Pressionada, Academia se desculpa por omissão diante de ataque contra diretor palestino

Hamdan Ballal, codiretor do documentário vencedor do Oscar "Sem Chão", foi sequestrado por militares após sofrer agressões na Cisjordânia

Mar 29, 2025 - 13:07
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Pressionada, Academia se desculpa por omissão diante de ataque contra diretor palestino

Protesto gerou reunião de emergência

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas pediu desculpas formais nesta sexta-feira (29/3) por não mencionar o cineasta palestino Hamdan Ballal ou o documentário “Sem Chão” em sua primeira nota sobre o ataque que ele sofreu na Cisjordânia. O pedido veio após uma onda de protestos de membros da própria Academia, incluindo atores vencedores do Oscar como Olivia Colman, Joaquin Phoenix, Javier Bardem, Penélope Cruz e Emma Thompson, além de diretores como Ava DuVernay, Adam McKay e Jonathan Glazer. Entre os brasileiros, também assinaram o protesto Alice Braga, Lais Bodanzky, Anna Muylaert, Petra Costa e Daniel Rezende.

A retratação aconteceu horas depois de uma reunião extraordinária do Conselho de Governadores da Academia para discutir a resposta considerada insatisfatória e genérica ao caso de Ballal, que havia sido agredido por colonos israelenses e detido pelo exército de Israel na segunda-feira (25/3).

Nova bota cita nome de Ballal pela primeira vez

“Na quarta-feira, enviamos uma carta em resposta a relatos de violência contra o vencedor do Oscar Hamdan Ballal, codiretor de ‘Sem Chão’, conectado à sua expressão artística”, escreveram o CEO Bill Kramer e a presidente Janet Yang em novo comunicado interno. “Lamentamos não termos reconhecido diretamente o Sr. Ballal e o filme pelo nome.”

Eles completaram: “Pedimos sinceras desculpas ao Sr. Ballal e a todos os artistas que não se sentiram apoiados por nossa declaração anterior e queremos deixar claro que a Academia condena a violência desse tipo em qualquer lugar do mundo. Abominamos a supressão da liberdade de expressão em quaisquer circunstâncias.”

Academia foi alvo de críticas internas e externas

Ballal foi atacado por colonos na vila de Susya, na Cisjordânia, após pedir que se retirassem do local. Segundo o jornal israelense Haaretz, o grupo retornou com dezenas de homens armados com paus e pedras, destruindo estruturas e ferindo o cineasta. Mesmo machucado, Ballal teve a ambulância interceptada e foi levado por militares a uma prisão, conforme relatado por seu codiretor israelense Yuval Abraham.

Diversas instituições se manifestaram contra a violência, entre elas a Associação Internacional de Documentários (IDA) e quatro das principais entidades de críticos de cinema dos EUA: a National Society of Film Critics, a New York Film Critics Circle, a Los Angeles Film Critics Association e a Boston Society of Film Critics.

Declaração inicial foi vista como omissa

Na quarta-feira (27/3), a Academia havia emitido uma nota genérica, sem citar Ballal nem o filme premiado. “A Academia condena o ato de ferir ou silenciar artistas por seu trabalho ou por suas opiniões”, afirmava o texto. O silêncio gerou indignação.

A justificativa da omissão foi classificada como um posicionamento neutro. “Estamos vivendo um tempo de mudanças profundas, marcado por conflitos e incertezas — no mundo, nos Estados Unidos e dentro da nossa própria indústria. Compreensivelmente, somos frequentemente chamados a nos manifestar em resposta a eventos sociais, políticos e econômicos. Nessas ocasiões, é importante lembrar que a Academia representa cerca de 11 mil membros globais com muitos pontos de vista únicos”, justificaram Kramer e Yang.

A resposta não convenceu membros da própria entidade. O documentarista AJ Schnack reagiu: “Estou chocado e indignado que agora estejam nos informando, seus membros, que veem o sequestro e espancamento de um recente homenageado como algo que terá ‘muitos pontos de vista únicos’. Com todo respeito, isso é uma sugestão verdadeiramente abominável.”

Cineastas exigem defesa clara dos premiados

O episódio culminou em uma nota pública assinada por dezenas de profissionais de renome da indústria cinematográfica. “Nós condenamos o ataque brutal e a detenção ilegal do cineasta palestino ganhador do Oscar Hamdan Ballal por colonos e forças israelenses na Cisjordânia”, diz o documento.

A carta segue cobrando coerência da entidade: “Como artistas, dependemos de nossa capacidade de contar histórias sem represálias. Os documentaristas frequentemente se expõem a riscos extremos para esclarecer o mundo. É indefensável para uma organização reconhecer um filme com um prêmio na primeira semana de março e, em seguida, deixar de defender seus cineastas apenas algumas semanas depois.”

A nova nota da Academia, com reconhecimento nominal, foi resultado direto da pressão dos artistas e instituições que cobraram um posicionamento firme diante da violência contra Ballal.