Caverna é demolida e outra está ameaçada por mineração; veja

Mesmo após alerta, a caverna em Ouro Preto, em Minas Gerais, foi destruída pela mineradora, que segue suas atividades mesmo com uma segunda cavidade a 50 metros da que não existe mais

Mar 27, 2025 - 22:30
 0
Caverna é demolida e outra está ameaçada por mineração; veja

Bastaram algumas horas com golpes de rompedores hidráulicos e pás das escavadeiras da Patrimônio Mineração para jogar ao chão as rochas que formavam uma caverna ainda não catalogada, com sete metros largura e três metros de altura, em Ouro Preto. Uma segunda cavidade a 50 metros agora corre perigo com a intensa escavação do terreno.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

A destruição da caverna foi alvo de manifestação, como mostrou o Estado de Minas. A Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) embargou a área em raio de 250 metros da cavidade. A fundação afirma que o empreendimento não comunicou no licenciamento o encontro de cavernas e as atividades da empresa deveriam estar paralisadas, mas a reportagem constatou que continuam, em todo terreno. A mineradora diz ter licenciamento e que apura o ocorrido (confira nota ao fim da reportagem). 

Mau exemplo de conservação das cavernas justo no ano em que o estado recebe o 19º Congresso Internacional de Espeleologia (estudo das cavidades rochosas), entre 20 e 27 de julho, em Belo Horizonte. 

 

A devastação das máquinas e operários ocorreu na mina de minério de ferro Fazenda Patrimônio, da L.C. Participações e Consultoria – Patrimônio Mineração, entre a noite do dia 21/03 e a madrugada de 22/03, mesmo depois de a comunidade do distrito de Santo Amaro do Botafogo alertar sobre a existência da cavidade rochosa aos trabalhadores que avançavam naquela direção. 

As máquinas chegaram a parar até o anoitecer. Quando o dia raiou não havia mais qualquer vestígio da caverna. observando as imagens geradas por drones de ativistas ambientais é possível verificar que o ponto onde fica a segunda caverna ainda se encontra sem intervenções visíveis. 

"Essa cavidade não foi contemplada nos estudos espeleológicos, mas foi apontada por estudos arqueológicos. Assim como uma segunda caverna que ainda corre risco, bem como cavernas que podem existir e sequer foram encontradas sem um estudo apropriado. A mineradora deveria ter avisado ao órgão ambiental para mais estudos e talvez até ser licenciada para suprimir a caverna com compensações. Mas a mineradora preferiu suprimir a caverna, assustando a comunidade de Botafogo e a comunidade científica", afirma o espeleólogo e integrante da Sociedade Excursionista e Espeleológica (SEE) de Ouro Preto. 

A segunda caverna identificada fica  no paredão rochoso (foto) a 50 metros da gruta que foi demolida
A segunda caverna identificada fica no paredão rochoso (foto) a 50 metros da gruta que foi demolida Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press


A Polícia Militar (PMMG) de Meio Ambiente foi chamada e lavrou um boletim de ocorrência. A PMMG constatou pelo registro da ocorrência que a "empresa realizou intervenção noturna, mesmo avisada para não intervir na área após reclamação da comunidade". Os policiais foram acompanhados por um morador da região e a engenheira ambiental da empresa.

"Assim que a gente da comunidade soube da existência dessa caverna, nós fizemos denúncia na Polícia Ambiental. Os policiais mandaram que parassem os trabalhos. Mas eles os desobedeceram, destruíram a caverna e continuam a trabalhar na área ameaçando uma segunda caverna que fica a menos de 50 metros da que não existe mais. Sem falar de outras que podem existir ali", afirma a jornalista e integrante da Associação dos Moradores e Amigos de Botafogo, Líria Barbosa Barros. 

Foi observado o desmonte primário de talude (encosta) rochoso com uso de máquinas escavadeiras e de rompedor, durante a abertura de uma estrada, desfazendo completamente a feição de cavidade natural,
não deixando nenhum indício da existência desta", constataram os policiais.  

Os moradores do distrito se revoltaram e fecharam a rodovia BR-356 em protesto contra a destruição do patrimônio espeleológico.

A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) enviou uma denúncia formal sobre o caso para os ministérios públicos estadual e federal, no dia 24 de março. "A destruição da gruta gerou ampla repercussão entre especialistas em espeleologia e ambientalistas, que questionam a ausência da cavidade no Relatório Espeleológico e a legalidade do licenciamento ambiental concedido à empresa", diz a denúncia.

"O soterramento da gruta em Ouro Preto representa uma afronta à legislação ambiental brasileira, além de provocar danos irreparáveis ao patrimônio natural e cultural da região. A Sociedade Brasileira de Espeleologia entende que a omissão de informações, aliada à falta de fiscalização adequada, não pode ser tolerada", destaco a SBE.

A entidade da sociedade civil que representa os estudiosos das cavernas demandam a abertura imediata de investigação criminal e administrativa contra a empresa, suspensão de todas as atividades na área afetada aplicação das sanções na legislação ambiental - incluindo medidas reparatórias e compensatórias pelos danos causados, revisão do processo de licenciamento ambiental da empresa, e garantia de proteção e preservação de outras cavidades e patrimônios naturais da região. 

A Feam informou que o processo de licenciamento da mina seguiu o rito ordinário, com a realização de estudos ambientais e análise por uma equipe técnica multidisciplinar. 

"Entre os estudos ambientais apresentados, foram especificamente avaliados os atributos espeleológicos da área. Conforme a legislação vigente, quando surgirem cavidades não identificadas nos estudos ambientais durante a fase de instalação ou operação do empreendimento, é obrigação do empreendedor interromper imediatamente as atividades e comunicar o órgão ambiental", destaca a fundação.

"A Feam compareceu ao local e constatou que a cavidade mencionada não estava prevista nos estudos autorizados e que não houve comunicação prévia ao órgão ambiental. Em razão dessa irregularidade, a Feam aplicou as sanções administrativas cabíveis ao empreendimento", afirma a fundação. 

Nota de esclarecimento Patrimônio Mineração

A Patrimônio Mineração vem a público reafirmar seu compromisso com a legalidade, o respeito à comunidade e a promoção de um desenvolvimento econômico sustentável e responsável. Nossa atuação é pautada por valores como a transparência, a segurança e a preservação do meio ambiente, além da valorização do rico patrimônio histórico e cultural da região. 

A Mina Patrimônio passou por um rigoroso processo de licenciamento ambiental, que durou cerca de cinco anos, com a realização de estudos técnicos completos, elaborados por profissionais especializados e aprovados pelos órgãos ambientais competentes. Isso resultou na emissão da licença ambiental e demais autorizações necessárias para o início de suas atividades. 

O empreendimento em questão está situado em uma área com concessão de lavra outorgada desde 1956, com histórico de extração em décadas anteriores. Atualmente, o empreendimento é classificado como Classe 3, de médio porte, exigindo a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), bem como todos os demais estudos específicos relacionados ao enquadramento do processo. 

Ressaltamos que notícias falaciosas não geram emprego, renda, impostos e benefícios à sociedade.
Seguimos trabalhando com seriedade e comprometimento. 

Diante de toda a repercussão sobre a situação de um possível impacto ao patrimônio espeleológico, esclarecemos que estamos apurando o caso minuciosamente junto a profissionais capacitados. Estamos abertos a esclarecer quaisquer dúvidas à população e, tão logo, teremos um diagnóstico preciso do ocorrido.

Acreditamos que juntos podemos construir um futuro próspero, seguro e sustentável.