anos do país já em guerra com a Alemanha e Itália, em agosto de 1944, mais de 25 mil homens e mulheres da FEB, subordinados ao comando dos EUA, chegaram ao território italiano. Neste momento, o regime fascista de Mussolini já havia caído — o governo italiano assinou um armistício com os aliados em setembro de 1943 —, e a principal força inimiga enfrentada pelos aliados era o exército alemão, segundo Cláudio Lucchesi, escritor e historiador especialista em história militar.

A missão da FEB era atuar como uma das forças aliadas no front, aponta Lucchesi, e a Itália, para os EUA e o Reino Unido, era considerada uma frente secundária. O especialista explica que a alocação de tropas de países aliados “menores”, como o Brasil, nessa frente permitiu que tropas americanas de primeira linha fossem liberadas para atuar em frentes mais decisivas, como o da Normandia a partir do Dia D.

"Do ponto de vista militar, elas tiveram uma grande relevância e estratégica. Graças à presença delas, norte-americanos e britânicos tiveram à sua disposição mais tropas para serem usadas nos pontos mais críticos para enfrentar os alemães na liberação da Europa", ressaltou.

O envio da FEB para a Itália, relata Lucchesi, não foi uma exigência dos Estados Unidos ou dos aliados, mas sim uma decisão do governo brasileiro. Getúlio Vargas considerava a cooperação brasileira junto aos Aliados como uma oportunidade crucial para a modernização das Forças Armadas Brasileiras e para a obtenção de experiência real de combate.

Oitenta anos depois desses anos históricos, especialistas avaliam que a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial vai muito além do envio da FEB. Essa necessidade de revisão histórica, defesa militar e historiadores, contribui para a compreensão do papel das Forças Armadas e da sociedade civil, bem como a valorização do patriotismo em defesa da integridade nacional.

Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza