Emagrecer: entre o silêncio português e o espetáculo brasileiro
A medicina portuguesa carrega em si um espírito tradicionalista de preservação, valorizando o tempo e o processo sobre a pressa e o imediatismo.


A ascensão de medicamentos como Ozempic e Mounjaro, desenvolvidos originalmente para o tratamento da diabetes tipo 2, mas amplamente utilizados para emagrecimento, também ajuda a perceber diferenças culturais entre Portugal e Brasil.
Essas diferenças refletem abordagens culturais diversas em relação à saúde e à estética, mas também evidenciam a forma como cada sociedade lida com a introdução de novas tecnologias farmacológicas.
Em Portugal, o uso desses medicamentos é contido e discreto. A prescrição é regulada e os médicos demonstram cautela ao indicar essas substâncias para fins estéticos. Existe uma percepção cultural de que soluções rápidas para emagrecer, especialmente as que envolvem fármacos potentes, devem ser vistas com prudência. A medicina portuguesa carrega em si um espírito tradicionalista de preservação, valorizando o tempo e o processo sobre a pressa e o imediatismo.
No Brasil, a realidade é outra. O uso de medicamentos como Ozempic e Mounjaro para emagrecimento ganhou ampla visibilidade, impulsionado por campanhas de marketing agressivas e celebridades que exibem os resultados nas redes sociais. Em 2024, a venda desses medicamentos ultrapassou 3 milhões de unidades, gerando uma receita de mais de R$ 4 bilhões, quando somados aos da mesma classe terapêutica. A cultura brasileira, mais aberta à experimentação e à inovação estética, abraçou essas substâncias como um caminho rápido para a boa forma.
Contudo, essa popularização levanta questões éticas e socioeconômicas que ultrapassam a simples questão da vaidade. O custo elevado dos medicamentos, que pode chegar a mais de R$ 2.000 por mês, restringe o acesso a uma parcela significativa da população. O tratamento transforma-se em um símbolo de status, criando uma linha invisível entre aqueles que podem pagar por soluções farmacológicas para emagrecer e aqueles que permanecem reféns de métodos tradicionais.
Portugal e Brasil, com suas experiências contrastantes, têm muito a aprender um com o outro. Portugal pode observar o caso brasileiro para compreender os desafios de uma adoção massiva e pouco regulada de medicamentos para fins estéticos, enquanto o Brasil pode se inspirar na cautela portuguesa para fortalecer a regulamentação e a orientação médica.
Além disso, ambos os países poderiam colaborar em políticas públicas que garantam acesso mais justo e seguro a tratamentos inovadores, promovendo um debate sobre os limites éticos e sociais da farmacologia estética.