Nem toda torcida é comunidade

Dias atrás, acompanhei uma discussão em um grupo que falava sobre como o engajamento venceu o entretenimento. De um lado, algumas pessoas defendiam que não importa mais o que está sendo contado, mas quem consegue mobilizar mais gente, ser mais atenta ao now moment e fazer mais barulho. Do outro lado citavam a dinâmica de realities com a torcida organizada, que ajudava a definir o rumo da narrativa de um programa. Isso me levou a... O post Nem toda torcida é comunidade apareceu primeiro em Meio e Mensagem - Marketing, Mídia e Comunicação.

Abr 17, 2025 - 17:28
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Nem toda torcida é comunidade

(Crédito: Reprodução/X)

Dias atrás, acompanhei uma discussão em um grupo que falava sobre como o engajamento venceu o entretenimento. De um lado, algumas pessoas defendiam que não importa mais o que está sendo contado, mas quem consegue mobilizar mais gente, ser mais atenta ao now moment e fazer mais barulho. Do outro lado citavam a dinâmica de realities com a torcida organizada, que ajudava a definir o rumo da narrativa de um programa. Isso me levou a pensar sobre como o pertencimento foi sendo engolido por uma lógica de competição constante e, mais ainda, sobre como estamos operando cultura, conteúdo e pertencimento em 2025.

Porque a lógica do “quem grita mais alto ganha” virou estratégia e pode, sim, funcionar e dar resultados. Mas, aqui, trago uma provocação além, sobre o pertencimento, que deveria ser o centro da cultura digital, e aos poucos foi sendo sequestrado por métricas de vaidade e gamefication. Quase como se uma coisa anulasse a outra. Quando o único objetivo vira performar, vencer, aparecer mais do que a outra marca, a gente perde o que há de mais valioso: o espaço comum. O lugar de troca, de construção, de escuta. A possibilidade de estar, e não apenas vencer. E sim, isso segue sendo um assunto de negócio.

A nossa indústria (de conteúdo, de influência, de branding, de comunicação) ainda tem tratado fandoms e comunidades como blocos coesos, quando na verdade são feitos de camadas, tensões e desejos bem diferentes. A pesquisa “A Era dos Fandoms”, feita pela Monks em parceria com a Float, mostrou que os fãs não são só consumidores. Eles são autores, curadores e expansores. Mas, enquanto isso, a indústria ainda opera como se estivesse vendendo para uma plateia silenciosa.

É curioso perceber que, ao mesmo tempo em que muitos setores tentam inflar relevância com barulho, o mundo do esporte, talvez um dos mais pautados pela lógica da performance, começa a puxar uma tendência oposta. Atletas como Russell Westbrook, com sua newsletter própria, ou os irmãos Kelce, que transformaram bastidores de NFL em um podcast de US$ 100 milhões, estão deixando claro que o que move o público não é apenas a vitória no placar, mas sim a história. O caos. A rotina. A vulnerabilidade. É a vida real. É a possibilidade de ver gente como a gente.

Segundo dados recentes, o conteúdo esportivo no YouTube cresceu 45% em 2024, com mais de 35 bilhões de horas assistidas. E o tipo de conteúdo que lidera? Bastidores. Histórias não roteirizadas. A conversa sem mediação. O que esse dado nos mostra é que pertencer, hoje, está mais relacionado a sentir do que a seguir. A se ver na história, e não apenas torcer por ela.

Por isso, quando falamos em cultura de fãs, não estamos falando só de quem comenta uma novela ou vota num reality. Estamos falando de quem sustenta a narrativa com afeto, contradição e presença. De quem vive aquela experiência como extensão de identidade. E, talvez até mais importante, de quem deseja cocriar, e não só consumir.

O mercado, em busca de agilidade e escala, caiu na armadilha de tratar tudo como UGC (user generated content), esperando que a mágica venha da audiência enquanto se mantém no papel de distribuidor. Mas cocriar de verdade exige abrir mão do controle. Exige escuta. Exige tempo. E tudo isso é difícil num mundo pautado por cronogramas, sprints e KPIs que precisam performar bem em reunião, mas nem sempre mostram a verdade por trás deles.

Não é sobre abandonar as métricas, nem ignorar o engajamento. Com certeza não é sobre isso. Mas, sim, sobre também reconhecer que nem todo dado representa relevância cultural. Que nem todo volume significa vínculo. E que um post que emociona de verdade, às vezes, vale mais do que 1 milhão de impressões vazias. O público não quer mais ser impactado, quer ser incluído. E, para incluir, não basta pensar só em buzz. É preciso pensar com mais profundidade, em espaço, em cadência, em respeito pelas diferentes camadas que compõem uma comunidade.

Acompanhei de perto os debates sobre descentralização e pertencimento que surgiram com a Web 3.0. E embora muita coisa tenha sido tragada pelo hype, uma ideia continua me atravessando até hoje: o valor não está só no alcance, mas no espaço que criamos para que as pessoas queiram continuar por perto, mesmo quando o assunto esfria. É aí que precisamos pensar em construir estratégias que sustentam a presença quando o assunto cai num hiato e não está mais nas trends ou nos holofotes.

Isso vale para criadores, vale para plataformas e, sobretudo, vale para marcas. Porque se existe um poder real nelas, é o de sustentar ambientes em que diferentes vozes possam coexistir. Espaços que não dependem só da viralização, mas da manutenção de vínculos reais ao longo do tempo.

Porque o que constrói vínculo não é a constância da performance, é a qualidade da escuta.

E no fim, talvez seja isso: saber quando falar, quando ouvir e, principalmente, quando segurar o espaço para que outras vozes também possam entrar.

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