Pluralismo da mídia na Europa está sob ameaça, diz relatório
Levantamento divulgado pelo "The Guardian" indica uma alta concentração de veículos nas mãos de poucos grupos na União Europeia

O pluralismo da imprensa em vários Estados-membros da UE (União Europeia) está cada vez mais ameaçado por causa de uma alta concentração de veículos nas mãos de poucos grupos, mesmo em países com mercados de mídia tradicionalmente livres. As informações são de um relatório da União das Liberdades Civis da Europa (Liberties) revelado nesta 3ª feira (29.abr.2025) pelo jornal britânico The Guardian.
O documento, elaborado com base no trabalho de 43 grupos de direitos humanos de 21 países, identificou que a liberdade de imprensa e o pluralismo midiático estão “sob ataque em toda a UE, e em alguns casos em uma batalha existencial”. Segundo a reportagem, que teve acesso ao relatório completo, a situação representa um risco crescente para a democracia em diversos países do bloco europeu.
Jonathan Day, editor-chefe do relatório, afirmou que “os esforços dos governos para enfraquecer o Estado de Direito e as instituições democráticas quase sempre começam buscando controlar o panorama midiático de seu país”.
A concentração excessiva da propriedade de mídia foi identificada como uma preocupação particular em 7 países, que são:
- Croácia;
- França;
- Hungria;
- Países Baixos;
- Eslovênia;
- Espanha;
- Suécia.
O problema também foi documentado na Bulgária, Grécia, em Malta e em outros países europeus cujos governos exercem influência por meio da alocação de verbas publicitárias estatais.
Suécia, Países Baixos e Alemanha
Na Suécia, a empresa Bonnier controla 43% de todos os jornais por assinatura, enquanto a Schibsted possui outros 13%, incluindo Aftonbladet e Svenska Dagbladet. Nos Países Baixos, RTL Nederland e Talpa Network dominam mais de 75% do mercado televisivo.
O mercado de mídia online holandês é controlado por sites pertencentes à DPG Media, Mediahuis e RTL Nederland. A DPG Media anunciou planos para adquirir a RTL Nederland no final de 2023, transação que está sob investigação da autoridade de consumo e mercados do país.
Na Alemanha, aproximadamente metade dos editores de jornais reduziu seu pessoal editorial e 62% preveem novos cortes. Muitos jornais locais, afetados pela digitalização e pela queda no número de leitores, estão fechando suas redações.
Hungria: O caso Kesma
A situação mais crítica ocorre na Hungria, onde a Kesma (Fundação de Imprensa e Mídia da Europa Central), administrada por aliados do primeiro-ministro Viktor Orbán (Fidesz, extrema-direita), possui centenas de empresas de mídia.
Oligarcas próximos a Orbán começaram a comprar importantes veículos de mídia em 2010 e depois os “doaram” à Kesma. Desde 2018, a fundação funciona como “um conglomerado de mídia centralizado e pró-governo”, dependendo de anúncios estatais para financiamento.
Na Hungria, a mídia pública funciona como um “porta-voz governamental totalmente capturado”, enquanto na Eslováquia, novas leis eliminaram salvaguardas para a independência editorial. O relatório também aponta vulnerabilidades na mídia pública da Croácia, Grécia, Bulgária e Itália.
França e Itália
Na França, o documento aponta “desafios significativos ao pluralismo da mídia”, destacando a aquisição do grupo Hachette por Vincent Bolloré e a contratação de executivos alinhados às visões do bilionário conservador em várias de suas editoras.
Na Itália, o relatório menciona a planejada aquisição da AGI, importante agência de notícias, pelo Grupo Angelucci, liderado por Antonio Angelucci, deputado do partido Lega (extrema-direita), que já possui jornais como Il Giornale, Libero e Il Tempo.
Violência contra jornalistas
O documento constatou que jornalistas permanecem vulneráveis a discursos de ódio e ataques físicos, sofrendo violência policial em 2024 na França, Alemanha, Grécia, Hungria e Espanha.
Processos judiciais abusivos conhecidos como “Slapps” (Processos Judiciais Estratégicos contra a Participação Pública, em inglês) representam uma “ameaça potencialmente existencial” em pelo menos 12 países da UE, com o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico (Direção, social-democrata), abrindo um processo contra um jornalista.
Autoridades públicas dificultaram o trabalho jornalístico ao resistir ou recusar pedidos de liberdade de informação em vários países, incluindo a Bulgária, Alemanha, Grécia, Malta, os Países Baixos e a Espanha.
O problema é agravado pela falta de transparência adequada sobre os controladores dos meios de comunicação. Muitos Estados-membros não estabeleceram os bancos de dados de acesso público exigidos pela Emfa (Lei Europeia de Liberdade de Mídia), cuja maior parte deve entrar plenamente em vigor em agosto de 2025.
A Emfa é uma legislação vinculante que visa à garantia de proteção a jornalistas e fontes, a independência dos órgãos reguladores e a transparência total da propriedade. Day destacou que a Emfa já está “enfrentando resistência mesmo antes de estar totalmente em vigor. O sucesso de sua aplicação pode ser decisivo para a liberdade de mídia em alguns Estados-membros”.
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