A campanha eleitoral em modo “averiguação preventiva”
A incerteza sobre factos denunciados, que não apresentam indícios claros de crime mas levantam dúvidas que precisam de ser esclarecidas, pode levar a uma “averiguação preventiva”. Diz a nossa lei penal que, nesses casos, o Ministério Público pode dar uso a este mecanismo, que é uma espécie de pré-inquérito. Mas se isso até parece pacífico […]


A incerteza sobre factos denunciados, que não apresentam indícios claros de crime mas levantam dúvidas que precisam de ser esclarecidas, pode levar a uma “averiguação preventiva”. Diz a nossa lei penal que, nesses casos, o Ministério Público pode dar uso a este mecanismo, que é uma espécie de pré-inquérito. Mas se isso até parece pacífico e salutar, já não me parece pacífico que – no espaço de pouco mais de um mês – o DCIAP tenha decidido usar esse mecanismo (tão raro tão raro que a maioria de nós nunca tinha ouvido falar) – para visar os dois candidatos a futuro primeiro-ministro.
Mais ainda quando – por envolver os visados que são quem são, Montenegro e Pedro Nuno Santos – deveria ser uma averiguação séria, blindada e flawless, usando todos os meios à disposição do MP para apurar a verdade. Ou seja: a Polícia Judiciária, cuja ajuda tão gentilmente o PGR dispensou. Quando a lei o diz que pode e deve utilizar.
Ora então, o novo PGR, Amadeu Guerra, que abriu a tal averiguação preventiva a Luís Montenegro quase arrancada a ferros num caso de falta de ética duvidosa manifesta (e que levanta dúvidas relativas à licitude criminal), anuncia a mesma averiguação para Pedro Nuno Santos com base numa notícia que já conta com um ano e meio. Notícia essa que foi alvo de um direito de resposta por parte do líder socialista, esclarecendo os factos, nessa altura. Neste último ano e meio, nunca o Ministério Público questionou a sua declaração de rendimentos. Mas ao receber uma denúncia anónima que é, nada mais nada menos, o mesmíssimo conteúdo dessa mesma notícia, sem informação nova e pressionado por alguma comunicação social, decide que esse é o caminho a seguir.
Voltando atrás no tempo, recordam-se que uma suspeita assumida pelo Ministério Público levou à demissão do ex-primeiro-ministro António Costa há mais de um ano? A Operação Influencer acabou por arrastar um Governo maioritário para a lama, responsabilidade apenas e só de uma magistrada chamada Lucília e do seu parágrafo irresponsável. E é inqualificável que, passados 17 meses, mais de um ano, nada se saiba dessa investigação.
Ora, Amadeu Guerra avisou que iria ser um PGR que iria comunicar mais, que não estaria fechado na sua torre de marfim do Palácio Palmela, que iria olhar os magistrados desta mesma investigação Influencer ‘olhos nos olhos’ quando chegasse ao Ministério Público, em outubro de 2024. E se, e bem, não quis entrar nos exageros das suas antecessoras – Joana Marques Vidal e Lucília Gago – em que se abriram inquéritos criminais mediáticos por dá cá aquela palha, entra agora no exagero de esquecer por completo que estamos em plena campanha, com eleições daqui a um mês e que decidirão quem vai liderar o nosso país. E se anunciou uma averiguação preventiva para assegurar que estava minimamente preocupado com a idoneidade do atual líder do Executivo por estar pressionado pela opinião pública, a que foi esta quarta-feira anunciada contra o secretário-geral do PS surgiu sem aviso prévio. Com um timing político – e reforço a palavra político – que não é de ignorar. Uma denúncia anónima no meio da campanha, com o ministro Miguel Pinto Luz a comentar uma averiguação preventiva a Pedro Nuno, numa fase em que as sondagens não dão à aliança PSD/CDS garantias do objetivo pretendido.
Citando Rui Rio, o PGR “averigua por prevenção, para prevenir que não aconteça o que já aconteceu … de bom ou de mau. Se, entretanto, também não for brindado com uma cartita anónima pré-eleitoral, sabemos bem a quem isto mais aproveita neste momento”. E entra, por mote próprio, em modo de campanha eleitoral.
Esta decisão do DCIAP de Rui Cardoso (que tem como mentor o próprio Amadeu Guerra ) a meio de uma campanha eleitoral relativa a uma notícia que nasceu da anterior campanha eleitoral, apenas beneficia dois elementos políticos: Luís Montenegro e André Ventura. Ventura terá ainda mais material para capitalizar a sua ideia de que Portugal está a ser governado por corruptos há 50 anos, ajudado por um sistema que, mesmo sem elementos sólidos, lança um anátema sobre candidatos; e Luís Montenegro, que vai conseguir continuar a trabalhar. Com esta intervenção, Amadeu Guerra está, sem sombra de dúvida, a deixar o Luís trabalhar para a sua reeleição. Porque certo é que essa primeira averiguação continua, mais de um mês depois, a marinar.
Caso o PGR arquive ambas as averiguações preventivas antes do dia 18 de maio, ficamos com a certeza para que serviu a averiguação às duas casas de Pedro Nuno Santos. Para uma espécie de decisão salomónica, no sentido bíblico: para não dizerem que favoreço qualquer um, corte-se o bebé ao meio e ponham-se ambos em causa, mesmo que os casos sejam muito diferentes.
Para já, fica a ideia no ar: “O deixem-nos trabalhar” de Aníbal Cavaco Silva, que acabou transformado em hino de campanha de Luís Montenegro com o nome “Deixem o Luís trabalhar”, ficou, pelos vistos, nos ouvidos de Amadeu Guerra.