Portuguesa Tekever voa de drone para unicórnio. Qual o plano de voo para lá chegar?
À terceira ronda, a fabricante portuguesa de drones Tekever voou para o estatuto de unicórnio. A empresa, fundada em 2001 por estudantes do Instituto Superior Técnico (IST), tem agora uma avaliação de mil milhões de libras, cerca de 1,2 mil milhões de euros, e uma ambição clara: ser a fabricante de drones líder a nível […]


À terceira ronda, a fabricante portuguesa de drones Tekever voou para o estatuto de unicórnio. A empresa, fundada em 2001 por estudantes do Instituto Superior Técnico (IST), tem agora uma avaliação de mil milhões de libras, cerca de 1,2 mil milhões de euros, e uma ambição clara: ser a fabricante de drones líder a nível mundial.
“A Europa tem aqui um desafio muito grande ao longo dos próximos anos para criar capacidades soberanas na área de segurança e defesa, em particular nestas áreas tecnológicas. E nós, como empresa europeia, temos um papel muito importante a cumprir”, diz Ricardo Mendes, CEO da Tekever, em entrevista ao ECO, pouco depois de ser conhecido que uma nova ronda de financiamento tinha levado ao nascimento do sétimo unicórnio nacional e o primeiro no setor deftech (tecnologias de defesa).
Depois de, em 2021, o ecossistema ter visto nascer vários unicórnios, o mercado arrefeceu e, durante vários anos, o capital levantado pelas startups e scaleups nacionais ficou longe de atingir o pico de 1,5 mil milhões de euros, valor angariado no ano em que empresas como a Anchorage Digital ou a Sword Health atingiram avaliações superiores a mil milhões de dólares. Pelo meio, viu ainda desaparecer, em 2023, a Farfetch do patamar dos ‘animais míticos’.
Investimento em deftech a subir na Europa
Agora voltam a ser sete os unicórnios com ADN português. O momento mudou, em particular, para as startups que se movimentam no setor deftech e na Inteligência Artificial (IA). Áreas onde a Tekever, conhecida por, através do governo britânico, estar a fornecer drones de vigilância e recolha de informação para as tropas ucranianas, atua.
O valor da ronda que lançou a Tekever para esse estatuto não é conhecido, mas a mesma foi “totalmente subscrita pelos atuais investidores, incluindo o líder de ronda Ventura Capital, Baillie Gifford, o NATO Innovation Fund (NIF), a portuguesa Iberis Capital e Crescent Cove”, empresa norte-americana de investimento sediada em Silicon Valley, com experiência no setor da defesa.
Em novembro, na sua segunda ronda, no valor de 70 milhões de euros, a Tekever tinha visto o fundo da NATO entrar no seu capital. Sinal dos ventos que sopram na Europa. Com uma guerra na Ucrânia e as relações com o ‘amigo americano’ — sempre um parceiro de peso quando se fala da segurança do continente —, em estado de alerta, a Europa está apostada em reforçar as suas capacidades de defesa e segurança.
E quer abrir os cordões à bolsa: 800 mil milhões de euros. É esse o valor que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propõe que se invista no plano “ReArmar a Europa”, os quais 650 mil milhões advêm dos orçamentos nacionais dos Estados-membros e 150 mil milhões de euros de uma linha de crédito.
No ano passado, o investimento europeu em startups na área de defesa subiu 24%, para 5,2 mil milhões de dólares (cerca de 4,6 mil milhões de euros), noticia o Financial Times (conteúdo em inglês, acesso reservado) citando dados do NATO Innovation Fund e da Dealroom.
E este ano o interesse dos investidores não parece dar sinais de abrandar. No mesmo dia em que a Tekever anunciava ter superado uma avaliação de mil milhões de libras, em Munique, a alemã Quantum Systems levantava 160 milhões de libras (cerca de 188 milhões de euros) numa série C liderada pelo Balderton Capital. E não faltaram investidores a querer apanhar um lugar nesse voo. A Hensoldt, Airbus Defense & Space, Bullhound Capital, HV Capital, Project A, o investidor Peter Thiel, DTCP, Omnes Capital, Porsche SE e a Notion investiram igualmente na fabricante de drones com uso dual.
Nascem assim dois unicórnios europeus num setor crucial: o de defesa e segurança. Nesse campo, a Tekever tem claros planos de crescimento. “Estamos já num processo de alargamento, de expansão muito grande — vamos chegar às 1.200 pessoas antes do final deste ano, um crescimento muito grande, mas temos vindo a crescer já há bastantes anos — e esta ronda de financiamento vem, no fundo, ajudar-nos a acelerar ainda mais essa capacidade de expansão”, disse Ricardo Mendes, em entrevista ao ECO.
No Reino Unido, pouco tempo antes, era conhecido que a empresa se prepara para a cinco anos investir 400 milhões de libras (cerca de 470 milhões de euros), criando mil postos de trabalho qualificados no país, onde estão desde 2013. Isto no mesmo dia, em que se soube de um novo contrato com a Royal Airforce para o fornecimento de drones.
Prometem fazer o mesmo em outros mercados. “Agora vamos fazer o mesmo em outros países porque, de facto, o que a Europa precisa é de empresas que possam ter uma dimensão europeia e isso significa estar em vários países, criar bases de trabalho e talent pool, desenvolver produtos, tecnologia”, promete o CEO.
Em quais não revela. “Não vou falar ainda de outros países, mas haverá bastantes outros onde pretendemos estar. Já somos a principal empresa europeia nesta área, o nosso objetivo é ser a principal empresa mundial e, portanto, passará por estar em bastantes zonas do mundo, não só aqui”, diz.
Mas, neste momento, além do Reino Unido já têm escritório em França, onde a equipa está a crescer — Macron anunciou na visita a Portugal que na sua lista de compras para a Defesa estavam drones da empresa —, mas também na Ucrânia, onde têm instalações e equipa.
Presentes, com escritório, estão também nas terras do Tio Sam. Um mercado incontornável na Defesa. “Não é possível ignorar um país que representa metade do budget mundial”, aponta. “Qualquer empresa que pretenda ser líder mundial nesta área tem que ter um plano, projetos e clientes no mercado norte-americano. Nós estamos a desenvolver o mercado norte-americano. Temos parcerias, projetos em curso, dos quais não vamos falar, não podemos, mas temos vários projetos em curso. É para um mercado que não podemos ignorar e muito importante”, diz o CEO.
A prioridade para os tempos mais próximos é, no entanto, clara. “Fruto desta condição geopolítica, a Europa tem aqui um desafio muito grande ao longo dos próximos anos para criar capacidades soberanas na área de segurança e defesa, em particular nestas áreas tecnológicas. E nós, como empresa europeia, temos um papel muito importante a cumprir. Portanto, do ponto de vista de prioridade, para nós está bastante claro que é fundamental ajudarmos a Europa e os países europeus a criarem capacidades nesta área“, diz Ricardo Mendes.
Portugal continua central
Portugal não está fora desta estratégia de crescimento. Dos cerca de mil colaboradores atuais na empresa, com 20 nacionalidades, 70% está localizado em Portugal, tendo a empresa uma fábrica em Ponte de Sor e o centro de engenharia nas Caldas da Rainha.
“Temos muitas centenas de pessoas em Portugal, é a nossa maior base. Trabalhamos muito com a indústria toda em Portugal. Só o ano passado — em 2025 será mais —, comprámos em Portugal, penso que cerca de 12 milhões de euros. E nos próximos três anos — não cinco, como é o plano que estamos a apresentar para a Inglaterra —, incluindo 2025, vamos comprar em Portugal, à indústria portuguesa, cerca de 100 milhões de euros, se não for mais“, adianta Ricardo Mendes.
“A massa salarial da Tekever em Portugal este ano vai ser à volta dos 40 milhões de euros. Portanto, é uma empresa que está a fazer um investimento muito grande em Portugal. A nossa base de talento é por toda a Europa, mas uma parte muito importante está em Portugal, nascemos cá”. E não há planos de mudar a sede para outro país.
De utilities para os drones
Quando arrancou, no início dos anos 2000, a Tekever nem sonhava com drones. “Éramos na altura cinco colegas do Técnico, todos de engenharia informática, de várias áreas diferentes, uns de inteligência artificial como eu, outros de áreas mais ligadas às redes de comunicação e aos sistemas distribuídos”, conta Ricardo Mendes. “Quando criámos a Tekever, o objetivo era trabalhar na intersecção desses dois mundos. Ou seja, acreditávamos que os sistemas iam ser cada vez mais distribuídos, que o software ia correr em dispositivos menos convencionais. Na altura não era comum haver aplicações nos telemóveis”, lembra o CEO, em fevereiro em entrevista ao podcast “À Prova do Futuro” do ECO.
“Acreditávamos que esse conceito se iria chamar a Evernet, que seria a internet everywhere. Na verdade, chama-se internet [risos] e, portanto, o nome da empresa Tekever vem de Technologies for the Evernet”, revela.
Um dos nossos primeiros projetos made by Tekever foi para uma pequena empresa em Lisboa chamada Cardiotestes, mais houve para a EDP — “para permitir gerir de forma muito mais eficiente uma rede de prestadores de serviços, de funcionários de manutenção, de instalação, leituras de contadores” —, de mobile banking e até a app da Gira.
Drones: “computadores com asas”
Depois começaram a olhar para os drones, mas de um outro ângulo. “Eram setores tradicionalmente dominados por players, por empresas que vinham produzir coisas muito grandes. Nomeadamente, na área dos drones, empresas que vinham de produzir aviões. E que olhavam para este setor como ‘são aviões mais pequenos’. Nós olhamos para este setor como computadores com asas, são computadores em rede com asas”, conta.
A partir de 2019, começaram a operar para a Agência de Segurança Marítima Europeia e com o governo britânico na vigilância do Canal da Mancha. Recentemente, fecharam também com o Governo espanhol um contrato de cerca de cinco milhões para o fornecimento de drones para a vigilância da costa marítima e terrestre.
Mas fazem ainda vigilância na área industrial. Por exemplo, de pipelines na Nigéria.
Em Portugal, têm a decorrer um projeto com a GNR para vigilância costeira. “Temos uma colaboração muito estreita com as várias forças armadas e, portanto, esperamos que ao longo dos próximos anos sejam criadas as condições operacionais, financeiras, para que possam ser adotados os nossos sistemas”, afirma em entrevista ao ECO o CEO da Tekever.
“É muito bom termos em Portugal, da perspetiva das Forças de Defesa, do Ministério da Defesa e das forças de segurança, o maior fabricante europeu nesta área, uma área crucial para a adoção. Se perguntar a qualquer um dos ramos, quererão ter acesso a esta tecnologia. Se for portuguesa, tanto melhor, portanto, imagino que gostariam muito… Agora têm que ter condições para isso, têm que ter orçamento para isso, têm que ter capacidade para o fazer”, diz.