Fernando Ruas, “um fã das rotundas” que caminha sete quilómetros numa hora
Oficial Ranger no pré-25 de abril, Fernando Ruas, corredor de fundo na vida autárquica, diz-nos, sem hesitação e com boa disposição, que gosta da alcunha Fernando Rotundas que lhe deram após uma obra intensa a plantar estes elementos de regulação de trânsito ao longo das avenidas que levam ao centro de Viseu. Aponta mesmo o […]


Oficial Ranger no pré-25 de abril, Fernando Ruas, corredor de fundo na vida autárquica, diz-nos, sem hesitação e com boa disposição, que gosta da alcunha Fernando Rotundas que lhe deram após uma obra intensa a plantar estes elementos de regulação de trânsito ao longo das avenidas que levam ao centro de Viseu. Aponta mesmo o caso de um futebolista estrangeiro que as usava como uma espécie de ‘sistema de navegação’.
Na entrevista ao ECO/Local Online, feita nos paços do concelho após contornarmos uma boa dezena delas, diz mesmo: “Contra a minha vontade estamos a perder esse campeonato”. Recusando ligar a idade ao desempenho, também não embarca no discurso de que, na política, ‘antes é que era’.
Apesar de considerar ter havido “outras condições de respeitabilidade” no passado, na política, também aponta as comparações como um lugar comum. Um exercício semelhante a comparar Eusébio da Silva Ferreira com jogadores da atualidade, diz. Apesar do vencimento inferior ao que poderia estar a receber de pensão de reforma, mantém-se apaixonado pela cidade que recusou trocar por uma outra mais a sul, apesar do convite que lhe foi endereçado para ser ali candidato. Ele, Fernando Ruas, que chegou à política vindo “de uma aldeia atrás do milho”.
Chegou a autarca com 40 anos, em 1989. Mantém-se em forma?
Comecei em [19]90. Dantes, as eleições eram em dezembro. Comecei a minha atuação autárquica a 6 de janeiro de 1990.
E já lá vão 35 anos de autarca em Viseu, com alguns anos noutras paragens.
Com interregno. Por limitação de mandatos, de 2013 a 2021. Em 2014 fui para o Parlamento Europeu, e em 2019 para a Assembleia da República.
Dá-me um grande gozo. Aliás, eu agradeço aos meus padrinhos no Expresso, quando me chamaram Fernando Rotundas. Não tenho problema com isso, antes pelo contrário. Tenho pena até de estar a perder esse campeonato, embora haja um campeonato que eu não perco. As nossas rotundas são de qualidade.
Viveu o auge dos fundos comunitários nas duas maiorias de Cavaco Silva e agora com o PRR. Para chegarmos aqui à câmara, o sistema de navegação quase se cansa de dizer “na próxima rotunda, vire…”. Hoje voltaria a fazer de Viseu a capital das rotundas?
Deixe-me dizer-lhe que contra a minha vontade estamos a perder esse campeonato. Se me explicarem se há alguma forma mais correta e mais barata de regularizar o trânsito do que uma rotunda…
Mas já foi o suficiente para lhe ficar colado à pele de autarca.
Dá-me um grande gozo. Aliás, eu agradeço aos meus padrinhos no Expresso, quando me chamaram Fernando Rotundas. Não tenho problema com isso, antes pelo contrário. Tenho pena até de estar a perder esse campeonato, embora haja um campeonato que não perco. As nossas rotundas são de qualidade.
Mas sabe quando é que demos o maior incremento às rotundas? Eu estava uma vez a fazer um cruzamento na parte da parte norte da cidade, e tinha cá uma embaixada da Coreia do Sul. Vinha lá um indivíduo que eu nem sabia que era especialista em transportes, e aperceberam-se de que nós estávamos a definir o cruzamento.
Esse especialista, por incumbência do embaixador, diz-me “quando uma estrada não chega, faço outra, quando o cruzamento não der resultado, semaforiza-se, quando não der resultado, faz-se uma rotunda, quando não chegar semaforiza-se a rotunda. Só no fim se pensa em passagens desniveladas.
Um jovem jogador de futebol, presumo que aqui do Académico, mal falava português e dizia que a melhor coisa que tinha eram as rotundas, sabia sempre, mesmo que se perdesse na primeira, na seguinte sabia qual era o caminho para o centro. As rotundas, para além de serem um elemento regularizador do trânsito, são também um elemento de decoração da cidade. As nossas estão extremamente bem cuidadas. Eu sou um fã das rotundas. Em termos de graça, fizeram um bolo chamado rotundinha. Nós convivemos muito bem com essa história das rotundas.
Nos Estados Unidos, a propósito de Joe Biden, falou-se na questão da idade. No seu caso, se se recandidatar a Viseu e vencer as eleições, terá 80 anos em 2029. Pode ser um entrave pelo físico, ou uma mais-valia pela experiência?
Sabe o que eu acho? É que é preciso ver a idade cronológica e a idade física. Eu comparo isto com os carros, conheço carros novos que estão na sucata por não os tratarem, e antigos que estão bem tratados. Eu, quando me levanto, às 6h30, faço sete quilómetros numa hora. Faço isso regularmente, não me sinto cansado.
No verão, na rua, na ecopista. Com o motorista e adjunto, que são as pessoas que me fazem companhia. No inverno tenho uma passadeira que me custou os olhos da cara. E é entre as 6h30 e vir para a câmara. Entro sempre na câmara antes das 9 horas, toda a gente sabe disso.
Depois ponho noutro prato da balança: eu não andei a desperdiçar conhecimentos. Se assim fosse, era muito mais fácil. O indivíduo com 50 anos estava à frente do 51, e por aí fora. Só que a vida não é assim. O Ronaldo é titular absoluto, tem já mais do dobro da idade de alguns companheiros que são suplentes dele. Então digo que cada caso é um caso. Não me preocupa nada disso.
Na política, corre por prazer?
Nem sei se isto é suficientemente importante para, digamos, que se fique com alguma impressão a meu respeito: estou neste momento na câmara a pagar 1.100 euros por mês. Isto é, ganho menos 1.100 euros do que a minha forma. É evidente que as despesas de representação compensam isso.
Portanto, estou aqui porque acho que sou útil a este concelho, tenho-lhe um amor umbilical. Eu – uma outra coisa que também que me deixa muito solto – não tenho ninguém a montante da minha geração, nem a jusante que esteja na política. Não sou filho de políticos e não tenho ninguém, meu filho, na política, sou só eu. A minha mulher também não liga.
Eu estou de forma liberta. Sou deste concelho, tenho um amor enorme a este concelho – a esta cidade então, é quase doentio. Enquanto as pessoas acharem, e eu achar também, que sou útil, estarei aqui de cabeça levantada. Vim de uma aldeia atrás do milho, das batatas, sei lá… Quando eu cheguei à câmara a primeira vez, seguramente na altura ainda se pensava que o presidente da câmara tinha de ser filho do presidente da câmara ou alguém da família.
eu estou aqui porque acho que sou útil a este concelho, tenho-lhe um amor umbilical. Eu não tenho ninguém a montante da minha geração, nem a jusante que esteja na política. Não sou filho de políticos e não tenho ninguém, meu filho, na política, sou só eu. A minha mulher também não liga.
Sente que tem estado à altura da missão que os eleitores lhe confiam há 35 anos?
Fiz um livro por cada mandato, onde está tudo aquilo que fiz e disse num mandato, está lá tudo. Aquilo para um cidadão ler, era uma maçada, só com insónias. Mas é ótimo para fazer história, para um historiador, porque está ali tudo, asneiras que eu fiz também, se calhar, mas está lá tudo o que eu fiz.
No primeiro livro tenho o pensamento de um homem que fundou a Livraria do Trabalho, que era um senhor francês, Marcel Hasfeld, e disse uma coisa que me marcou: “Procurei fazer bem aquilo que outros poderiam ter feito melhor, mas não fizeram”. Este é um pensamento que me conduz.
Se calhar há muita gente que tinha outras potencialidades para fazer melhor que eu… mas não apareceram. Enquanto achar que sou útil à sociedade e a esta sociedade de Viseu… outra novidade: quando saí por limitação de mandatos, não faz ideia de quantas embaixadas eu tive para ser candidato a outras câmaras, nomeadamente à câmara que eu mais gostaria de gerir.
Que era?
Mais para sul, uma câmara de uma cidade mais importante que Viseu (sorriso).
Coimbra?
Não fui eu que disse. E gente que propriamente não era do meu partido. Aquilo que disse foi: eu não era capaz de gerir essa cidade, que gosto muito, é a minha segunda cidade, quando não me deixaram por razões que não compreendo ser gestor na minha terra. Eu, um dia, havia de estar num gabinete e pensar “por que estou aqui e não na minha cidade?” Era capaz de bater com a porta e vir-me embora. Já depois disso voltei a ser convidado, a mais alto nível.
À pessoa que me convidou, cujo nome vou omitir, mas era extremamente influente e importante e com capacidade de decisão, disse-lhe “leia só aquilo que eu disse na altura aquando da limitação de mandatos”. A pessoa telefonou-me e disse só: “Fique descansado que não o torno a abordar”.
Muita gente quer isto a todo o preço. Enquanto as pessoas acharem que sou útil, cá estarei. Não me deixo é condicionar pela idade (sorriso). O Trump tem mais quatro anos que eu, o Biden também já tinha.
Chegou à política com 40 anos. O que o moveu?
Eu fui convidado para ser candidato à Assembleia Municipal. E foi convidada uma individualidade para ser candidato à Câmara. Sou licenciado em Economia, o outro candidato era licenciado em Direito e a determinada altura ele abordou-me e disse “nós estamos trocados”. E vi logo que ele já não ia lá. E assim foi.
Eu era o único que já tinha relações partidárias, tinha sido já presidente da Comissão Política, e fiquei com o menino nos braços. Eu só tinha vindo à câmara tirar licença de bicicleta.
Como vi que de facto a pessoa em causa não estava disponível, pus como condição uma individualidade que era um dos meus faróis, o engenheiro Coelho de Araújo, que foi governador civil, foi presidente da Câmara, foi deputado e fiz questão de perguntar se ele me acompanhava.
E foi quando dei o meu sim ao PSD, com muita gente a pensar que era para perder. Mal ele disse que sim, que me acompanhava, eu pus mãos à obra. Foi por isso, por ter relações partidárias mais fortes do que o candidato, se não possivelmente não estaria aqui.
Qual é a sua opinião em relação a uma observação, não sei se lhe posso chamar um tema, mas uma observação, a partir do que vemos na Assembleia da República, de que hoje não temos políticos com a qualidade que tínhamos.
Mas vai-se dizer sempre assim. Daqui por uns anos vai-se dizer a mesma coisa. Isso é cíclico. Quantos anos andámos a falar nos Descobrimentos? No outro dia ouvi um colega seu fazer umas observações que achei na mouche. Dizia, se por acaso a capacidade de escrutínio, anteriormente, fosse igual, ou tão intensa como agora, possivelmente alguns políticos que nós temos no pedestal, e bem, eram capaz de ter alguns problemas.
Há coisas que neste momento são feitas que aqui há alguns anos não seria possível. As pessoas tinham respeito grande. Eu já vi diálogos com o Presidente da República que não eram possíveis com o general Ramalho Eanes, com o professor Cavaco Silva, com o doutor Mário Soares. As pessoas tinham altíssima consideração, olhavam para eles como símbolos.
Um exercício: Mário Soares vs Pedro Nuno Santos, Aníbal Cavaco Silva vs Luís Montenegro, Álvaro Cunhal vs Paulo Raimundo, Francisco Lucas Pires vs Nuno Melo…
Nós também vamos buscar… também era fácil fazer isso num clube de futebol. Eusébio com…
Esteve no Parlamento português na legislatura em que o Chega tem a primeira eleição de um deputado. Quando olha para trás, vê paralelo no que se vive por estes tempos e no que existia há 35 em São Bento?
Mas era gente que tinha outras condições até de respeitabilidade. Havia coisas que os políticos antigamente faziam, gente que a gente respeita, e que eram ouvidos. Há coisas que neste momento são feitas que aqui há alguns anos não seria possível. As pessoas tinham respeito grande.
Eu já vi diálogos com o Presidente da República que não eram possíveis com o general Ramalho Eanes, com o professor Cavaco Silva, com o doutor Mário Soares. As pessoas tinham altíssima consideração, olhavam para eles como símbolos.
E no seu caso, está há mais de duas décadas na câmara, sai por oito anos e regressa em 2021 para reconquistar a câmara com mais votos que antes. Acha-se um símbolo?
Não foi ao nível que tinha tido antes. Foi menos. Já tive votações de em nove, 7-2. Também comecei com 4-3-2, câmara minoritária. A partir daí [1989], nunca mais estive em minorias. Nalguns casos, é previsível. Estive oito anos fora e foi, se calhar, o suficiente para uma nova geração não me conhecer e não saber a responsabilidade que eu tenho no crescimento desta terra.
Na sua ótica, qual o papel das “jotas” partidárias?
Nunca fui da “jota” [juventude partidária], e tinha idade para isso quando me inscrevi no PSD. Agora, há uma coisa que sei: conheci e conheço elementos das juventudes partidárias que são extremamente válidos. Não sei se muitos, como se diz, querem emprego fácil, também é possível que haja isso. Agora, as juventudes partidárias são uma escola de valores, depois há uns que aprendem melhor na escola. Tenho, dos jovens que conheço melhor, os do meu partido, uma excelente impressão.
Gente que se prepara convenientemente. E depois também é natural que um indivíduo que conviva e que se dedique a um partido, que queira ter oportunidade de exercer alguma coisa nesse partido, na gestão pública. Isso é como um que anda na faculdade e depois quer um emprego. Também é a possibilidade dos decisores terem um alfobre onde podem escolher.
Possivelmente, há muita gente, conheço alguns, gente que foi convidada para chefe de gabinete, para assessor, porque mostraram qualidade. Conheço alguns jovens daqui que foram para o Governo como assessores que eram bons valores. Pode haver algum que seja por influência, a tal cunha, mas de forma geral penso que não.
Porque entrou no PSD, em 1983?
Por causa de uma pessoa que depois acabou por aderir ao PS, e por várias pessoas, por causa da Ala Liberal. Foi muito por um livro que li do Miller Guerra. Naturalmente, eu e a maior parte dos portugueses tínhamos grande admiração pelas pessoas da Ala Liberal, Sá Carneiro, Magalhães Mota e pelo Miller Guerra.
Nessa altura, tinha concluído a tropa. As figuras notáveis do 25 de abril passaram-me pela mão, ou eu passei-lhes pela mão. Estive na Escola Prática, como oficial ranger, até dois meses antes do 25 de abril.
Onde estava no 25 de abril?
Em Coimbra, a fazer o meu curso. Não tive dúvida nenhuma em optar por um partido moderado, na altura optei pelo PPD. Sem nenhuma dúvida.