Polícia paulista mata mais crianças e jovens, mostra pesquisa

Levantamento da Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 34% dos jovens mortos violentamente no estado foram vítimas de operações das forças de segurança

Abr 4, 2025 - 09:13
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Polícia paulista mata mais crianças e jovens, mostra pesquisa

Um levantamento elaborado em conjunto pelo Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado ontem, mostra que, em 2024, 34% das crianças e adolescentes mortos violentamente no estado de São Paulo foram vítimas de ações policiais. Isso representa que uma em cada três óbitos brutais e intencionais nessa faixa etária ocorreu em intervenções das forças de segurança.

As mortes de crianças e adolescentes em decorrência de intervenções policiais aumentaram 120% no estado de São Paulo, entre 2022 e 2024. A pesquisa mostra um padrão entre as vítimas da letalidade policial em São Paulo. Jovens negros, moradores de áreas carentes e sem acesso a políticas públicas são os mais atingidos.

Leonardo Carvalho, pesquisador sênior do FBSP, salienta que "para pensarmos em soluções desse problema, temos que considerar o racismo estrutural, que atua de maneira transversal na geração de desigualdades na população. Nenhuma solução que tangencie essa questão vai dar conta de impactar a letalidade e salvar vidas".

Segundo Carvalho, políticas concretas podem ser implementadas para reduzir essas mortes, mas exigem coordenação entre diferentes áreas. "Existem, sim, políticas e medidas concretas, e elas dependem de outras áreas (educação, assistência social, trabalho) que podem reduzir essa letalidade. Uma boa experiência é o Comitê de Prevenção e Combate à Violência do Ceará, que há quase oito anos produz evidências e recomendações para influenciar políticas públicas de prevenção da violência", exemplifica.

Por conta do aumento da letalidade policial, especialistas ressaltam a necessidade de uma abordagem mais ampla e estruturada para enfrentar o problema. Carvalho alerta para a responsabilidade do governo em assumir essa pauta como prioridade.

"É preciso que o governo assuma essa pauta como urgente e se posicione com firmeza, passando a mensagem de que o controle do uso da força e a redução da letalidade e da vitimização policial sejam prioridades. Até 2022, vimos uma grande redução na letalidade policial, mas, a partir de 2023, o governo se reposicionou, e um dos resultados foi esse aumento alarmante", criticou.

Justificativas

A Polícia Militar de São Paulo (PMSP) reconhece o aumento das mortes em confrontos, mas critica a forma como os dados foram apresentados na pesquisa conjunta da Unicef e do FBSP. O chefe da comunicação social da PMSP, coronel Emerson Massera, afirma que não se pode comparar homicídios com mortes em decorrência de intervenção policial.

"A comparação é inadequada e contraria métricas nacionais e internacionais. Essas ocorrências envolvem suspeitos de crimes graves, como roubo, latrocínio e até homicídio. Além disso, também temos policiais feridos e mortos nessas operações", argumentou.

Sobre o crescimento das mortes de adolescentes, o coronel afirma que esse aumento acompanhou a escalada da violência no estado. "O total de mortes em confrontos com a polícia, considerando adultos e adolescentes, aumentou 153%. Ou seja: não há um comportamento direcionado a um grupo específico, mas sim um reflexo do aumento da criminalidade", explicou.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo destacou que não compactua com desvios de conduta ou excessos por parte de seus agentes e que pune rigorosamente todas as ocorrências dessa natureza. Segundo a SSP-SP, desde 2023 mais de 550 policiais foram presos e 364 foram demitidos ou expulsos. Ressalta, também, que todos as chamadas Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) são investigadas pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, do Ministério Público e do Judiciário.

Menino de 4 anos

Um dos casos de morte de crianças mais recente, que coloca a PMSP na berlinda, é o de Ryan da Silva Andrade Santos, de quatro anos, atingido por uma bala em uma operação policial no Morro São Bento, em Santos, no litoral paulista, no ano passado. O laudo da perícia confirmou que o disparo partiu da arma de um policial militar — que levou ao afastamento de sete agentes que partciparam da incursão.

A Polícia Militar argumenta que a morte de Ryan não deve ser contabilizada como uma intervenção policial tradicional. O coronel Massera afirma que os policiais envolvidos foram atacados e reagiram para se defender.

"O caso do Ryan consternou a todos nós, inclusive os policiais envolvidos. Mas não foi uma morte decorrente de intervenção. Os policiais foram atacados e reagiram para proteger a própria vida. Infelizmente, o menino foi atingido por um projétil que ricocheteou. Ninguém queria produzir esse resultado", disse.

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi