Os direitos que fazem mover a cidadania no quadro do desenvolvimento humano.
Partindo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pedra angular do mundo pós-Segunda Guerra Mundial, padrão referencial para todos os povos e nações, Francisco Bethencourt elabora um admirável ensaio onde irá pôr em ecrã gigante as diferentes peças do motor em que arrancou o funcionamento das liberdades, direitos e garantias que são a matriz das democracias – Fundação Francisco Manuel dos Santos, maio de 2003. Em jeito de preâmbulo, dirá que o debate sobre os Direitos Humanos e a sua história pode ser abordado em torno de quatro perguntas: existia uma base anterior universal de respeito por estes direitos?, que contexto histórico permitiu a emergência do conceito de tais direitos?, e como é que eles têm sido contestados ou utilizados pelos diversos poderes mundiais? e, por último, como são eles apropriados, defendidos e alargados? Entrando na problemática da cidadania e direitos cívicos, recorda-nos que esta noção aparece ligada ao reconhecimento de pertença a uma comunidade urbana, era uma noção predominantemente local. Para apreciar a sua evolução, é de pôr o acento tónico no sistema político europeu do século XIX, como da colonização se passou para a condenação da escravatura, como se foi gradualmente caminhando para o direito à liberdade de opinião, de expressão e de associação. Em sequência, vai pôr em revista o tema da colonização, os valores imperiais preponderantes, e observa que o colonialismo teve um enorme impacto em direitos básicos que não estavam formalizados ao nível internacional, mas que eram compreendidos e praticados. “A crescente mercantilização do ser humano, enquanto objeto do sistema de plantação criado no Atlântico, é um dos resultados da colonização. As consequências da expansão europeia são visíveis nas teorias das raças e na divisão internacional do trabalho, que deixaram traços até aos dias de hoje, com enorme impacto nos direitos civis.” São essas as visões sociais que porá em análise, destacando a escravidão. “A abolição da escravatura pode ser considerada o primeiro grande desafio de construção de direitos humanos ao nível do globo. O abolicionismo colocou a noção de dignidade humana no centro do debate político, noção que permitiu dar voz ao descontentamento de camadas sociais oprimidas em todo o mundo, tendo alimentado poderosas revoltas na China e no Sudeste Asiático, bem como os movimentos anticoloniais que se sucederam na Ásia e em África ao longo dos séculos XIX e XX.” Da escravidão passamos para a barbárie, recorde-se que as potências colonizadoras conferiam-se ao direito de se autoproclamarem civilizadoras de outros povos. Quem fala em barbárie fala em doutrinas raciais, discriminação com base em supremacia do branco, de determinado credo religioso, de supostos atributos culturais étnicos, daí haver um compêndio de raças humanas que tinha no seu topo uma unidade social de cariz étnico que podia marginalizar, perseguir e até mesmo exterminar minorias racializadas, o autor recorda que continua a haver grupos de excluídos, particularmente na Ásia e África. Continuam a pesar as divisões no género, o peso preponderante vai para as mulheres, sujeitas a subordinação ao homem, até salário inferior ao do homem, tudo produto de uma milenária divisão homem/mulher; no quadro democrático tem havido uma evolução para o direito ao voto feminino, ganharam direito as minorias de comportamento sexual alternativo. Os Direitos Humanos deram um salto com o processo da descolonização, que tem conhecido várias etapas desde as independências no Novo Mundo e da Revolução Americana, a fragmentação do império otomano, o ciclo de independências na Europa durante e a seguir à Primeira Guerra Mundial, o colapso dos impérios europeus e japonês na sequência da Segunda Guerra Mundial e a desagregação do Império Soviético. “Estes processos de descolonização permitiram a criação de mais de cem novos países, que passaram a fazer parte das Nações Unidas, respondendo ao princípio de autodeterminação dos povos.” É neste contexto que se pode e deve apreciar os efeitos da desintegração da União Soviética e a invasão da Ucrânia pela Federação Russa e acontecimentos asiáticos como o Tibete que proclamou a independência em 1911, mas acabou por ser anexado em 1950 pela China. Há ainda outros três domínios dos Direitos Humanos abordados pelo autor: as migrações internacionais, os direitos económicos e sociais e os direitos ambientais. As migrações podem reportar-nos à imigração e ao quadro ideológico da contestação da imigração poder pôr em causa valores soberanos e culturas nacionais, de um modo geral uma bandeira contestatária de ultranacionalistas e apoiantes do racismo. Como observa o autor, “a livre circulação de pessoas no mundo é um ideal que está longe de ser partilhado por um grande número de pessoas dos países desenvolvidos. Contudo, o bloqueio à imigração conhece limites, pois, se existe necessidade económica, o movimento de pessoas não tende a diminuir. O respeito pelos Direitos Humanos

Partindo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pedra angular do mundo pós-Segunda Guerra Mundial, padrão referencial para todos os povos e nações, Francisco Bethencourt elabora um admirável ensaio onde irá pôr em ecrã gigante as diferentes peças do motor em que arrancou o funcionamento das liberdades, direitos e garantias que são a matriz das democracias – Fundação Francisco Manuel dos Santos, maio de 2003.
Em jeito de preâmbulo, dirá que o debate sobre os Direitos Humanos e a sua história pode ser abordado em torno de quatro perguntas: existia uma base anterior universal de respeito por estes direitos?, que contexto histórico permitiu a emergência do conceito de tais direitos?, e como é que eles têm sido contestados ou utilizados pelos diversos poderes mundiais? e, por último, como são eles apropriados, defendidos e alargados?
Entrando na problemática da cidadania e direitos cívicos, recorda-nos que esta noção aparece ligada ao reconhecimento de pertença a uma comunidade urbana, era uma noção predominantemente local. Para apreciar a sua evolução, é de pôr o acento tónico no sistema político europeu do século XIX, como da colonização se passou para a condenação da escravatura, como se foi gradualmente caminhando para o direito à liberdade de opinião, de expressão e de associação. Em sequência, vai pôr em revista o tema da colonização, os valores imperiais preponderantes, e observa que o colonialismo teve um enorme impacto em direitos básicos que não estavam formalizados ao nível internacional, mas que eram compreendidos e praticados. “A crescente mercantilização do ser humano, enquanto objeto do sistema de plantação criado no Atlântico, é um dos resultados da colonização. As consequências da expansão europeia são visíveis nas teorias das raças e na divisão internacional do trabalho, que deixaram traços até aos dias de hoje, com enorme impacto nos direitos civis.”
São essas as visões sociais que porá em análise, destacando a escravidão. “A abolição da escravatura pode ser considerada o primeiro grande desafio de construção de direitos humanos ao nível do globo. O abolicionismo colocou a noção de dignidade humana no centro do debate político, noção que permitiu dar voz ao descontentamento de camadas sociais oprimidas em todo o mundo, tendo alimentado poderosas revoltas na China e no Sudeste Asiático, bem como os movimentos anticoloniais que se sucederam na Ásia e em África ao longo dos séculos XIX e XX.” Da escravidão passamos para a barbárie, recorde-se que as potências colonizadoras conferiam-se ao direito de se autoproclamarem civilizadoras de outros povos. Quem fala em barbárie fala em doutrinas raciais, discriminação com base em supremacia do branco, de determinado credo religioso, de supostos atributos culturais étnicos, daí haver um compêndio de raças humanas que tinha no seu topo uma unidade social de cariz étnico que podia marginalizar, perseguir e até mesmo exterminar minorias racializadas, o autor recorda que continua a haver grupos de excluídos, particularmente na Ásia e África.
Continuam a pesar as divisões no género, o peso preponderante vai para as mulheres, sujeitas a subordinação ao homem, até salário inferior ao do homem, tudo produto de uma milenária divisão homem/mulher; no quadro democrático tem havido uma evolução para o direito ao voto feminino, ganharam direito as minorias de comportamento sexual alternativo.
Os Direitos Humanos deram um salto com o processo da descolonização, que tem conhecido várias etapas desde as independências no Novo Mundo e da Revolução Americana, a fragmentação do império otomano, o ciclo de independências na Europa durante e a seguir à Primeira Guerra Mundial, o colapso dos impérios europeus e japonês na sequência da Segunda Guerra Mundial e a desagregação do Império Soviético. “Estes processos de descolonização permitiram a criação de mais de cem novos países, que passaram a fazer parte das Nações Unidas, respondendo ao princípio de autodeterminação dos povos.” É neste contexto que se pode e deve apreciar os efeitos da desintegração da União Soviética e a invasão da Ucrânia pela Federação Russa e acontecimentos asiáticos como o Tibete que proclamou a independência em 1911, mas acabou por ser anexado em 1950 pela China.
Há ainda outros três domínios dos Direitos Humanos abordados pelo autor: as migrações internacionais, os direitos económicos e sociais e os direitos ambientais. As migrações podem reportar-nos à imigração e ao quadro ideológico da contestação da imigração poder pôr em causa valores soberanos e culturas nacionais, de um modo geral uma bandeira contestatária de ultranacionalistas e apoiantes do racismo. Como observa o autor, “a livre circulação de pessoas no mundo é um ideal que está longe de ser partilhado por um grande número de pessoas dos países desenvolvidos. Contudo, o bloqueio à imigração conhece limites, pois, se existe necessidade económica, o movimento de pessoas não tende a diminuir. O respeito pelos Direitos Humanos é confrontado pelo tráfico de migrantes, pelas máfias locais de exploração de trabalho clandestino e por políticas de Estado que se tornam cada vez mais perversas.
O largo espetro de direitos económicos e sociais prende-se com a intervenção do Estado, sensível aos direitos sindicais, da alimentação ou habitação, de cuidados médicos e assistenciais, à livre escolha de emprego, na repressão das violências, a começar pela doméstica, bem como o respeito pelo direito de decisão individual e controlo do próprio corpo. Temos, enfim, os direitos ambientais, já que nas últimas décadas se agravaram as formas de poluição acompanhadas de alterações climáticas e contaminações da natureza. “A perceção de uma natureza em alto risco, com danos já irreparáveis, é agora aceite pela maior parte da população depois de uma guerra ideológica suscitada pelos interesses económicos estabelecidos, baseados num modelo de desenvolvimento, de exaustão e contaminação dos recursos.” E recorda-se que este direito ao ambiente tem vindo a ser impulsionado depois da década de 1970. Este direito “resulta de uma nova sensibilidade face à destruição da natureza que coloca em risco a espécie humana. O modelo de desenvolvimento extrativista – que transforma a natureza num mero recurso para a produção e o consumo maciço, com uma manipulação química que altera o metabolismo dos animais – reduz de forma radical a diversidade biológica, destrói os ecossistemas e torna o planeta inabitável. Estes direitos visam criar um novo modelo de desenvolvimento sustentado, que recuse a energia dos combustíveis fósseis, bem como a contaminação dos mares e das águas, do solo e do subsolo, ou seja, de toda a cadeia alimentar.”
Como mensagem final, Francisco Bethencourt observa que “É o caráter interligado e aberto dos diferentes direitos que vai certamente prevalecer no futuro, como suporte das mudanças necessárias para a redução das desigualdades e a afirmação da justiça social no seio de cada sociedade e entre sociedades.”
De leitura mais do que obrigatória.
Mário Beja Santos