“O mundo é grande. Delta ainda tem aqui espaço para crescer muito bem”

A ambição de Rui Miguel Nabeiro é clara. Colocar a Delta no top 10 das marcas de café a nível global. Com uma faturação de 570 milhões de euros em 2024, para lá chegar terá de crescer quatro vezes e meia. “É uma distância ainda considerável, mas, enfim, quando entrei na Delta, a Delta fazia […]

Abr 24, 2025 - 10:56
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“O mundo é grande. Delta ainda tem aqui espaço para crescer muito bem”

A ambição de Rui Miguel Nabeiro é clara. Colocar a Delta no top 10 das marcas de café a nível global. Com uma faturação de 570 milhões de euros em 2024, para lá chegar terá de crescer quatro vezes e meia. “É uma distância ainda considerável, mas, enfim, quando entrei na Delta, a Delta fazia 200 milhões. Estarmos hoje com 570 já é uma boa distância. O caminho faz-se caminhando e, sobretudo, com os pés muito bem assentes na terra, isso é outra das lições que aprendi com o meu avô”, diz em entrevista ao +M.

A estratégia passa por aumentar quota em Portugal e crescer no exterior, também por via de aquisições. Comprar uma empresa ano sim, ano não, está nos objetivos. “Hoje os mercados internacionais valem 35% do nosso negócio, mas terão que valer mais de 50% se queremos chegar ao top 10″, descreve o CEO.

A diversificação é outro dos pilares de crescimento, com a marca Delta House, lançada no último ano, a servir de umbrella a novos produtos. “Serve para nos posicionarmos no mercado como um distribuidor de produtos alimentares”, resume Rui Miguel Nabeiro. Snacks, cogumelos, gelados, bebidas achocolatadas, águas, cervejas, azeite e azeitonas são alguns dos exemplos de áreas nas quais o grupo já está presente. “As marcas e as empresas que não inovarem vão estagnar. E estagnar é a pior coisa que pode acontecer, porque normalmente estagnar quer dizer andar para trás. Como nós queremos andar para a frente, acredito que a inovação é de facto a forma de darmos esse passo”, aponta.

Na área core, o café, o aumento do preço é uma preocupação. “Sempre tivemos ciclos de aumentos de preço e redução de preço, este ciclo, espero que seja um ciclo, está a demorar mais tempo”, diz o responsável, que admite já estar a comprar café a “estes preços extremamente elevados”, o que “inevitavelmente” se vai refletir no preço de venda.

Com o lançamento do livro “O legado do meu avô — Lições de liderança e gestão”, como ponto de partida para a entrevista, o legado que Rui Miguel Nabeiro ambiciona deixar é também de bem-estar. Que a Delta seja vista sempre como uma empresa cujo seu propósito é provocar o bem-estar na comunidade. E a comunidade quer dizer os seus colaboradores, em primeiro lugar, mas logo a seguir toda a comunidade em que está envolvida“, aponta.

Diz no livro que ao escrevê-lo, e sem dar por isso, começou a projetar o futuro e o tipo de legado que pretende deixar enquanto líder. Qual é o legado que ambiciona deixar e como antecipa o futuro da Delta?

Tendo tido este mestre, o meu avô, alguém que se focou, por um lado na expansão do negócio, mas por outro em como é que o negócio afetava aqueles que estavam à sua volta, espero que o legado seja de bem-estar. Que a Delta seja vista sempre como uma empresa cujo seu propósito é provocar o bem-estar na comunidade. E a comunidade quer dizer os seus colaboradores, em primeiro lugar, mas logo a seguir toda a comunidade em que está envolvida.

Falo no livro um bocadinho dos stakeholders todos, e como o meu avô trabalhava muito bem todos eles. A forma como impactamos todos eles importa, não é? Não é só a forma como impactamos os nossos clientes, mas como impactamos os colaboradores, como impactamos a sociedade no geral.

Acho que esse é um legado importante, percebermos que a Delta continuará sempre a ser vista como uma marca, e neste caso uma empresa, cujo seu propósito é provocar o bem-estar daqueles que estão à sua volta. Não só porque energiza todos, porque vende café e café dá energia para as pessoas conseguirem ter uma boa performance, mas também porque provoca bem-estar no geral.

Agora, há um legado também económico, que eu digo muitas vezes e que faz parte daquilo que é a minha ambição pessoal e corporativa, que é colocar a Delta no top 10 das marcas de café a nível global.

Não vamos flutuar nunca, vamos sempre ter os pés assentes na terra, mas não vamos deixar de ter ambição, que é uma coisa muito importante. E a nossa ambição, e a visão que temos para a empresa, é chegar ao top 10 mundial.

Estão na 22ª posição.

Somos hoje a 22ª marca de café a nível global. A diferença daqui até ao décimo lugar é grande.

Registaram uma faturação de 570 milhões de euros em 2024, é assim? Quanto têm que crescer para alcançar esse objetivo?

Sim, exatamente. Quatro vezes e meia. É uma distância ainda considerável, mas, enfim, quando entrei na Delta, a Delta fazia 200 milhões. Estarmos hoje com 570 já é uma boa distância. O caminho faz-se caminhando e, sobretudo, com os pés muito bem assentes na terra, isso é outra das lições que aprendi com o meu avô. Não vamos flutuar nunca, vamos sempre ter os pés assentes na terra, mas não vamos deixar de ter ambição, que é uma coisa muito importante. E a nossa ambição, e a visão que temos para a empresa, é chegar ao top 10. Acho que é absolutamente possível.

No espaço de 15 anos?

Exatamente.

Rui Miguel Nabeiro, CEO do Grupo Nabeiro-Delta Cafés, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

Quais são as principais etapas para chegar lá? O que têm traçado?

Por um lado, para chegar a este volume de faturação, temos que trabalhar bastante e crescer organicamente. Portanto, ter mais clientes, em particular, obviamente, em mercados internacionais.

Estão em cerca de 40 mercados.

Sim. Diretamente estamos em Espanha, em França, no Luxemburgo, na Suíça, em Angola, no Brasil e também na China. Aí temos escritórios, onde controlamos esses mercados, nos outros temos parcerias. Mas, enfim, o mundo é grande e, portanto, ainda temos aqui espaço para crescer muito bem. Estes últimos dois anos foram muito bons em nível de crescimento. Em particular em Espanha, no ano passado tivemos um resultado muito bom, com um crescimento muito robusto.

Mas temos que fazer esse caminho. Em paralelo, inevitavelmente, temos que ir fazendo aquisições. Em 15 anos não é matematicamente possível crescer organicamente para chegar ao top 10 e, portanto, naturalmente temos que fazer algumas aquisições estratégicas que nos vão fazendo crescer.

No ano passado adquirimos um distribuidor na Suíça, duplicamos o nosso negócio na Suíça, e aqui a ideia é, talvez de dois em dois anos, fazer uma aquisição.

Então, este ano não. Para que mercado está a olhar, para a aquisição do próximo ano?

Este ano estamos tranquilos. Estamos a olhar para várias oportunidades, não temos nada concluído. Mas queremos, de facto, até ao final deste ano, tomar essa decisão.

Em 15 anos não é matematicamente possível crescer organicamente para chegar ao top 10 e, portanto, naturalmente temos que fazer algumas aquisições estratégicas que nos vão fazendo crescer.

Quanto representa o mercado externo, neste momento?

O mercado interno ainda tem um peso grande, porque de facto também temos crescido no mercado interno, as coisas vão-nos correndo bem, vamos melhorando. Tivemos o ano passado a melhor quota de sempre da da Delta em Portugal, o que também é um sinal importante. Portugal é o pilar mais importante que temos e continuarmos a crescer também faz parte desta equação.

Mas ainda têm muita margem para crescer em Portugal?

No ano passado tivemos a melhor quota de sempre no Horeca, com 42% — que já é uma quota muito interessante –, o que quer dizer que, no fundo, ainda temos quase 60% para crescer em Portugal, no canal Horeca. Na distribuição moderna a quota é mais pequena, temos mais ou menos 35%, então eu diria que há espaço para crescer.

Agora, naturalmente, a nossa grande ambição também é levar o melhor café do mundo ao mundo. Hoje os mercados internacionais valem 35% do nosso negócio, mas terão que valer mais de 50% do nosso negócio se queremos chegar ao top 10.

Inovação, mercados internacionais, sustentabilidade e diversificação são os quatro eixos nos quais se centra o crescimento. Que novidades pode avançar nestes quatro pilares?

Quer na diversificação, quer na inovação, que são coisas que andam muito em paralelo, vamos tentando atuar também em áreas um bocadinho diferentes. Nesse sentido, por exemplo, recentemente lançámos um produto que vem da nossa área de inovação, uma marca que é o Unboring Snacks. Entrámos no negócio dos snacks, com os snacks mais saudáveis, o desafio era como é que a alimentação mais saudável aliada a snacks pode ser interessante.

O Unboring é um produto de facto com um posicionamento diferente, vai para aquilo que seria o segmento típico da batata frita e do snack rápido, mas sem batata frita e sem ser frita, é uma alternativa mais saudável. E isto para lhe dar um exemplo de uma inovação que vem de dentro das nossas equipas, das nossas pessoas. Temos um modelo muito robusto de inovação, em que realmente os nossos colaboradores estão envolvidos, e isto foi um trabalho das nossas equipas internas e que também ajuda na diversificação. Isto para lhe dar um exemplo de um segmento novo que estamos a começar a atuar neste momento.

Hoje os mercados internacionais valem 35% do nosso negócio, mas terão que valer mais de 50% do nosso negócio se queremos chegar ao top 10.

Mas mesmo nas bebidas achocolatadas temos lançado chocolates, e neste sentido também estamos a lançar agora um conjunto de bebidas quentes alternativas, também via desta inovação. A inovação, de facto, acredito muito que é um driver de crescimento importante.

As marcas e as empresas que não inovarem vão estagnar. E estagnar é a pior coisa que pode acontecer, porque normalmente estagnar quer dizer andar para trás. Como nós queremos andar para a frente, acredito que a inovação é de facto a forma de darmos esse passo.

Eu sempre vi, e digo isso também no livro, do meu avô esta vontade de ser inovador e de fazer as coisas de uma forma diferente, trazendo valor acrescentado para os clientes e para os consumidores. É no que acredito e acho que é importante contagiar depois a empresa neste espírito, para que todos possam colaborar. Acredito muito mais que se todos quisermos podemos fazer mais, do que propriamente em ter um gabinete de inovação e ser ele o responsável pela inovação. Na Delta não funciona assim, eles são os responsáveis por provocarem o estímulo da inovação, mas a inovação vem de toda a gente.

E é mesmo transversal a toda a empresa?

É, sim senhor. Por exemplo, aqui nesta área dos snacks, tivemos a trabalhar pessoas que vieram da fábrica, com uma equipa de marketing e engenheiros. Portanto, um conjunto de pessoas de áreas diferentes, que não eram da área de inovação. Quem geriu o projeto não foi a equipa de inovação. É, de facto, importante que assim seja. Se tiveram a ideia, venham ajudar a implementar.

E isso é muito positivo e acho que também gera um nível de compromisso nas pessoas e de entusiasmo muito bom, que depois acaba por fazer com que, de facto, se sintam bem dentro desta empresa, porque sentem que estão a acrescentar valor e que todos os dias têm algo que é seu. Acho que não há coisa mais bonita do que sentirmos um projeto a ser lançado que fomos nós que trabalhamos e que o criámos. E é isso que tentamos provocar também, essa vontade das pessoas em fazer. Porque lhes damos, de facto, a oportunidade de fazer e de correr riscos. A empresa corre os riscos por eles. Obviamente somos nós que investimos o dinheiro, mas somos todos, porque a empresa serve para todos e é para todos que lá está.

Ainda no campo da inovação, apoiam também uma série de startups.

Sim. A inovação não pode ser só feita dentro de casa. Nós, muitas vezes, temos de estar abertos àquilo que está a ser feito lá fora. Os últimos anos foram pródigos a vermos startups comerem o negócio a grandes empresas. Termos esta abertura de podermos olhar para startups e perceber como é que elas podem acrescentar valor ao nosso negócio e trazer perspetivas diferentes e, obviamente, produtos novos é muito interessante.

Foi isso que fizemos na primeira de todas, que foi a Nãm, de cogumelos. Já estamos a pensar e a trabalhar para a terceira fábrica que vamos fazer. Basicamente, a Nãm usa a borra de café para fazer cogumelos e revender depois, quer no canal Horeca, quer em mercados. E esse é um projeto muito interessante, porque é um projeto de economia circular e apaixonou-nos imediatamente.

Mas logo a seguir investimos nas sodas Why Not, Investimos também numa empresa de software e, mais recentemente, na Swee, que é um sucesso já, dos gelados que têm menos de 60% de gorduras e calorias, e que têm uma taxa de crescimento muito interessante. Todas estas startups trazem-nos uma forma de olharmos para o mercado diferente, mas também nos trazem o caminho da diversificação, que falava há pouco, e acrescentam valor à nossa organização.

Todas estas startups trazem-nos uma forma de olharmos para o mercado diferente, mas também nos trazem o caminho da diversificação e acrescentam valor à nossa organização.

Como antecipa a Delta a 10 anos? Dez anos é muito tempo, mas as empresas familiares também se regem por ciclos mais longos.

No ano passado lançámos também uma nova marca, que se chama Delta House, que serve um bocado de umbrella para nos posicionarmos no mercado como um distribuidor de produtos alimentares.

Já distribuímos muitas marcas que não são nossas, mas fazemos estes investimentos em algumas startups que sejam interessantes, e algumas empresas que também achamos relevantes.

Adquirimos há três anos as águas do Alardo, somos também o distribuidor das águas de Monchique, distribuímos cervejas da AB Inbev em Portugal. Temos um portfólio alargado, como o azeite e a azeitona de Campo Maior, que nas mesas dos restaurantes estão presentes.

A Delta House aparece como uma marca, um bocadinho um umbrella para estas oportunidades em negócios que são complementares ao nosso.

Na verdade, sendo tipicamente um torrefator de café e uma marca de café, a nossa força de distribuição, quer no canal Horeca, o chamado on trade, ou no off trade, acaba por ser muito grande e tentamos colher esta oportunidade de aumentar o nosso portfólio.

Daí que um dos pilares de crescimento seja a diversificação, quer venha por via de inovação ou de oportunidades de distribuirmos produtos de outros que sejam interessantes para nós.

A Delta House aparece como uma marca, um bocadinho umbrella para estas oportunidades em negócios que são complementares ao nosso.

A marca que lançaram, Delta House, ainda deixa um mar de oportunidades em aberto.

Sim, sem dúvida.

Entretanto, no café, o vosso core, estamos a assistir a uma escalada de preço. Quais as consequências? Quando é que vai parar?

Eu gostava mesmo de saber onde é que isto vai parar. Pois, não sei. Tenho alguma dificuldade em entender todo este fenómeno, mas também há muitos fenómenos hoje que são exógenos a nós, que temos dificuldade em entender. Até nos tempos recentes, desafios como tarifas, não tarifas, enfim, tudo isto nos coloca hoje sob uma pressão muito grande. Sempre tivemos ciclos de aumentos de preço e redução de preço, este ciclo, espero que seja um ciclo, está a demorar mais tempo.

Parece mais estrutural do que conjuntural.

Sim, está a demorar mais tempo a retroceder. A minha expectativa inicial era que em 2025 já tivéssemos a ver um aumento da produção de café, mas infelizmente também temos um tema que é incontornável, que são as alterações climáticas, que vão impactando na produção, porque todos os anos ou há uma seca ou há uma cheia no Brasil, que arrasta café e que não permite que a produção seja tão grande.

Temos uma dependência muito grande do Brasil, que produz quase 60% da produção mundial de café, e isso obviamente impacta muito no preço da matéria-prima. Temos também aumentos de consumo, tem aumentado a nível global nos últimos anos e, lei básica da oferta e da procura, se a oferta reduziu e a procura continua a aumentar, os preços vão naturalmente subindo.

Agora, também sei que com preços destes torna-se muito atrativo entrar num negócio, portanto poderá ser possível que daqui a uns anos tenhamos mais café para poder consumir, é isso que eu espero. E que os preços normalizem, de alguma maneira. É fazer futurologia e eu não tenho muito jeito para isso.

Disse há uns meses que tinham stocks até junho.

Sim. Estamos já a começar a comprar café, neste momento, a estes preços extremamente elevados.

O que se vai refletir no preço?

É inevitável, nesta altura.

Sempre tivemos ciclos de aumentos de preço e redução de preço, este ciclo, espero que seja um ciclo, está a demorar mais tempo.

Voltando ao livro. A Delta é uma marca de rosto humano, escreve, e Rui Nabeiro “primeiro e mais autêntico RP da marca”. Como é que se lida com ser sucessor de uma pessoa tão carismática como o comendador Rui Nabeiro?

A primeira coisa que tenho que fazer é não me colocar nesse lugar de sucessor, acho que ninguém sucede ao Rui Nabeiro. O Rui Nabeiro é uma instituição, e eu gosto muito de dizer isto, mas é mesmo verdade. Não acho que seja justo para mim, o meu avô de facto era um… enfim, nem tenho muita facilidade em qualificar o meu avô, era uma figura incontornável, indiscutível e de facto uma vida de sacrifício e dedicação ao negócio e depois à sua região e também à sua comunidade. É uma figura que merece, acredito eu, o respeito de todos, pelo que conquistou. Colocar-me em bicos de pés ao lado… nunca conseguirei chegar à altura de um homem como ele. Até pela admiração que tenho por ele, é muito difícil.

Na liderança da empresa, tenho a sorte de não lhe suceder no sentido que terminou o seu período e começou o meu. Eu estive 20 anos a trabalhar ao lado do meu avô.

As cápsulas já foram desenvolvidas por si, há quase 20 anos.

Tive a oportunidade de pegar no negócio e de lançá-lo e, a partir daí, fui tendo um bocadinho mais responsabilidade. Acho que o meu avô e a família me atribuem formalmente este lugar, mas se lhe disser que as minhas funções e aquilo que eu faço no meu dia-a-dia não mudou, quer dizer que de facto eu já tinha muita responsabilidade, quando formalmente me foi passada esta pasta de CEO do grupo.

Para mim foi um motivo de orgulho terminar a 2024 com a Delta com a melhor quota de mercado de sempre. São momentos importantes, sabendo que o meu avô já cá não está, poder pensar que ele tem orgulho em darmos continuidade ao seu trabalho, àquilo que ele criou. Acho que é muito, muito, muito importante.

Delta é recorrentemente a marca com melhor reputação em Portugal. Aliás, falava de propósito, ainda a palavra não era buzzword…

Sem lhe chamarmos esse nome. Como também não falava em responsabilidade social e já o meu avô voava para Timor e fazia isso ali na sua comunidade. Não tínhamos nomes para as coisas, mas eu acredito que já se faziam.

Muito do sucesso da Delta vem daí, não?

Eu acredito que sim. Muitas vezes me perguntam se estar em Campo Maior é positivo ou negativo. Eu acho que é absolutamente positivo. O que a Delta é hoje, é também porque tem esta imagem de alguém que está muito envolvido na sua comunidade e que fez crescer a sua comunidade.

Mas nós também vivemos dessa comunidade. A comunidade também nos dá muito, dá-nos uma própria sustentabilidade na forma como gerimos, uma lealdade das pessoas para com a marca, o nível de compromisso e de engagement, que são muito, muito, muito importantes. Acredito que o facto de sermos de Campo Maior gera tudo isto. Naturalmente gerou que fôssemos a empresa que somos e só o somos porque somos de Campo Maior. Há ali uma simbiose que funciona muito bem.

Na internacionalização essa característica não é percecionada…

Em Espanha é. Toda a região da Estremadura sabe perfeitamente, mas mesmo se chegarmos até Madrid, as pessoas percepcionam aquilo que é a Delta. Não propriamente porque a Delta o que faz é em Campo Maior, mas porque de facto é uma empresa mais do interior, que acaba por ter um produto muito bom, o que é extremamente importante — temos o melhor café do mundo, associado, de facto, sempre a um serviço muito bom ao cliente, que isso é inegável.

Depois há este trabalho e esta ligação à comunidade, que é forte, e que hoje em dia é muito valorizada. É como começámos esta conversa, dizermos que aquilo que é o nosso propósito, aquilo que fazemos é provocar bem-estar e estarmos preocupados uns com os outros, é muito importante e, a pouco e pouco, é percecionado e acrescenta esse valor.

Eu dizer “somos autênticos e, de facto, estamos preocupados com o bem-estar’, não quer dizer nada. Na verdade, é ao longo do tempo irmos comprovando isso e sobretudo sermos consistentes.

Mas esse valor chega aos outros mercados? À Suíça, por exemplo?

À sua escala, naturalmente. Ainda estamos numa fase muito embrionária, mas a forma como fazemos as coisas é a mesma. Não temos uma forma diferente de trabalhar, de ter ligação às nossas pessoas, à comunidade. Obviamente a escala é diferente e estamos numa fase diferente e, portanto, há que dar tempo, porque estas coisas também aparecem tendo consistência.

Este tipo de imagem que se projeta, vem de sermos consistentes. Eu dizer “ah, mas somos autênticos e, de facto, estamos preocupados com o bem-estar”, não quer dizer nada. Na verdade, é ao longo do tempo irmos comprovando isso e sobretudo sermos consistentes. E acredito que esse tem sido o fator mais importante. Consistentemente a Delta faz as coisas desta maneira e trabalha desta maneira e isso sente-se um bocadinho nas pessoas.

Entretanto, para além da marca Delta, também o Rui Miguel é com frequência o gestor mais reconhecido do país. Tem quase 176 mil seguidores no LinkedIn, já é também uma “marca”. Como gere as redes?

Giro eu, na verdade, giro eu. Eu acho que isso é uma vantagem. Não tenho muito tempo para o fazer, mas a vantagem é que é feito com autenticidade e com espontaneidade, pensando que pode ser um conteúdo que é interessante e decidimos colocá-lo online. E essa autenticidade acaba, acredito eu, por ser uma vantagem. Mas não tenho nenhum segredo. Vou fazendo com essa espontaneidade de partilha de coisas que acho relevantes para os outros e não propriamente só para mim.

Há uns erros que custam muito dinheiro. Foi uma aprendizagem cara, mas que valeu a pena para hoje termos o Delta Q, que já vale 30% daquilo que é o nosso negócio e quase sempre metade daquilo que é o nosso crescimento.

Há pouco falávamos de assumir riscos e o erro também fará parte. Qual o maior erro que cometeu na gestão da Delta ao longo destes anos?

Cometi vários, acho que só consegui chegar a este lugar de responsabilidade porque, de facto, cometi erros, naturalmente. E acho que os continuo a cometer. Obviamente com a idade e com a experiência, acho que vamos cometendo menos, penso eu, mas o erro faz parte também do risco. Quando decidimos correr um risco, investir num projeto, fazer as coisas de forma diferente, muitas das vezes erramos e é importante depois termos a humildade e o discernimento de perceber, bom, não está a correr bem, vamos corrigir. Conto sempre a história das cápsulas, porque todos ouvimos o sucesso enorme que foram as cápsulas, a Delta Q em cinco anos liderava o mercado das cápsulas de café.

As cápsulas que já vêm de 2006.

Em 2006 lançámos um produto que eram umas pastilhas, uns pods, que era o Delta Gourmet. Nessa altura fiz o estudo de mercado e naturalmente que o consumidor dizia que não queria estar fechado a um sistema de cápsulas e máquinas que fosse fechado, era um tema importante para o consumidor, e eu achei ‘bom, isto vamos para um sistema open source’, que eram os pods. E foi um falhanço enorme. Investimos bastante dinheiro e não vendíamos absolutamente nada.

Nessa altura estava numa fase muito inicial da minha carreira e tive que ganhar coragem para, em seis meses, chegar ao meu avô e dizer “olha, errei, acho melhor nós abortarmos isto e pensarmos num projeto diferente”. Menciono este, porque foi muito difícil.

Agora com a minha idade e já com um histórico de sucessos é mais fácil assumir quando faço coisas erradas. Quando estava numa fase inicial foi muito difícil. Foi-me difícil porque já tínhamos investido muito dinheiro, mas eu penso que quando as coisas não nos correm bem, temos que assumir. Enfim, há uns erros que custam muito dinheiro, foi uma aprendizagem cara, mas que valeu a pena para hoje termos o Delta Q, que já vale 30% daquilo que é o nosso negócio e quase sempre metade daquilo que é o nosso crescimento.

Hoje podemos dizer que foi um sucesso, mas é um sucesso que vem de um erro. De um erro que foi assumido e foi corrigido.

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