Diário de viagem: Capítulo 1
Quando somos pequenos, todas as histórias de países distantes e misteriosos, cujos usos e costumes são tão diferentes dos nossos que avivam a imaginação e se tornam mágicos, aguçam o bichinho da aventura que, dormente durante anos, ressurge desperto e renovado e pede que o sonho se realize. Pensada e repensada, a decisão foi tomada e partimos para o Cairo, numa fria tarde de Março, para fugir às altas temperaturas de um Verão prematuro. As seis horas de viagem passaram lentas mas correram bem. Depois de todas as peripécias de vistorias de segurança, chegámos ao hotel quase ao nascer do sol para nos refrescarmos, pois a primeira visita tinha saída às 8:30h. Havia pequeno-almoço apesar de ser tempo de Ramadão e o autocarro apresentou-se à hora marcada para o tour a Menphis e Saqara, e depois do almoço as famosas pirâmides e a esfinge. Atravessar o Cairo é um susto, mesmo da perspectiva de um alto autocarro de turismo. Primeiro, porque toda a cidade é já ela um susto, suja na cor e no lixo que enche as ruas por todo o lado em que se passasse. Os edifícios pareciam saídos de um filme de guerra prestes a desmoronar-se, não se avistavam semáforos, passadeiras para peões ou rotundas, nem sei se existe código da estrada, pelo que era um “Insha’Allah” e tudo ao molho. É uma questão de cultura, tenta explicar o guia, mas é tirada que não convence. Ter uma cidade com cerca de 20 milhões de pessoas e a aumentar de dia para dia, sem condições para viver, as casas meio destruídas, com pessoas a dormirem debaixo dos viadutos e arcadas de prédios e na interminável Cidade dos Mortos, um enorme cemitério onde mortos e vivos coabitam, no meio de casas térreas clandestinas e de túmulos, onde há arte, comércio e vida e morte, numa existência tão plácida como tétrica. O Cairo é triste e assustador, mas as pessoas são alegres e bem dispostas e à noite as luzes artificiais das fanous, as lanternas do Ramadão, a música e o colorido, com grandes mesas ruas afora onde todos se juntam para o Iftar, mascaram a premente necessidade com festa e luz, onde os mais ricos alimentam os pobres e todos os que vierem por bem. A noite, essa sim, é mágica.

Quando somos pequenos, todas as histórias de países distantes e misteriosos, cujos usos e costumes são tão diferentes dos nossos que avivam a imaginação e se tornam mágicos, aguçam o bichinho da aventura que, dormente durante anos, ressurge desperto e renovado e pede que o sonho se realize.
Pensada e repensada, a decisão foi tomada e partimos para o Cairo, numa fria tarde de Março, para fugir às altas temperaturas de um Verão prematuro. As seis horas de viagem passaram lentas mas correram bem. Depois de todas as peripécias de vistorias de segurança, chegámos ao hotel quase ao nascer do sol para nos refrescarmos, pois a primeira visita tinha saída às 8:30h. Havia pequeno-almoço apesar de ser tempo de Ramadão e o autocarro apresentou-se à hora marcada para o tour a Menphis e Saqara, e depois do almoço as famosas pirâmides e a esfinge.
Atravessar o Cairo é um susto, mesmo da perspectiva de um alto autocarro de turismo. Primeiro, porque toda a cidade é já ela um susto, suja na cor e no lixo que enche as ruas por todo o lado em que se passasse. Os edifícios pareciam saídos de um filme de guerra prestes a desmoronar-se, não se avistavam semáforos, passadeiras para peões ou rotundas, nem sei se existe código da estrada, pelo que era um “Insha’Allah” e tudo ao molho. É uma questão de cultura, tenta explicar o guia, mas é tirada que não convence. Ter uma cidade com cerca de 20 milhões de pessoas e a aumentar de dia para dia, sem condições para viver, as casas meio destruídas, com pessoas a dormirem debaixo dos viadutos e arcadas de prédios e na interminável Cidade dos Mortos, um enorme cemitério onde mortos e vivos coabitam, no meio de casas térreas clandestinas e de túmulos, onde há arte, comércio e vida e morte, numa existência tão plácida como tétrica.
O Cairo é triste e assustador, mas as pessoas são alegres e bem dispostas e à noite as luzes artificiais das fanous, as lanternas do Ramadão, a música e o colorido, com grandes mesas ruas afora onde todos se juntam para o Iftar, mascaram a premente necessidade com festa e luz, onde os mais ricos alimentam os pobres e todos os que vierem por bem. A noite, essa sim, é mágica.