Estudo reconstrói um século de poluição em São Paulo

Análise evidenciou forte correlação entre a industrialização, o crescimento populacional e o aumento das concentrações dos poluentes

Abr 22, 2025 - 10:53
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Estudo reconstrói um século de poluição em São Paulo

A história da poluição por metais na cidade de São Paulo pode ser lida nas camadas de sedimentos acumuladas ao longo do último século. Por meio da paleolimnologia – método que permite reconstruir mudanças ambientais passadas com base em testemunhos sedimentares –, pesquisadores reconstruíram um século de poluição por metais na capital a partir de amostras coletadas no Lago das Garças, no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (Pefi). O estudo evidenciou forte correlação entre a industrialização, o crescimento populacional e o aumento desse tipo de poluente. Os resultados foram publicados na revista Environmental Science and Pollution Research.

Os cientistas analisaram as concentrações de 8 metais – cobalto, cromo, cobre, ferro, manganês, níquel, chumbo e zinco – no fundo do reservatório, cujos sedimentos guardam registros de aproximadamente 100 anos.

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“Tudo o que vai acontecendo em uma bacia de drenagem acaba, de alguma forma, ficando registrado nos sedimentos dos ambientes aquáticos. Escolhemos o Lago das Garças pelo fato de ele nunca ter sido dragado, o que permitiu a preservação da sequência histórica da deposição de poluentes”, conta Tatiane Araujo de Jesus, coordenadora do Laboratório de Sistemas de Engenharia Ecológica da Universidade Federal do ABC (UFABC) e 1ª autora do artigo.

Os pesquisadores coletaram testemunhos de sedimentos com o auxílio de mergulhadores. Esses testemunhos são cilindros verticais de material depositado do fundo do lago. Como o carbono-14 não se presta à datação de amostras relativamente recentes, as camadas foram datadas por meio do chumbo-210. O princípio físico é o mesmo do carbono-14: o decaimento radioativo do isótopo. “O chumbo-210 tem uma meia-vida de aproximadamente 22,3 anos, então, por meio da atividade desse isótopo, conseguimos atribuir uma idade a cada camada de sedimentos, como se estivéssemos numerando as páginas de um livro”, explica Jesus.

Os resultados revelaram 3 grandes períodos na evolução da poluição por metais na cidade de São Paulo. Camadas correspondentes ao período pré-industrial, que se estendeu até 1950, apresentaram baixas concentrações de metais, refletindo uma época em que o local era menos impactado por atividades humanas. Vale lembrar que o reservatório, formado pelo represamento do córrego do Campanário em 1893, foi usado para abastecimento de água até 1928.

No período 1950-1975, os níveis de metais começaram a aumentar progressivamente. Fatores como a intensificação do tráfego aéreo no Aeroporto de Congonhas (inaugurado em 1936), o crescimento das montadoras e metalúrgicas no ABC Paulista e a urbanização desordenada contribuíram para o acúmulo de poluentes.

O pico da poluição ocorreu no período seguinte, 1975-2000. A partir da década de 1970, houve um aumento expressivo na concentração de metais como chumbo, níquel, ferro, cromo e cobre. Na avaliação dos dados coletados, deve ser considerado o fator local, pois o período coincide com a instalação da Rodovia dos Imigrantes (1974), que intensificou o tráfego de veículos na região. “Observamos que a maior parte desses metais detectados era proveniente de emissões veiculares e industriais”, diz a pesquisadora.

Um dos achados mais marcantes do estudo foi a queda dos níveis de chumbo nos sedimentos posteriores a 1986, quando o Brasil proibiu o uso de gasolina com chumbo por meio do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve). “Até então, o chumbo era utilizado como aditivo na gasolina e, com sua proibição, observamos a diminuição de sua concentração nos sedimentos. Isso mostra como políticas ambientais podem ter impactos positivos e mensuráveis”, afirma Jesus.

Apesar da redução do chumbo, as concentrações de outros metais continuaram aumentando ao longo dos anos 1990, em particular cobalto, níquel e cobre, provavelmente relacionados a mudanças nos processos industriais. Os dados indicam que uma siderúrgica próxima ao reservatório, que antes produzia aço, passou a fabricar artefatos metálicos nesse período, o que pode ter modificado o perfil da poluição metálica.

O estudo não apenas revelou a evolução da poluição por metais em São Paulo, mas também destacou a importância dos sedimentos como indicadores ambientais. “Os sedimentos são como um arquivo: eles guardam as evidências das mudanças no ambiente ao longo do tempo. Esse tipo de análise pode ser útil para guiar estratégias de proteção e recuperação do meio ambiente”, afirma a pesquisadora.

E enfatiza que, embora algumas reduções nos níveis de poluição tenham sido observadas, muitos metais persistem nos sedimentos, constituindo um passivo ambiental. “O que podemos fazer agora é usar esses dados para estabelecer metas de recuperação. Sabemos quais eram os níveis naturais desses metais antes da industrialização e podemos trabalhar para tentar reverter parte do impacto”, diz.

Além disso, o estudo traz reflexões sobre áreas de conservação, como o Parque Estadual das Fontes do Ipiranga. “Não basta apenas cercar um local e chamá-lo de área de preservação. Se a poluição atmosférica e a deposição de poluentes não forem controladas na região ao redor, o impacto continuará”, diz Jesus.

Os resultados reforçam a necessidade de políticas públicas mais rigorosas para a redução da poluição industrial e veicular, além de medidas de recuperação ambiental em áreas contaminadas. “Os dados históricos nos ajudam a entender como chegamos até aqui e podem servir de base para decisões mais informadas sobre o futuro da qualidade ambiental da cidade”, afirma a pesquisadora.

O estudo foi apoiado pela FAPESP por meio de bolsas de doutorado concedidas a Tatiane Araujo de Jesus (04/08071-5) e a Sandra Costa‑Böddeker (04/08675-8), 2ª autora do paper.

O artigo Metal pollution reconstruction in São Paulo City (Southeast Brazil) over the twentieth century by paleolimnological approach pode ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11356-025-35998-0.


Com informações da Agência Fapesp