Skullgirls, Indivisible, e uma história de altos e (muitos) baixos

A saga de Skullgirls e Indivisible ganha um novo capítulo, com a atual desenvolvedora do jogo de luta acusando a distribuidora de calote Skullgirls, Indivisible, e uma história de altos e (muitos) baixos

Mar 11, 2025 - 18:47
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Skullgirls, Indivisible, e uma história de altos e (muitos) baixos

A saga do desenvolvimento de Skullgirls é uma das mais convolutas da história dos games. O título em 2D reuniu figurinhas carimbadas da comunidade dos jogos de luta, artistas e desenvolvedores independentes, em torno da ideia de criar uma nova marca original, mas com elementos técnicos que não devem em nada a pesos-pesados do gênero, especialmente as séries Guilty Gear e BlazBlue.

Por trás das cortinas, entretanto, Skullgirls e o RPG de turnos Indivisible foram pivôs de disputas, acusações, e brigas feias entre os vários desenvolvedores e estúdios envolvidos, e os controladores de ambas IPs, com a mais recente, de calote e quebra de contratos, se somando à história.

Skullgirls 2nd Encore (Crédito: Divulgação/Autumn Games)

Skullgirls 2nd Encore (Crédito: Divulgação/Autumn Games)

Skullgirls e a troca de mãos

Skullgirls nasceu de personagens e designs criados pelo artista independente Alex "o_8" Ahad, alguns datados de seus tempos no ensino médio. Ele teve a ideia de usá-los em um hipotético jogo de luta quando ainda estava na faculdade, um plano posto em movimento quando conheceu "Mike Z" Zaimont, desenvolvedor independente, então competidor da EVO, e um dos melhores jogadores de BlazBlue dos Estados Unidos.

Os trabalhos começaram em 2008, com Mike Z desenvolvendo a engine e Ahad refinando os designs das personagens, definindo Skullgirls como um jogo de luta composto quase que totalmente por mulheres, com poderes e habilidades sobre-humanas. A história se passa em um reino habitado por todo tipo de criaturas, sendo uma mistura dos EUA da primeira metade do século XX, com elementos fantásticos e uma vibe cartunesca, estilo Warner Bros. da época.

Para o desenvolvimento próprio do game, Zaimont e Ahad recorreram à recém-fundada Reverge Labs, que iniciou o trabalho ativo em 2011; a distribuição ficou a cargo da pequena Autumn Games, com a Konami atuando como parceira.

Lançado em abril de 2012 para PS3 e Xbox 360, Skullgirls era original o suficiente para se destacar no meio dos jogos de luta já estabelecidos, e a direção de arte principalmente feita à mão, comandada por Ahad, Mariel Kinuko Cartwright, Jonathan Kim e Brian Jun, foi bastante elogiada por jogadores e críticos, fora que o game já era bastante equilibrado e técnico desde o início.

Só que os problemas não demoraram a aparecer. Pouco tempo após o lançamento, a Autumn Games recebeu vários processos referentes ao desenvolvimento de um título anterior, Def Jam Rapstar, que drenou suas finanças e prejudicou o desenvolvimento contínuo do jogo de luta. Em junho do mesmo ano, todo o time de desenvolvimento da Reverge Labs foi demitido, após o fim do contrato entre o estúdio e a distribuidora, que não foi renovado, o que permitiu à Autumn assumir o controle da marca Skullgirls.

Os desenvolvedores se reorganizaram em um novo estúdio, chamado Lab Zero Games e controlado por Mike Z, com estes trabalhando nas versões de PC (lançada em agosto de 2013) e DLCs prometidos, que foram financiados via crowdfunding, quando veio outra paulada: em novembro de 2013, a Autumn Games rompeu o contrato de co-distribuição com a Konami, alegando que o estúdio japonês não fazia o mínimo para auxiliar no desenvolvimento de patches de correção.

Skullgirls tem um visual cartunesco, mas é bem técnico (Crédito: Divulgação/Autumn Games)

Skullgirls tem um visual cartunesco, mas é bem técnico (Crédito: Divulgação/Autumn Games)

A Konami, tendo direitos sobre a distribuição, exigiu a remoção de Skullgirls das lojas digitais devido o fim da parceria, e foi assim que a versão original do game deixou de existir. Ele seria relançado nos consoles de 7.ª geração e no Windows em 2014 como Skullgirls Encore, desenvolvido pela Lab Zero e distribuído somente pela Autumn, antes de ser revisado como Skullgirls 2nd Encore, sendo esta a encarnação que chegou aos Arcades, além do PS4, Xbox One e Series X|S, PS Vita, Nintendo Switch, Windows (de novo), macOS, e Linux.

Indivisible e o fim da Lab Zero Games

A Lab Zero Games passaria os próximos anos ajustando Skullgirls com patches de correção e equilíbrio, e lançando novos personagens e conteúdos, quase todos bancados pelo público, o que a estimulou a investir em um novo game. Desta vez um RPG de turnos, Indivisible foi fortemente inspirado em lendas dos povos do sudeste asiático, e contava com Cartwright no comando da arte, mais uma vez desenhada à mão, além de atuar como co-roteirista.

Anunciado em 2015, Indivisible quase não atingiu o limiar de financiamento do Indiegogo, de 60% dos US$ 1,5 milhão pretendidos dentro do prazo, mas chegou ao patamar e garantiu a continuidade do projeto após uma extensão da campanha. Distribuído pela 505 Games, o título conta com colaborações de peso, de animações do Studio Trigger (Kill la Kill, Delicious in Dungeon, Star Wars: Visions) e Titmouse (Big Mouth, Star Trek: Lower Decks), e uma abertura animada dirigida por Yoh Yoshinari (Little Witch Academia), à trilha sonora assinada por Hiroki Kukuta (Secret of Mana).

O game foi lançado em outubro de 2019 para PS4, Xbox One, Windows, macOS e Linux, e em abril de 2020 ele chegou ao Switch, quando então vieram mais problemas. Em junho do mesmo ano, Mike Z recebeu várias denúncias de desvio de conduta por parte de desenvolvedores da Lab Zero Games, incluindo assédio moral e sexual; o conselho do estúdio exigiu a saída de Zaimont, que respondeu dissolvendo o mesmo, e assumindo o controle total da desenvolvedora.

Em resposta, todos os funcionários pediram demissão, e a Lab Zero foi dissolvida oficialmente em 9 de outubro de 2020; 11 dias depois, Indivisible chegou de forma inesperada ao Amazon Luna, mas o imbróglio contratual poderia levar ao RPG ser removido das lojas digitais, e deixar efetivamente de existir.

Por sorte, a 505 Games manteve o compromisso e o distribui até hoje, ainda que todos os projetos relacionados, de DLCs a uma série animada, tenham sido cancelados.

Pego no fogo cruzado entre devs e Mike Z, Indivisible quase deixou de existir (Crédito: Divulgação/Lab Zero Games/505 Games)

Pego no fogo cruzado entre devs e Mike Z, Indivisible quase deixou de existir (Crédito: Divulgação/Lab Zero Games/505 Games)

Tecnicamente a IP pertence a Mike Z, mas este não tem se envolvido com games desde as acusações de 2019, o fechamento do estúdio, e posteriormente revelar que sofre de síndrome de Asperger (um quadro severo dentro do espectro autista), que segundo ele, impacta em sua qualidade de vida e trabalho.

Vários membros da Lab Zero formaram um terceiro estúdio, chamado Future Club, que passou a cuidar do desenvolvimento contínuo de Skullgirls 2nd Encore; em 2021 ele recebeu o reforço de outra desenvolvedora, chamada Hidden Variable, que também responderia pela versão mobile.

E não, os problemas não acabaram.

Hidden Variable e o calote

Em junho de 2023, o game recebeu uma onda de review bombings no Steam, após os desenvolvedores alterarem vários visuais das personagens, removendo elementos e designs sexualizados de lutadoras adolescentes, e extirpando quaisquer referências a grupos de ódio (a facção da lutadora Parasoul era, para todos os efeitos, uma versão da Alemanha nazista).

Corta para fevereiro de 2025, e a Hidden Variable anunciou que não mais tem qualquer ligação com a franquia Skullgirls, tendo deixado de trabalhar no desenvolvimento de ambos games, porque segundo os responsáveis, a Autumn Games (você se lembra, a dona da marca) teria falhado em realizar diversos pagamentos nos últimos meses. O estúdio está agora processando a distribuidora, e busca uma indenização de mais de US$ 1,2 milhão para cobrir as dívidas, com juros.

A Future Club não toca no assunto Skullgirls há muito tempo, e se limitou a um comentário sarcástico (se relacionado ou não, ele não diz, mas para quem sabe ler, pingo é letra) quando a bomba envolvendo a Hidden Variable foi jogada no ventilador; seu time está atualmente focado em seu primeiro título próprio, o recém-anunciado Part-Time Hero: I'm Broke But I Have To Save The World!, e deu a entender que também estava pulando para fora do barco.

Não demorou muito, e a Autumn Games confirmou os problemas, dizendo não ser um estúdio grande, como se isso servisse de desculpa para um calote; pouco depois, através do Discord oficial, a distribuidora revelou que está assumindo integralmente o desenvolvimento do game, sem terceiros envolvidos.

Será que os problemas envolvendo Skullgirls finalmente acabaram? (Crédito: Divulgação/Autumn Games)

Será que os problemas envolvendo Skullgirls finalmente acabaram? (Crédito: Divulgação/Autumn Games)

Embora Skullgirls e suas várias versões tenham feito barulho na comunidade dos jogos de luta, e vendido razoavelmente bem, o título ficou marcado pelos inúmeros problemas ao longo dos anos, que ofuscam um título de ótima apresentação e equilíbrio, tendo eles vazado e prejudicado enormemente Indivisible, um excelente RPG que merece ser mais conhecido.

Só o futuro dirá se a caveira enterrada no quintal de todos os envolvidos (provavelmente o Skull Heart) foi eliminada de vez, ou se a Autumn Games, mesmo trabalhando sozinha, continuará enrolada daqui por diante, o que pode se refletir em Skullgirls e desta vez, sem outros estúdios para se apoiar.

Skullgirls, Indivisible, e uma história de altos e (muitos) baixos