Alexandre Garcia: Lava-Jato vive
"No Peru, os criminosos é que são os criminosos. E vão para a cadeia — se não forem acolhidos pelo governo brasileiro. Aqui, o PT divulgou nota de 'integral solidariedade' a Lula, que foi solidário com Nadine", observas o jornalista

A Secretaria de Comunicação da Presidência da República apressou-se em redigir uma nota, em meio à celeuma levantada pelo asilo a uma corrupta, sugerindo que é "improcedente" qualquer relação entre a Operação Lava-Jato brasileira e a decisão de livrar a ex-primeira-dama peruana, Nadine Herédia, da prisão a que foi condenada no dia em que se refugiou na embaixada brasileira. Não adiantou muito. As redes sociais já repetiam no Brasil a manchete do jornal peruano Diario Trome: "Corruptos se protegem".
A Transparência Internacional também foi contundente: "Ao acolher pessoa condenada por corrupção, o Brasil envia um sinal preocupante de tolerância com práticas ilícitas que corroem as instituições democráticas e prejudicam o desenvolvimento de países sul-americanos". A Transparência tem sede na Alemanha e, por isso, não sabe, como nós, que tolerância com o ilícito é um mal a que já nos acostumamos e, ironicamente, toleramos.
Pelo depoimento que se leu em O Globo e se ouviu na Globo News, da jornalista Malu Gaspar, foi o ex-ministro Antonio Palocci que ajeitou e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pediu a Marcelo Odebrecht os pagamentos de milhões a Ollanta Humala, que se elegeu presidente com dinheiro ilícito. A entrega era feita em mochilas com US$ 200 mil a US$ 300 mil num apartamento padrão Geddel, no bairro de Miraflores, em Lima, e recebido por Nadine, que hoje está asilada no Brasil. Ela despejava as notas num armário.
A Justiça, com provas, condenou o casal a 15 anos por lavagem de dinheiro. Mas o presidente do Brasil continuou generoso e ela ganhou asilo na embaixada e, depois, um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para vir ao Brasil sem perigo de receber vaias num voo comercial para Guarulhos.
A generosidade de Lula acabou por levantar o óbvio: se uma similar da Lava-Jato funciona no Peru para condenar quatro ex-presidentes e uma candidata a presidente, por que não funciona no Brasil? Aqui, alegaram CEP errado e julgaram que o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro e o promotor e ex-deputado Deltan Dallagnol exageraram, mas a materialidade dos crimes continua incólume. Confissões, acordos, devoluções, provas — nada deixou de existir.
Os depoimentos que incriminaram os presidentes peruanos são os mesmos que citam autoridades brasileiras, assim como os acordos assinados. No entanto, o ministro Dias Toffoli anulou provas e cancelou devoluções. O ministro Gilmar Mendes se orgulha de ter acabado com a Lava-Jato e a chamou de criminosa.
No Peru tem sido o inverso: os criminosos é que são os criminosos. E vão para a cadeia — se não forem acolhidos pelo governo brasileiro. Aqui, o PT divulgou nota de "integral solidariedade" a Lula, que foi solidário com Nadine.
O presidente do Congresso peruano, Eduardo Salhuana, cancelou visita oficial ao Brasil, por recomendação do Ministério de Relações Exteriores de lá. Pegou mal para o governo brasileiro reagir a uma decisão da Justiça peruana envolvendo crime comum.
Sobra a curiosidade: o que teria levado Lula a conceder esse estranho asilo, turbinado por avião da FAB decolando de madrugada? Apenas generosidade com espírito pascal? A Comissão de Relações Exteriores da Câmara vai decidir se chama o chanceler Mauro Vieira para tirar essas dúvidas.
O depoimento da jornalista Malu Gaspar revela que Nadine é quem mandava na campanha do marido. E que ela sabia de tudo. Teria ela poder de ressuscitar a Lava-jato no Brasil, também dentro do espírito pascal?
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