Corrupção nas câmaras? “Nunca reuni com nenhum loteador e não foi por isso que Viseu deixou de se desenvolver”
Viseu saltitou entre CDS e PSD até à chegada de Fernando Ruas à presidência a 6 de janeiro de 1990. Hoje o município é conhecido como o “Cavaquistão” – porque no distrito as maiorias de Cavaco Silva tinham mais força que a corrente do Dão – e continua “laranja”. Nos últimos 35 anos, só por […]


Viseu saltitou entre CDS e PSD até à chegada de Fernando Ruas à presidência a 6 de janeiro de 1990. Hoje o município é conhecido como o “Cavaquistão” – porque no distrito as maiorias de Cavaco Silva tinham mais força que a corrente do Dão – e continua “laranja”.
Nos últimos 35 anos, só por oito esteve fora da câmara, empurrado pela lei de limitação de mandatos. Confesso opositor dessa obrigação, diz que vive bem com ela, mas questiona por que razão o presidente de câmara com 12 anos não se pode recandidatar, mas um deputado da República pode.
“O trabalho autárquico é de planificação, e até para 12 anos é complicado”, afiança um dos mais longevos autarcas de Portugal ~em entrevista ao ECO/Local Online. “Eu, sem nenhum problema com a limitação – recebi-a de forma natural –, percebo que ela é muito dedicada aos presidentes de câmara. Porque é que não se fez com os deputados? Porque é que não se fez com os vereadores? Eles não têm limitação”.
A dias das legislativas, Fernando Ruas, que chegou a São Bento aquando do segundo Governo de António Costa, que não chegaria ao final da legislatura, diz que “a estabilidade é fundamental e é fundamental numa autarquia, mas, também do ponto de vista das autarquias, é fundamental que o Governo central seja estável, até para que os compromissos assumidos sejam executados. Nós temos que ter estabilidade e saber exatamente o que é que pensa o governo central”.
Estamos num município PSD há 35 anos, ininterruptamente. Faz-nos lembrar Oeiras ou a Região Autónoma da Madeira. Há défice democrático em Viseu?
Já tinha ouvido esse discurso, mas dava apenas um exemplo, e não é exclusivo deles. Todos os municípios que se desenvolveram de uma forma consistente mantiveram os presidentes de câmara durante muitos anos. Oeiras e outros. O trabalho autárquico é de planificação, e até para 12 anos é complicado.
Quando fui limitado [pela lei que impõe um máximo de três mandatos] já tinha seis mandatos. Imaginemos um jovem com uma profissão liberal que se candidata aos 30 anos e ganha a câmara. É advogado e, obrigatoriamente, tem de sair aos 42. Quem é aliciado para isto? Passa 12 anos a fazer uma atividade totalmente diferente e depois diz-se “agora estás descartado, vai à tua vida”. Isto é possível?
É.
É, mas não se ganha nada com isso. Tenho a certeza de que há-de refrear muita gente de se dedicar a esta atividade. Esse é o problema, nós temos que ter os melhores, mas de vez em quando há gente que diz “eu não me meto nisso”. Acho que era o Platão que dizia isto, que a condenação dos indivíduos bons que não se querem meter é depois serem chefiados pelos maus que eles não quiseram substituir.
Eu, sem nenhum problema com a limitação – recebi-a de forma natural –, percebo que ela é muito dedicada aos presidentes de câmara. Porque é que não se fez com os deputados? Porque é que não se fez com os vereadores? Eles não têm limitação.
E porquê?
Gostaria de falar com dados. Eu não sei quantas pessoas é que passaram pelo poder local desde que é democrático. Mas passaram umas largas dezenas de milhares de pessoas. Veja quantos foram condenados. Quantos vieram a ser condenados? Depois aparecem noutras situações, isso quer dizer que não é específico do poder local.
É evidente que o poder local é onde se jogam mais situações delicadas, é o que está mais próximo das pessoas, é abordado com mais frequência. Sou autarca há 28 anos. 24 da primeira vez, interrompi, e agora mais quatro. Pode perguntar se eu alguma vez tive alguma reunião com um loteador, se há alguém que trabalha nos loteamentos, que é onde se diz haver corrupção, que tivesse reunido com o presidente.
Nunca reuni com ninguém, e não foi por isso que Viseu deixou de se desenvolver, e de que forma. O que é preciso é estabelecer princípios. Agora, que aqui se jogam muitos interesses e que o autarca é conhecido, as pessoas vêm aqui de forma mais fácil do que ao… agora não é Terreiro do Paço… do que vão à [antiga sede da] Caixa Geral de Depósitos [atual localização de vários ministérios].
Mas esta também é a virtude e mais-valia do poder autárquico, é estar próximo das pessoas. Eu diria que o autarca está no olho do furacão, mas convém não generalizar, dizendo que a corrupção está toda aqui.
Esse é o problema, nós temos que ter os melhores, mas de vez em quando há gente que diz “eu não me meto nisso”. Acho que era o Platão que dizia isto, que a condenação dos indivíduos bons que não se querem meter é depois serem chefiados pelos maus que eles não quiseram substituir.
Qual a razão para esta perceção?
Um dos argumentos que se utilizava era de que os autarcas que estivessem muitos anos eram aprisionados pelos interesses. E depois fez-se uma coisa que desmentiu isso tudo. Eu só não posso ser candidato aqui, mas posso ser no concelho vizinho. As pessoas que aqui me aprisionavam, se eu tivesse essa tendência, iam atrás de mim.
E por que se visou apenas o autarca com limitação de mandatos? Só o Presidente da República tinha até então.
Tenho uma teoria. O Presidente da República é o cargo mais político, é normal. Não vejo que um cargo executivo tenha de ter isso. Mas deixe-me dizer que não é problema com que eu conviva dificilmente.
Lembro-me que o que se dizia é que era para rejuvenescer a democracia. Nós corríamos o risco de, para rejuvenescer a democracia, ver o presidente da câmara com 12 anos ser substituído por um deputado com 30 anos de parlamento. Rejuvenescimento?
Caciquismo?
Houve um apontar de baterias a esta classe para disfarçar muita coisa. Mas convivo bem com a limitação, não foi por aí. Aliás, neste momento estou na câmara porque quero. Não é por nada de especial, já provei o poder local durante, primeiramente, 24 anos. Tive até a honra de ser presidente da associação de municípios cerca de metade destes mandatos. É preciso é ter uma inclinação para desempenhar funções como esta.
Um dos argumentos que se utilizava era de que os autarcas que estivessem muitos anos eram aprisionados pelos interesses. E depois fez-se uma coisa que desmentiu isso tudo. Eu só não posso ser candidato aqui, mas posso ser no concelho vizinho. As pessoas que aqui me aprisionavam, se eu tivesse essa tendência, iam atrás de mim.
Nos seus primeiros 24 anos de mandato atravessou oito legislaturas. No atual mandato autárquico, com quatro anos, conhecerá o terceiro Governo da República. Que comentário lhe merece, em termos de execução de obra nas autarquias?
É preciso estabilidade. O melhor período foi no tempo do professor Cavaco Silva. Veio para cá o IP5, mais tarde havia de ser A25, veio o hospital, o tribunal, a biblioteca, veio o Instituto da Juventude. E é por isso, se calhar, que se associava ao “Cavaquistão”.
Mas depois também não temos queixa quando veio o Governo a seguir, do engenheiro Guterres, por acaso com um ministro que depois se revelou muito pior do que como primeiro-ministro, o ministro do Ambiente José Sócrates, tivemos aqui o Polis. E tivemos um desenvolvimento, nomeadamente a A24, que foi com o engenheiro Guterres. Isso tinha a ver com aquilo que eu disse, os Governos duravam uma legislatura, no mínimo, e era possível assumir compromissos.
A estabilidade é fundamental e é fundamental numa autarquia, mas também do ponto de vista das autarquias, é fundamental que o Governo central seja estável, até para que os compromissos assumidos sejam executados. Nós temos que ter estabilidade e saber exatamente o que é que pensa o governo central – como lhe disse, vi três versões do IP3 –, mesmo em termos de investimentos para os diferentes concelhos.
Mudando muitas vezes, nós temos dificuldade com o interlocutor, vai ter que conhecer o dossier e vamos ter que lhe explicar outra vez. Portanto, são sempre atrasos. Sou favorável a que as pessoas cumpram os mandatos. Nós, como somos o elo mais fraco das decisões, naturalmente que sofremos mais com aquilo que são decisões exteriores.
Mais nos territórios de interior?
Convém não fazer confusão de conceitos. Nós chamamos interior à distância para o litoral. Há muita gente que diz “recuso-me a aceitar o interior”. Eu também. Mas tem de se ter noção de que no próprio litoral há interiores. Quando falo em interior, falo na assimetria de desenvolvimento. Eu sei que se Viseu estivesse situada em França estaria praticamente no litoral.
Está de tal maneira próximo do litoral que a praia que os nossos amigos de Cidade Rodrigo utilizam, alguns diariamente, é a praia da Costa Nova. Sei que do ponto de vista da distância ao mar, podemos não ser interior, mas quando digo interior é nisto. Só temos alguns investimentos com alguma dimensão porque foi preciso ligar Lisboa ao Porto.
Que mensagem enviaria para Lisboa na última semana de campanha?
Que mantivessem elevação nas discussões, que se preocupassem com o país, e eu penso que o fazem, mas que não entrassem em querelas absurdas que podem, às vezes, satisfazer o ego de um ou de outro, mas de facto não contribuem em nada para a melhoria do país. Discussões elevadas, cada um à sua maneira. Não abdicando das ideias que têm e combatendo por elas. Não podem é depois pôr em causa que têm o apoio maioritário. Façam uma discussão elevada.