"Os melhores anos da minha carreira foram no Vitória SC"

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, Jorge Fernandes faz o balanço da carreira e a nova aventura na Arábia Saudita, a serviço do Al Fateh, depois de ter saído dos vimaranenses a meio da temporada. Formado no FC Porto, o defesa-central português, de 27 anos, lamenta a falta de mais oportunidades nos dragões.

Mar 25, 2025 - 08:18
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"Os melhores anos da minha carreira foram no Vitória SC"

Depois de quatro temporadas e meia no Vitória SC, Jorge Fernandes decidiu dar um novo passo na carreira, com a mudança para o Al Fateh, do campeonato saudita, umas das Ligas mais emergentes no panorama internacional. Depois de representar o Kasimpasa, da Turquia, esta é a segunda segunda passagem pelo estrangeiro do defesa-central formado no FC Porto.

 

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Jorge Fernandes, de 27 anos, revela os motivos que o levaram a deixar o Vitória SC, admitindo que sempre teve na cabeça a vontade de experimentar o mercado árabe ao mesmo tempo que recorda a saída do técnico Rui Borges, para o Sporting, a meio da presente temporada.

Internacional pelas camadas jovens de Portugal, o defesa natural do Porto também recorda outros vários momentos da carreira, nomeadamente a estreia pela equipa principal do FC Porto, confessando que gostaria de ter jogado mais jogos pelos dragões

Foi oficializado nos sauditas do Al Fateh no dia 31 de janeiro. Como tem sido a experiência?

Está ser uma aventura diferente, mas o feedback é positivo. A nível pessoal, eu e a minha família estamos a adaptar-nos, embora seja uma cultura diferente. Profissionalmente, a equipa, o Al Fateh, melhorou com as mexidas durante o mercado de transferências do inverno e temos conseguido boas vitórias. Sabemos que ainda falta nove jornadas para o fim da Liga e que estamos na luta pela permanência, mas toda a gente no clube está com esperança de que vamos conseguir o objetivo.

Já realizou oito jogos na Liga saudita desde a sua chegada. O que o surpreendeu?

Desde a chegada do Cristiano Ronaldo, o campeonato melhorou muito em termos de qualidade individual. Praticamente, todas as equipas têm jogadores que fazem a diferença. A individualidade tem muito peso e resolve jogos.

Notícias ao Minuto Jorge Fernandes rapidamente assumiu a titularidade no Al Fateh© Reprodução X /Jorge44filipe  

Idealizar esse confronto é tratar o Cristiano como todos os outros. Focar-me em ganhar os duelos, que é um dos meus pontos fortes e dar alguma tranquilidade à equipaAté ao final do campeonato, há confrontos com o Al Ittihad, de Karim Benzema, o Al Hilal, do Jorge Jesus, e o Al Nassr, do Cristiano Ronaldo...

São jogos desafiantes contra equipas que têm nomes sonantes. Vamos jogar nove finais até ao final da Liga, é muito exigente, mas temos de estar preparados. Não temos mais oportunidades de falhar, de ter uma segunda hipótese. Sinto que temos qualidade e que podemos encarar qualquer uma de frente. Obviamente, esses jogos terão um cariz mais emotivo, porque vamos enfrentar grandes estrelas do futebol mundial.

Já idealiza esse confronto com o Cristiano Ronaldo?

O jogo com o Al Nassr é o último do campeonato e espero que ele jogue. Quero estar disponível fisicamente para disputar esse jogo, mas idealizar esse confronto é tratar o Cristiano como todos os outros. Focar-me em ganhar os duelos, que é um dos meus pontos fortes e dar alguma tranquilidade à equipa.

Notícias ao Minuto Os duelos aéreos são uma das principais qualidades de Jorge Fernandes.© Reprodução X /Jorge44filipe  

No Al Fateh é orientado por um técnico português, o José Gomes. Esse facto teve peso na sua decisão de ir para a Arábia Saudita?

Claro que teve peso e agradeço o voto de confiança, mas o clube manifestou interesse na minha contratação e senti-me desejado. Admito que a Arábia Saudita já era um mercado que já tinha na minha cabeça.

Como descreve o jogador saudita?

O jogador saudita tem muita qualidade técnica, boa relação com bola e surpreendeu-me a vertente física. Eles são muitos fortes, rápidos e com enorme capacidade de resistência. Acabam por pecar na questão tática, no entendimento do jogo. Na Europa, somos muito mais desenvolvidos nesse aspeto.

Já teve de dar alguma 'dura' a um algum companheiro por essa falta de entendimento do jogo?

Eu acabei por encaixar bem na equipa. O Marouane Saadane, que é um dos capitães e que faz dupla comigo no centro da defesa, tem esse perfil de dar essas duras na equipa, pois não temos muitas mais oportunidades para falhar. Ele chama a atenção e eu sou mais o motivador. Somos uma espécie de 'polícia mau e polícia bom'. Eu sou o bom e tento incentivar os meus companheiros, faço-lhes entender que o erro faz parte e que a ação seguinte é o que importa. Entendo que demasiados 'polícias maus' pode acabar por ser mau para a equipa.

Notícias ao Minuto Jorge Fernandes mantém sempre o otimismo em redor da equipa© Reprodução X /Jorge44filipe  

Considera um risco sair do Vitória, que compete para alcançar competições europeias em Portugal, para um Al Fateh, que luta pela permanência na Arábia Saudita?

Sempre tive conversas com o meu empresário e com a minha família de objetivos que queria atingir. Aos 27 anos, queria uma nova aventura no estrangeiro e não vou ser hipócrita e dizer que o lado financeiro não contou. Aqui, na Arábia Saudita e nos países árabes, o ordenado é superior à media da maioria dos campeonatos europeus. Sim, sabia que era um risco, mas as pessoas transmitiram-me confiança para efetuar essa mudança. O campeonato está em evolução e poderá ser uma porta para outros mercados, que eu também quero para a minha carreira. Nunca sabemos qual é a melhor decisão para as nossas carreiras, mas o mais importante é estar de consciência tranquila. O que acontecer é porque deveria ser assim. 

O quão difícil foi deixar o Vitoria SC?

Muito, mas um dia teria de ser. 

Guimarães é das poucas cidades no país, onde não se vê muitos adeptos de Benfica, Sporting ou FC Porto...

É uma massa adepta fora do normal, que te faz sentir jogador. Ali, é só Vitória. É um simbolismo muito grande para a cidade e amei jogar lá. Os melhores anos anos da minha carreira foram no Vitória SC. Serei mais um adepto a torcer pelo clube.

Notícias ao Minuto Jorge Fernandes realizou mais de 100 jogos com a camisola do Vitória SC© Getty Images  

Como foi trabalhar com o treinador Rui Borges?

Tenho uma ligação muito boa com o mister Rui e com a restante equipa técnica. Ainda hoje falo com eles e estou extremamente contente pela oportunidade que tiveram e tenho a certeza de que vão ser campeões nacionais com o Sporting. São muito competentes. O mister Rui Borges e a equipa técnica acabam por ser um força muito grande, todos eles fazem sentido e complementam-se. O que dou mais importância é a relação com o jogador, o que joga e o que não joga. Eu joguei alguns jogos e outros fui para o banco e o mister Rui Borges sabia gerir essa questão com o plantel. A nível tático e técnico do jogo, cada um tem as suas ideias, mas no fundo as decisões são do jogador. Se ele tiver ordens para a direita, mas se for para a esquerda e marcar golo, ele vai ser aplaudido na mesma. Desejo-lhes toda a sorte no mundo e que nos voltemos a cruzar um dia dentro do futebol, porque fora teremos sempre uma amizade.

Rui Borges? Foi curioso, porque essas oportunidades surgem mais para os jogadores, que querem ir e dar o salto na carreira. O mister quis abraçar o projeto do Sporting e nós desejamos-lhe sorte

Como é que o grupo de trabalho reagiu à saída do treinador Rui Borges? 

Nos meus anos de Vitória SC, passei por algumas mudanças de treinador. No entanto, a principal característica do grupo de trabalho era a união e manter-se tranquilo. Não controlámos as decisões dos outros. Obviamente, nós estávamos habituados aos métodos de trabalho do mister Rui Borges e as coisas estavam a correr bem. Custa sempre mais um bocado, mas grande parte de nós compreendeu a decisão do treinador. Foi curioso, porque essas oportunidades surgem mais para os jogadores, que querem ir e dar o salto na carreira. O mister quis abraçar o projeto do Sporting e nós desejamos-lhe sorte.

Atualmente, o Vitória SC vende para os melhores e é uma porta de entrada para outros mercados, o que antigamente era mais complicado

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A instabilidade no Vitória SC fora de campo é o que dificulta a ascensão do clube para outros patamares no futebol nacional?

No futebol, acaba por acontecer isso, embora o Vitória SC tenha a mais, mas também digo que o Vitória atualmente é muito mais forte do que quando entrei [em 2020/21]. O clube está no caminho certo para ir na direção da estabilidade. O sucesso desportivo nos últimos anos resulta de um trabalho de muita gente, com destaque para o Bruno Matos, um profissional de excelência. A sua adição à estrutura foi um ponto de viragem para o Vitória SC. Vejam as vendas do clube mais recentemente: Jota Silva para o Nottingham Forest [da Premier League], o Manu Silva para o Benfica, o Alberto Costa para a Juventus [da Serie A], o Kaio César para o Al Hilal [da Arábia Saudita]. Atualmente, o Vitória SC vende para os melhores e é uma porta de entrada para outros mercados, o que antigamente era mais complicado.

Como viu a ascensão do Jota Silva?

Foi um jogador impactante para toda a gente. É muito acarinhado em Guimarães e era realista ele jogar numa Premier League, fez por isso. No Nottingham, tem dado resposta e mostrado o que é o Jota Silva.

Notícias ao Minuto Jorge Fernandes foi companheiro de Jota Silva durante duas épocas© Getty Images  

Em 2017/18, estreou-se pela equipa principal do FC Porto, no qual é formado. Como foi esse momento?

Aconteceu ante o Lusitânia de Évora para a Taça de Portugal [3.ª eliminatória]. Para quem veio da formação, foi o culminar de um trajeto, que começou com 10 anos. Gostava que tivessem sido mais jogos pelo FC Porto, mas não era para ser. Tive essa oportunidade, que muitos não tiveram, e só tenho de agradecer.

Notícias ao Minuto Jorge Fernandez fez a formação no FC Porto© Reprodução /Jorge Fernandes Instagram  A exigência no FC Porto é máxima, ainda mais com o técnico Sérgio Conceição e o Pepe. Eles obrigam-te a dar mais e mais de ti

Que importância tem para si o número 44?

Vem da estreia com a equipa A do FC Porto e ganhou um simbolismo muito importante para mim e sigo com ele até hoje

Chegou a treinar com jogadores como Iker Casillas, Pepe, Sérgio Oliveira, entre tantos outros...

Quando és miúdo, tens ainda mais essa capacidade de absorver. A exigência no FC Porto é máxima, ainda mais com o técnico Sérgio Conceição e o Pepe. Eles obrigam-te a dar mais e mais de ti. Não chega treinar bem um dia, não há espaço para relaxar e foi isso que fez com que tivessem o sucesso que tiveram no clube.

Notícias ao Minuto Jorge Fernandes na equipa principal do FC Porto
© Reprodução /Instagram Jorge44filipe
 

Em janeiro dessa temporada, foi emprestado ao Tondela. Ficou triste por ter sido emprestado?

No último dia de mercado, fui moeda de troca com o Osório, que tinha sido contratado pelo FC Porto. O Tondela não tinha tempo para contratar um defesa-central e optaram por mim. Agradeço ao mister Pepa por acreditarem em mim. Foi uma casa que adorei estar, muito humilde, que me deu a oportunidade de me estrear na I Liga.

Como jogador, olhei muito para três nomes: Carles Puyol, quando estava no Barcelona, Pepe e Bruno Alves, que jogaram no FC Porto, onde fui formadoQuem são as suas referências na sua posição?

Sempre gostei da parte defensiva de um central, olhar para os duelos, como é que encara o 1x1, como coloca o corpo e os braços para ganhar vantagem. Com a evolução do futebol, os duelos passaram para um plano secundário, dá-se mais valor à construção, que também acho importante e que me sinto confortável, mas perdeu-se essa agressividade. Como jogador, olhei muito para três nomes: Carles Puyol, quando estava no Barcelona, Pepe e Bruno Alves, que jogaram no FC Porto, onde fui formado.

Quem foram os avançados mais complicados de lidar?

O Gyokeres tem essa característica de gostar do duelo físico, do contato e é um adversário de muita qualidade, mas fiz bons jogos contra ele [risos]. Enfrentei também o Bas Dost, quando ele estava no Sporting. Eu sou alto, com mais de 1,93 de altura, mas ele é ainda mais alto do que eu e foi uma luta no jogo aéreo. O Darwin, na altura do Benfica, também marcou-me pela capacidade de movimentação, muito rápido sem bola e era complicado fazer uma marcação cerrada.

Notícias ao Minuto Jorge Fernandes em duelo com Viktor Gyokeres.
© Getty Images  

E o treinador mais marcante?

Foi o mister António Folha, que acreditou em mim no período da formação.

No Ramadão, a vida é de noite, pois eles de dia aproveitam para rezar e descansar. O nosso horário de treino passou para às 22 horas. Em Portugal, a essa hora estou a ir para a cama [risos]Atualmente, vive num país muçulmano, que está em período de Ramadão. Como tem sido essa adaptação?

No Ramadão, a vida é de noite, pois eles de dia aproveitam para rezar e descansar. O nosso horário de treino passou para às 22 horas. Em Portugal, a essa hora estou a ir para a cama [risos]. Tenho de reajustar os meus hábitos às dinâmicas deles. É um momento de aprendizagem.

Espero jogar até aos 40 anos como o Pepe.Com 27 anos, quais são ainda os objetivos de carreira?

Espero jogar até aos 40 anos como o Pepe. A curto prazo, são os nove jogos que faltam na Liga saudita. Depois, sou sincero que pretendo manter-me e crescer nestes mercados árabes durante mais alguns anos. Gostava de experimentar um campeonato como o da MLS (Liga norte-americana), que tem as duas vertentes: a profissional, uma liga em crescimento, e a pessoal, que gostaria de viver nos Estados Unidos e conhecer mais essa realidade.

Já apertam as saudades de Portugal?

Claro, tenho a minha esposa e filha comigo, mas queria ter toda a gente. Sou ligado à família e sinto falta deles. Sei que vou regressar a Portugal, porque gostaria que os meus pais acompanhassem o meu fim de carreira, eles merecem isso.