Segurança e Defesa e os Serviços de Informações portugueses
É com grande satisfação que encerro este oportuno e relevante ciclo de conferências dedicado ao Relatório Draghi. O relatório, com clareza e ambição, exorta a Europa – e Portugal, naturalmente – a repensar o seu modelo económico e estratégico face aos desafios do nosso tempo. Ao longo destas conferências, assistiu-se a um debate estruturado sobre […]


É com grande satisfação que encerro este oportuno e relevante ciclo de conferências dedicado ao Relatório Draghi. O relatório, com clareza e ambição, exorta a Europa – e Portugal, naturalmente – a repensar o seu modelo económico e estratégico face aos desafios do nosso tempo. Ao longo destas conferências, assistiu-se a um debate estruturado sobre três eixos fundamentais para a concretização dos objetivos que presidiram ao Relatório: a Inovação e Competitividade, a Indústria Verde e, esta manhã [de quinta-feira, 17 de abril], a Segurança e Defesa.
Estes debates surgem num momento particularmente crítico da história europeia.
A crescente fragmentação e imprevisibilidade geopolíticas, o realinhamento das cadeias de valor globais, os avanços tecnológicos trepidantes e as tensões que se agudizam em várias regiões do Mundo impõem-nos uma resposta à altura dos nossos valores e ambições.
Neste contexto, discutir inovação, sustentabilidade industrial e segurança deixou de ser apenas mero exercício académico ou intelectual: Tornou-se um imperativo coletivo, cívico e de Estado. Iniciativas como esta são instrumentais para fomentar essa reflexão estratégica e inspirar propostas concretas de ação. Ao reunirem decisores, especialistas e representantes de vários setores, criam espaços para convergência de ideias e visões sobre o futuro da Europa e de Portugal.
Hoje, talvez mais do que nunca desde o fim da 2ª Guerra Mundial, precisamos dessa unidade de propósito. Foi por isso que aceitei este convite, esperando modestamente contribuir para o debate. E gostaria de aproveitar também para trazer – de forma discreta e prudente, como a natureza do cargo me impõe – a perspetiva dos Serviços de Informações, que tenho a honra de coordenar e superintender.
Esta agudização das tensões latentes no nosso ambiente socioeconómico e geopolítico não é recente. Evocando as últimas décadas, identificamos momentos marcantes como o 11 de setembro ou as Primaveras Árabes; As crises das bolsas e da dívida pública; a pandemia ou a ocupação da Crimeia.
Todavia, temos de reconhecer que a consciencialização coletiva – das sociedades civis europeias e, em alguns casos, até dos seus dirigentes políticos – das ameaças que impendem sobre o sistema internacional e o modo de vida que damos por adquiridos foi brutalmente despertada em fevereiro de 2022. A ameaça russa materializou-se então numa agressão militar sem precedentes na história europeia contemporânea.
E desde então, não tem dado sinais de abrandamento: nem nos ataques a alvos civis e militares – como assistimos aliás, tragicamente, nos últimos dias –, nem no abandono dos argumentos que pretendem justificar as suas pretensões territoriais e provocações à NATO e à União Europeia.
Independentemente do que venha a suceder, há uma preocupação transversal aos diversos fora em que o futuro do conflito tem sido debatido – em particular quando refletimos na natureza do regime de Moscovo e na visão do seu líder: a de que a perpetuação do conflito leve à exaustão do povo e das forças ucranianas. Ou até que, terminada esta guerra, outra venha a ser lançada, por mão mais ou menos visível, porventura até contra um Estado-Membro da NATO. A par destes cenários, não podemos esquecer outros desafios paralelos, que têm tornado mais premente a necessidade de reinvestir na nossa defesa e segurança coletivas.
Independentemente do que venha a suceder, há uma preocupação transversal aos diversos fora em que o futuro do conflito tem sido debatido – em particular quando refletimos na natureza do regime de Moscovo e na visão do seu líder: a de que a perpetuação do conflito leve à exaustão do povo e das forças ucranianas. Ou até que, terminada esta guerra, outra venha a ser lançada, por mão mais ou menos visível, porventura até contra um Estado-Membro da NATO.
A par destes cenários, não podemos esquecer outros desafios paralelos, que têm tornado mais premente a necessidade de reinvestir na nossa defesa e segurança coletivas.
Entre estes destacaria – apesar de serem menos visíveis aos olhos das opiniões públicas –, a intensificação de múltiplos focos de ameaça, de diversas naturezas, que encontram por exemplo nos meios digitais campo fértil para se enraizarem e desenvolverem. Da sabotagem à desinformação, passando pelos ataques cibernéticos, estes e outros têm tido um impacto feroz nas sociedades civis europeias.
A incerteza que aportam adensa as preocupações dos decisores políticos, e traz à luz do dia fragilidades e lacunas na preparação coletiva para um agravamento da conjuntura geopolítica.
É vital colocar o foco nas dimensões mentais e anímicas das sociedades europeias, diversas entre si, mas unidas por um desejo de preservação do ambiente de paz a tanto custo conquistado em 1945.
A preparação militar e civil tem vindo e deve continuar a ser um tema de reflexão prioritária. Temos de encarar – sem alarmismo, mas com seriedade – a necessidade de nos prepararmos para crises várias. Ou até mesmo para cenários – por hipotéticos que por vezes pareçam – de eventuais conflitos alargados na Europa.
Em Portugal, não podemos ficar arredados desta reflexão. Vários países europeus e a própria União Europeia sublinharam já a urgência em fazer este percurso: é necessário investir e capacitar meios humanos, economias e instituições. No fundo, urge criar condições para que nos apresentemos ao Mundo com capacidades credíveis, suficientemente dissuasoras, preventivas e defensivas face a eventuais agravamentos do quadro de ameaças.
Muitas discussões são, compreensivelmente, moldadas pela experiência da guerra na Ucrânia. Mas considerando a volatilidade do ambiente internacional e a voragem do desenvolvimento tecnológico, a adaptabilidade e a flexibilidade devem ser marcas-de-água incontornáveis dos nossos planos.
Em Portugal, não podemos ficar arredados desta reflexão. Vários países europeus e a própria União Europeia sublinharam já a urgência em fazer este percurso: é necessário investir e capacitar meios humanos, economias e instituições. No fundo, urge criar condições para que nos apresentemos ao Mundo com capacidades credíveis, suficientemente dissuasoras, preventivas e defensivas face a eventuais agravamentos do quadro de ameaças. Muitas discussões são, compreensivelmente, moldadas pela experiência da guerra na Ucrânia. Mas considerando a volatilidade do ambiente internacional e a voragem do desenvolvimento tecnológico, a adaptabilidade e a flexibilidade devem ser marcas-de-água incontornáveis dos nossos planos.
A par do Relatório Draghi, gostaria de referir outro importante contributo para estas nossas reflexões: o Relatório Niinistö, de outubro 2024. Este documento procura avaliar os desafios complexos que a UE e os seus Estados-Membros enfrentam, e apresenta recomendações para reforçar a nossa preparação e prontidão civil e militar. Entre as vias mais debatidas para concretizar esta mobilização estratégica têm sido apontadas:
- A revisão das doutrinas militares, com um reforço das capacidades e da sua coordenação;
- A transformação industrial, com a criação de novos nichos empresariais no setor da defesa, estribados quer em indústrias de base revitalizadas, quer em setores de ponta com elevada incorporação tecnológica;
- A preparação da sociedade civil, com medidas de formação e sensibilização, e a criação e reforço de infraestruturas físicas, regimes legais e instituições mais adaptadas e resilientes.
A União Europeia tem procurado consagrar uma visão holística face às ameaças e perigos com origem em atores estatais e não estatais, agregando as vertentes da defesa, segurança e proteção civil, em prol de uma resposta eficiente e conjunta a eventuais crises. Assim, apresentou já um pacote de estratégias e medidas, algumas delas fortemente influenciadas pelo Relatório Niinistö.
Destacaria o Livro Branco da Defesa, publicado em março deste ano e já aqui abordado, à semelhança de outras iniciativas que visam financiar o investimento no setor.
No quadro da Estratégia de Preparação para a UE, foi ainda aventado um leque de medidas em sete áreas, incluindo a resiliência das principais funções da sociedade, a preparação da população, a cooperação público-privada, a coordenação da resposta a crises, e as parcerias externas.
O sucesso destas iniciativas europeias, e de outras semelhantes a nível estadual, depende em grande medida de dois fatores:
- A sua aceitação e interiorização pela população;
- A capacidade dos Estados se comprometerem numa estratégia comum.
Estando perante, pelo menos, uma mudança de mentalidade – talvez mesmo de paradigma –, é imperativo compreender as nossas sociedades e sensibilizá-las para a premência e urgência destes temas.
As populações são o cerne e agente incontornável de qualquer mudança. E num regime democrático como o nosso, são a voz que potencia essa mudança, e que legitima as novas políticas. É assim evidente que temos de comunicar mais e melhor.
Temos de ser mais transparentes e claros no diálogo com a sociedade civil. Temos de empregar linguagem compreensível sobre os riscos e as responsabilidades dos nossos concidadãos. Porque o esforço em prol da resiliência nacional a todos envolve, e de todos exige um contributo. E como em tantos outros campos, devemos rejeitar estratégias demasiado prescritivas e uniformes: cada país terá de adaptar a sua abordagem à sua condição geográfica, histórica e cultural.
Permitam-me, em primeiro lugar, deixar-vos uma garantia e um compromisso firme: a ação dos nossos Serviços é sempre conduzida no pleno respeito pela Constituição e pelos valores que a enformam. Feita esta ressalva, deixaria alguns apontamentos sobre a sua missão neste contexto desafiante.
Feito este percurso, qual deve ser então o papel dos Serviços de Informações Portugueses neste esforço coletivo?
Permitam-me, em primeiro lugar, deixar-vos uma garantia e um compromisso firme: a ação dos nossos Serviços é sempre conduzida no pleno respeito pela Constituição e pelos valores que a enformam. Feita esta ressalva, deixaria alguns apontamentos sobre a sua missão neste contexto desafiante.
Logo à partida, cabe à Intelligence compreender o contexto global que nos rodeia e a forma como interage, condiciona e afeta o entorno nacional.
Esta dimensão de recolha, análise e difusão de Informações é instrumental para sustentar a decisão política. E ela é tão mais complexa e exigente quanto mais se adensa a trama da complexidade e interdependência internacional, das cadeias de valor ao abastecimento energético, do ciberespaço à evolução nos conflitos convencionais.
Para tal – e digo-o com particular orgulho – contamos com mulheres e homens singularmente especializados e empenhados. Partindo de uma formação cuidada e abrangente, e louvando-se de uma larga experiência, individual e institucional, são reconhecidos pelos seus pares, sejam eles parceiros ou adversários.
Estas mulheres e homens dos Serviços de Informações têm-se mostrado capazes de ler esses momentos críticos na nossa vida comum, de captar os sinais que integram ameaças já delineadas e atores conhecidos, e de antever os que se vislumbram no horizonte.
Com o aumento da competição geopolítica e a diversificação de campos de contenda, é expectável que as ameaças de espionagem – política, militar, cientifico-tecnológica – se multipliquem.
Devemos esperar, também, que se adensem os desafios à segurança económica nacional, sejam eles orquestrados por terceiros, mero fruto das dinâmicas internacionais, ou até dos efeitos das alterações climáticas. É assim vital sinalizar e detetar atempadamente, prevenir ou auxiliar na mitigação dessas ações, verdadeiras ameaças à segurança nacional.
Mas não podemos esquecer a deteção e prevenção das complexas ações de sabotagem, que habilmente dissimulam a sua origem, que recorrem a atores menos habituais, mas que não raramente têm uma “mão orientadora” da parte de Estados terceiros hostis.
Portugal, nesse plano, deve prestar especial atenção – e felizmente esse debate tem-se vindo a alargar, inclusive no espaço público – à proteção das suas infraestruturas críticas. Estas, aliás, são instrumentais não apenas para a nossa economia e segurança no sentido mais lato, mas também amiúde para a de muitos dos nossos Aliados e parceiros, fruto do nosso posicionamento geográfico privilegiado.
Portugal, nesse plano, deve prestar especial atenção – e felizmente esse debate tem-se vindo a alargar, inclusive no espaço público – à proteção das suas infraestruturas críticas. Estas, aliás, são instrumentais não apenas para a nossa economia e segurança no sentido mais lato, mas também amiúde para a de muitos dos nossos Aliados e parceiros, fruto do nosso posicionamento geográfico privilegiado.
Os Serviços de Informações, em parceria com as demais forças de segurança, entidades e autoridades nacionais, têm também desenvolvido esforços na deteção de narrativas de desinformação. Estas procuram confundir a opinião pública e dividir a sociedade, recorrendo a uma multiplicidade de agentes e vias.
Invoco a expressão parceria para recordar que não nos movemos numa bolha, não agimos em circuito fechado. Os Serviços de Informações encontram nos mais diversos organismos públicos – e queria destacar aqui o Ministério da Defesa e as Forças Armadas -, mas também numa pluralidade de entidades privadas, do tecido económico à sociedade civil em geral, parceiros privilegiados na condução da sua missão, numa relação de confiança mútua que deve ser preservada e aprofundada.
Creio que os decisores políticos nacionais apreciam e reconhecem de modo cada vez mais agudo a importância e a qualidade deste labor. Mas nunca seremos complacentes, nem descuraremos a confiança que em nós – nestas mulheres e homens do SIRP – têm vindo a depositar.
Finalmente, numa ação mais visível, os Serviços de Informações – à semelhança do que aqui procurei fazer – têm, de igual modo, um papel na sensibilização da sociedade portuguesa, de indivíduos e instituições. Comunicando, informando, tentando traduzir de modo mais simples a complexidade do mundo que nos rodeia.
A minha intervenção de hoje não pretende alarmar ou despertar frenesins injustificados. Pretende sim, estribada no trabalho dedicado das mulheres e homens que nos Serviços de Informações todos os dias protegem a nossa segurança coletiva, despertar consciências e dar visibilidade a temas que serão críticos para o nosso futuro e prosperidade.
Espero ter para tal contribuído, saudando uma vez mais o ECO por, ao promover este ciclo de conferências, prestar também esse serviço à nossa comunidade, ao nosso país.
* Este texto de opinião resulta da intervenção do secretário-geral do Sistema de Informação da República Portuguesa no encerramento da conferência ECO.