Parlamento dividido entre cravos, luto e pré-campanha eleitoral

No dia em que se assinalaram 51 anos da Revolução dos Cravos e 50 anos das primeiras eleições livres em Portugal, a sessão solene no Parlamento foi marcada por fortes contrastes, que contou ainda com a aprovação por unânime de um voto de pesar pelo falecimento do Papa Francisco. De um lado, as homenagens ao […]

Abr 25, 2025 - 15:31
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Parlamento dividido entre cravos, luto e pré-campanha eleitoral

No dia em que se assinalaram 51 anos da Revolução dos Cravos e 50 anos das primeiras eleições livres em Portugal, a sessão solene no Parlamento foi marcada por fortes contrastes, que contou ainda com a aprovação por unânime de um voto de pesar pelo falecimento do Papa Francisco.

De um lado, as homenagens ao recém-falecido Papa Francisco uniram diversos quadrantes políticos e, do outro, as críticas ao adiamento das celebrações festivas pelo Governo transformaram a sessão num palco de tensão pré-eleitoral, com acusações mútuas a menos de um mês das legislativas de 18 de maio.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, encerrou o seu último discurso como chefe de Estado nas comemorações do 25 de Abril traçando um paralelo entre o legado do Papa Francisco e os valores da Revolução dos Cravos. “O que é que têm a ver os factos, os problemas e o modo de Francisco de com eles lidar com o 25 de Abril? Tudo, tudo!”, afirmou, sublinhando que ambos partilham princípios fundamentais.

A sessão revelou uma classe política dividida não só pela ideologia, mas também pela forma de homenagear simultaneamente o 25 de Abril e o Papa Francisco, num contexto pré-eleitoral.

Marcelo Rebelo de Sousa destacou a necessidade de “radical humildade”, evocando o exemplo do Papa: “25 de Abril sempre? Sim, se com incessante busca dos valores. O pleno e descomplexado abraço a todas as pessoas e a atenção a todas as coisas. E na radical humildade com que Francisco viveu e nos ensinou a viver”.

José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República, recordou o Papa Francisco como um “amigo de Portugal”, lembrando as duas visitas ao país e a nomeação de quatro cardeais portugueses. O presidente do Parlamento destacou que o Papa “apoiou os pobres entre os mais pobres” e foi um símbolo da “amizade social, fraternidade universal e ecologia integral”.

No plano político, Aguiar-Branco apelou à superação das divisões, defendendo que “o povo deseja estabilidade política” e que “os políticos não podem ser meros comentadores da realidade, como se não tivessem o poder para alterar o estado de coisas”, num momento em que Portugal se prepara para as terceiras eleições legislativas em quatro anos.

Críticas ao Governo à esquerda e à direita

Os partidos de esquerda convergiram nas críticas ao Governo pela decisão de adiar algumas celebrações do 25 de Abril devido ao luto nacional pela morte do Papa Francisco. Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, foi contundente: “Não podemos aceitar que um Governo decida que o 25 de Abril é uma data descartável que se pode celebrar noutra data qualquer”.

Pedro Nuno Santos, líder do PS, acusou o Executivo de ter cometido um “erro grosseiro” ao adiar as celebrações, afirmando que “hoje o povo sai à rua enquanto o Governo fica à janela”, numa clara crítica à ausência do Governo nas festividades públicas.

Isabel Mendes Lopes, do Livre, reforçou a mesma ideia, notando que “a celebração do 25 de Abril não se cancela, não se adia. A liberdade não se festeja com reservas”, evocou a deputada. O PCP, pela voz de António Filipe, reconheceu o papel do Papa no “diálogo pela tolerância e a favor da paz”, mas não deixou de reafirmar a importância de celebrar as conquistas de Abril.

Nos partidos que apoiam o Governo, Teresa Morais, do PSD, centrou-se nas imperfeições da democracia, afirmando que “a democracia que temos é imperfeita” e defendendo que “temos de conseguir fazer melhor e vamos fazer melhor” em áreas como a igualdade de género e o combate à violência doméstica.

Paulo Núncio, do CDS, evocou não só o 25 de Abril, mas também o 25 de Novembro, afirmando que “em abril ganhámos a Liberdade, em novembro evitámos perdê-la”, apelando ainda à estabilidade num momento pré-eleitoral.

André Ventura, do Chega, manteve o tom crítico habitual, afirmando que “mostramos às pessoas que estamos em festa, mas às pessoas a vida não permite que estejam em festa”, lamentando que Portugal viva hoje “um dos piores momentos de acesso à habitação”.

Rui Rocha, do Iniciativa Liberal, reconheceu os avanços dos últimos 50 anos, mas salientou que “também é verdade que ainda temos um longo caminho a percorrer”, apontando desafios na saúde, habitação e educação.

Inês Sousa Real, do PAN, resumiu o sentimento de muitos portugueses: “Os portugueses estão cansados da instabilidade política”, mas insistiu que “é urgente celebrar Abril e a esperança da democracia”.

A sessão revelou uma classe política dividida não só pela ideologia, mas também pela forma de homenagear simultaneamente o 25 de Abril e o Papa Francisco, num contexto pré-eleitoral que amplificou as divergências e transformou a celebração da liberdade num prelúdio da campanha que se avizinha.