Usbequistão, encruzilhada de civilizações (25).
Concluo hoje esta série de crónicas suscitadas pela minha visita ao Usbequistão, país pouco conhecido, mas cheio de interesse e desafios. Um aspecto que achei curioso e que é transversal às várias cidades aqui mencionadas, é encontrar em cada local fluxos de turistas de outros países da Ásia Central. O que proporciona sempre fotos interessantes que deixei para o final. A terminar, deixo algumas reflexões sobre a economia do país e a geopolítica da Região. A economia usbeque baseou-se durante muitos anos na produção intensiva de algodão. No período soviético, os órgãos de planeamento económico fixaram metas extremamente exigentes para a produção que levaram a consequências ambientais dramáticas. O caso mais conhecido é o do Mar de Aral que está hoje reduzido a cerca de 10% da área que tinha cinquenta anos antes. Além das disfunções ambientais por si provocadas, a cultura do algodão desenvolveu-se, até recentemente, com apoio desmedido de trabalho escravo e infantil. Hoje há um esforço para diversificar a economia através do ouro e dos produtos petrolíferos. Também através de privatização. O Produto Interno Bruto per capita não atinge ainda 3000 dólares. Mas a cultura do algodão continua bem presente: Durante o Século XIX, a Rússia conquistou toda a Ásia Central, instituindo um regime de tipo colonial, assenhoreando-se de extensas áreas agrícolas, estimulando a cultura do algodão e interligando os territórios através de uma rede de caminhos de ferro. A revolução bolchevique não renegou em nada este sistema. Antes o actualizou através da política soviética das nacionalidades e da instituição das repúblicas socialistas soviéticas, processo conduzido por Estaline. O embaixador francês Pierre Andrieu, antigo embaixador da França em Moscovo, analisa estas realidades num artigo muito interessante publicado pela Fundação Robert Schuman, intitulado Um actor ainda demasiado desconhecido na Europa: a Ásia Central, analisa com profundidade esta realidade. Refere que a Federação Russa mantém uma forte influência na Região, nomeadamente através do facto de a língua russa se manter como língua franca na Região. Não obstante as organizações de segurança colectiva terem pedido relevância desde a invasão da Ucrânia, Putin quer manter a sua influência na Região. Andrieu faz uma estatística dos contactos telefónicos entre o Presidente da Rússia e os presidentes dos países da Ásia Central no ano e meio que se seguiu à invasão d Ucrânia. Falou 16 vezes com o Presidente do Usbequistão, 10 com o Presidente do Cazaquistão, 6 com o Presidente do Tadjiquistão e 5 co0m o Presidente da Quirguízia e o Presidente do Turquemenistão. Revela a relevância do Usbequistão. Estes países têm conseguido manter um equilíbrio no filho da navalha sem condenar nem a Rússia nem a Ucrânia. Até quando? Temur Umarov, do Carnegie Russia Eurasia Center, escreve em 2024 que os países da Ásia Central procuram um equilíbrio entre a Rússia, a China e o Ocidente, conciliando uma cooperação com a NATO com uma presença nos desfiles do 9 de Maio em Moscovo e a permissão de bases nas fronteiras da Polícia Popular Chinesa. O Usbequistão ousou não aderir à Comunidade Económica Euro-asiática mantendo-se apenas como associado não obstante as fortes pressões russas. O Embaixador Andrieu conclui, talvez de forma optimista, que a Ásia Central se transformou num actor autónomo e activo na cena internacional. Conscientes da sua localização complexa, reencontrando progressivamente o seu passado glorioso, os cinco países tentam libertar-se com cuidado da dupla pressão de Moscovo e Pequim e aplicar uma diplomacia que atraia outras potências. Com um certo sucesso até agora. Uma coisa é certa: a Região deixou de ser uma terra incognita. Obrigado pelo vosso interesse por estas 25 crónicas. Fotografias de 3 de Outubro de 2024 José Liberato
Concluo hoje esta série de crónicas suscitadas pela minha visita ao Usbequistão, país pouco conhecido, mas cheio de interesse e desafios.
Um aspecto que achei curioso e que é transversal às várias cidades aqui mencionadas, é encontrar em cada local fluxos de turistas de outros países da Ásia Central. O que proporciona sempre fotos interessantes que deixei para o final.
A terminar, deixo algumas reflexões sobre a economia do país e a geopolítica da Região.
A economia usbeque baseou-se durante muitos anos na produção intensiva de algodão. No período soviético, os órgãos de planeamento económico fixaram metas extremamente exigentes para a produção que levaram a consequências ambientais dramáticas. O caso mais conhecido é o do Mar de Aral que está hoje reduzido a cerca de 10% da área que tinha cinquenta anos antes.
Além das disfunções ambientais por si provocadas, a cultura do algodão desenvolveu-se, até recentemente, com apoio desmedido de trabalho escravo e infantil.
Hoje há um esforço para diversificar a economia através do ouro e dos produtos petrolíferos. Também através de privatização.
O Produto Interno Bruto per capita não atinge ainda 3000 dólares.
Mas a cultura do algodão continua bem presente:
Durante o Século XIX, a Rússia conquistou toda a Ásia Central, instituindo um regime de tipo colonial, assenhoreando-se de extensas áreas agrícolas, estimulando a cultura do algodão e interligando os territórios através de uma rede de caminhos de ferro.
A revolução bolchevique não renegou em nada este sistema. Antes o actualizou através da política soviética das nacionalidades e da instituição das repúblicas socialistas soviéticas, processo conduzido por Estaline.
O embaixador francês Pierre Andrieu, antigo embaixador da França em Moscovo, analisa estas realidades num artigo muito interessante publicado pela Fundação Robert Schuman, intitulado Um actor ainda demasiado desconhecido na Europa: a Ásia Central, analisa com profundidade esta realidade.
Refere que a Federação Russa mantém uma forte influência na Região, nomeadamente através do facto de a língua russa se manter como língua franca na Região.
Não obstante as organizações de segurança colectiva terem pedido relevância desde a invasão da Ucrânia, Putin quer manter a sua influência na Região. Andrieu faz uma estatística dos contactos telefónicos entre o Presidente da Rússia e os presidentes dos países da Ásia Central no ano e meio que se seguiu à invasão d Ucrânia. Falou 16 vezes com o Presidente do Usbequistão, 10 com o Presidente do Cazaquistão, 6 com o Presidente do Tadjiquistão e 5 co0m o Presidente da Quirguízia e o Presidente do Turquemenistão. Revela a relevância do Usbequistão.
Estes países têm conseguido manter um equilíbrio no filho da navalha sem condenar nem a Rússia nem a Ucrânia. Até quando?
Temur Umarov, do Carnegie Russia Eurasia Center, escreve em 2024 que os países da Ásia Central procuram um equilíbrio entre a Rússia, a China e o Ocidente, conciliando uma cooperação com a NATO com uma presença nos desfiles do 9 de Maio em Moscovo e a permissão de bases nas fronteiras da Polícia Popular Chinesa.
O Usbequistão ousou não aderir à Comunidade Económica Euro-asiática mantendo-se apenas como associado não obstante as fortes pressões russas.
O Embaixador Andrieu conclui, talvez de forma optimista, que a Ásia Central se transformou num actor autónomo e activo na cena internacional. Conscientes da sua localização complexa, reencontrando progressivamente o seu passado glorioso, os cinco países tentam libertar-se com cuidado da dupla pressão de Moscovo e Pequim e aplicar uma diplomacia que atraia outras potências. Com um certo sucesso até agora.
Uma coisa é certa: a Região deixou de ser uma terra incognita.
Obrigado pelo vosso interesse por estas 25 crónicas.
José Liberato