“Primeiro partem-nas, depois levam.” O insólito caso das árvores desaparecidas em Alvalade
Desde Dezembro, desapareceram quatro árvores de um logradouro público e outras foram arrancadas e depositadas metros à frente. Ninguém sabe quem o faz nem porquê. Marta Santos denunciou.


Marta Almeida Santos mora em Alvalade, no Bairro das Caixas, junto a um dos logradouros públicos projectado sob o vulto de Salazar, como espaço onde a vizinhança se pudesse encontrar e cultivar, como numa aldeia. Ali se plantaram, durante anos, várias árvores de fruto, dando-se entre crianças e adultos o culto da "chinchada" e da vida ao ar livre. Tudo mudou e o logradouro entre as ruas João Lúcio e Antónia Pusich tornou-se "um espaço onde só havia entulho, lixo, construções ilegais, como garagens, arrecadações... E também alguns jardins de vizinhos, que decidiram avançar pelo terreno", conta a residente. Durante a pandemia, porém, o local ganhou nova vida, com a reabilitação levada a cabo pela Junta de Freguesia.
Esta é a história linear, e resumida, deste pequeno oásis de Alvalade (nome que significa, já agora, "campo ou pátio murado"). A linha quebra, no entanto, no final de Dezembro do ano passado, quando começaram a desaparecer árvores, de forma estranha, do local. "O método é sempre o mesmo", relata Marta. "Primeiro partem-nas, a meio ou alguns ramos. Ficam assim um ou dois dias, e depois levam-nas. É, no mínimo, insólito."
Até ao início deste mês de Março, quatro exemplares desapareceram da vista da moradora e dos vizinhos, deixando buracos no solo e a terra remexida como testemunhas. "Outras vamos encontrar noutros sítios, como aquela ali", aponta a freguesa atenta e autora do livro Paredes Meias, sobre os logradouros de Alvalade. A árvore, de raízes suspensas e sem sentido, está agora deitada junto a um muro de cimento. Marta Santos apronta-se para ir buscar a pá, com o intuito de replantá-la. "Umas aguentam, outras não, mas até tem corrido bem."
Entre a Junta, a polícia e as redes
Não conseguindo destrinçar uma lógica, os vizinhos questionam-se sobre os potenciais motivos por detrás da destruição e do roubo de árvores. A situação foi reportada tanto por Marta Santos como por outros vizinhos à Junta de Freguesia de Alvalade e à Polícia de Segurança Pública (PSP). Se a Junta reagiu afirmando "estar a trabalhar na situação", nas palavras da moradora, a PSP tem emitido respostas distintas e desconexas aos diferentes contactos. "Chegaram a dizer que nunca tinham ouvido falar disto", conta Marta Santos, que também denunciou o caso nas redes sociais, na esperança de mobilizar alguma massa crítica e de dar maior visibilidade ao caso. De nenhuma das frentes obteve especial resultado.
"Este lugar é incrível. Há aqui corujas, corvos, melros... Mas não é assim tão frequentado. Vêm cá alguns vizinhos com cães, estudantes, os hortelãos da zona, eu... Mas não há propriamente um sentido de comunidade em Alvalade. Isso perdeu-se", lamenta a moradora. Quanto à ausência de intervenção ou de vigilância da parte da polícia, a justificação que alguns vizinhos encontram é que talvez tenham "mais que fazer" do que preocupar-se com algumas árvores que desapareceram de um terreno público.
Desde Dezembro, quando tudo começou, ninguém foi avistado a retirar ou a danificar árvores deste logradouro nas traseiras da Escola Básica Santo António. "Talvez seja só alguém, ou algum grupo, a querer fazer disparates", pondera Marta Santos, que até já encomendou uns chips de localização para espalhar pelas árvores do logradouro. Caso alguma volte a desaparecer, talvez assim encontre pistas.