A libertação de ser ridícula
Um convite a se despir das pressas, das máscaras e dos voos performáticos – e redescobrir o encanto de existir sem espetáculo

Não vejo a hora de ser ridícula aos meus olhos. E ver minhas roupas, meu carro, meu cabelo, meu batom, minha sobrancelha, meus espelhos pela casa e dizer: pra quê tudo isso mesmo?
Vai ser assim: vou metamorfosear lagarta. Rastejante e com casulo para voltar, pendurar as asas coloridas, pois tenho tropeçado muito nelas.
Quando eu for ridícula aos meus olhos, acharei graça nas ruguinhas da pálpebra e nos muitos cabelos brancos que resolveram nascer todos juntos, andando em bando, essa gangue insolente que eriça minha franja até ontem jovem.
Será engraçado, pois será natureza. E não vai ser um engraçado de gargalhada e dedos apontados, não. Vai ser engraçado de encontrar conchinha na praia com formato novo. Um sorriso, um dedo curioso e olhos admirando a novidade. Vocês vão ver que bonitas serão as linhas na minha testa quando eu amanhecer ridícula e perceber que até pele faz convite às palavras.
Quando eu for rastejante, descansada da borboleta que veio com asas radioativas, vou ter um tempo deleite de ver um casal de passarinhos fazer ninho na árvore. Não vou pegar o celular. Terei esquecido de carregar. Terei esquecido de carregar comigo. Terei esquecido.
Vou avisar alguém do meu lado: você viu? Bastará que uma pessoa veja de verdade ao invés de milhares de mentira.
Quando eu nascer lagarta de novo, vou comer fechando os olhos, como quando eu era criança. Eu me lembro mais dos sabores da infância do que do meu almoço de hoje.
Quando eu morar no casulo, vou voar esparramando na terra. Vai ser molhado e fresco habitar um útero de novo. Eu vou ocupar o tempo inventando novos nomes para grãos e gotas. E vou rir, claro, pois estarei ridícula.
Por enquanto, estou borboleta. E agradeço os elogios pelas asas. São bonitas, eu sei. Eu desenhei cada pedacinho delas. Eu ergui meu voo colorido por horas por dias por anos.
Mas se você olhar bem de perto, vai ver que películas bobas que são. É só olhar de perto, de pertinho, para ver. Cuidado para não ser hipnotizada pelos fogos de artifício. Viu?! São quase translúcidas e, ainda assim, pesadas.
Quando eu for ridícula aos meus olhos, soará um exagero tremendo carregar o tempo todo o voo colorido. Deixarei ali o artefato, à minha disposição, para me fantasiar quando quiser só brincar de ser. Sem tanta pressa e sem tanto medo de acabar a brincadeira.
Assine a newsletter de CLAUDIA
Receba seleções especiais de receitas, além das melhores dicas de amor & sexo. E o melhor: sem pagar nada. Inscreva-se abaixo para receber as nossas newsletters:
Acompanhe o nosso WhatsApp
Quer receber as últimas notícias, receitas e matérias incríveis de CLAUDIA direto no seu celular? É só se inscrever aqui, no nosso canal no WhatsApp.
Acesse as notícias através de nosso app
Com o aplicativo de CLAUDIA, disponível para iOS e Android, você confere as edições impressas na íntegra, e ainda ganha acesso ilimitado ao conteúdo dos apps de todos os títulos Abril, como Veja e Superinteressante.