Com ou sem chocolate? Saiba por que doces nostálgicos ‘perderam’ o sabor da infância
Produtos como o chocolate Surpresa e a bolacha Passatempo voltaram às prateleiras em meio a críticas em relação a mudanças na composição dos ingredientes The post Com ou sem chocolate? Saiba por que doces nostálgicos ‘perderam’ o sabor da infância appeared first on InfoMoney.


Com a proximidade da Páscoa, o apelo por chocolates aumenta – e com ele, também a nostalgia.
É nesse clima que produtos como o chocolate Surpresa e a bolacha Passatempo – sucessos de venda entre a década de 1980 e início dos anos 2000 – voltaram às prateleiras em versões repaginadas pela Nestlé.
A promessa é resgatar sabores da infância, mas consumidores têm recorrido às redes sociais para relatar frustração com o gosto atual e a textura dos doces.
Tem chocolate?
Por meio de um vídeo publicado no Instagram, o designer Rian Dutra, por exemplo, relata aos seus 490 mil seguidores que, apesar do biscoito Passatempo ter voltado com uma nova receita “sabor da infância”, há “algo que ainda ninguém notou: a remoção do CHOCOLATE na receita”, diz ele, que também é pesquisador em Psicologia do Design.
“Antes, o Passatempo era um biscoito de ‘chocolate’, agora é ‘sabor chocolate’. Ou melhor, ‘sabor da infância’.”
Outro caso é o do gastrólogo e youtuber Davi Laranjeira, que em um vídeo publicado no seu canal compara os ingredientes das versões original e atual do chocolate Surpresa.
Ele destaca aos seus quase 50 mil seguidores uma das mudanças mais relevantes: a adição de gordura vegetal na receita mais nova.
As publicações nas redes sociais são acompanhadas de diversos comentários de usuários concordando com os apontamentos. Mas as críticas não se limitam à decepção emocional dos consumidores.
Mudança nos ingredientes
Especialistas apontam que essas reformulações refletem uma tendência global preocupante: a substituição de ingredientes tradicionais por versões mais baratas e ultraprocessadas.
“Essa é uma das mudanças mais alarmantes que ocorreram na indústria alimentícia nos últimos tempos.”
Segundo Oliveira, que é coordenador do grupo de Pesquisa em Comportamento e Comida da Universidade de São Paulo (USP), com o aumento no custo do cacau e mudanças na produção global, muitas marcas passaram a reduzir a quantidade da matéria-prima nobre nos chocolates – que, por definição, deveriam conter ao menos 22% a 25% de cacau.
Em seu lugar, entram “gorduras e açúcares para criar uma massa semelhante ao cacau — o que se tornou uma prática comum”, aponta Oliveira.
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Essas alterações, além de afetarem o sabor, podem ter impacto direto na saúde.
Oliveira ressalta que um estudo francês publicado no JAMA Internal Medicine acompanhou mais de 44 mil pessoas por sete anos e mostrou que, a cada aumento de 10% no consumo de ultraprocessados, o risco de morte aumentava em 14%.
Segundo o nutricionista, o consumo de produtos ultraprocessados está associado a uma série de doenças crônicas, como obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares.
De olho nas mudanças
A reformulação de produtos clássicos não é ilegal — e muitas vezes nem precisa ser comunicada de forma clara ao consumidor, desde que siga as regras de rotulagem. Mas essa falta de transparência também é alvo de críticas.
“Empresas adicionam micronutrientes a esses produtos apenas para poderem fazer alegações de saúde. Isso cria uma falsa sensação de benefício”, afirma Jônatas, citando um artigo de 2021 sobre a mudança na fórmula de alimentos industrializados publicado por pesquisadores – entre eles, o brasileiro Carlos Monteiro – na revista The Lancet.
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Francyne Souza, engenheira química e consultora de alimentos da ACT Promoção da Saúde, ressalta que reformulações ocorrem com frequência em produtos como chocolate, balas e bebidas, especialmente aquelas com redução de açúcar (como diet e zero açúcar.
Ela corrobora o apontamento de Oliveira sobre a existência de muitos estudos na literatura científica que mostram riscos relacionados ao uso de aditivos, principalmente corantes e aromatizantes.
“Eles (os aditivos) estão associados a problemas como TDAH, doenças gastrointestinais e alterações na flora intestinal. Um estudo recente mostrou que a combinação de aditivos está diretamente relacionada à incidência de diabetes tipo 2”
O estudo foi publicado no início deste mês na revista PLOS Medicine.
Informação ao consumidor
Francyne explica que a mudança na composição de ingredientes deve ser informada ao consumidor, conforme estipulado pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 727 de 2022 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que exige que a empresa declare na embalagem a frase ‘nova fórmula’ ou ‘nova composição’ quando houver reformulação.
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O problema, alega a especialista, é que nem sempre essas informações são fáceis de serem percebidas pelo consumidor.
“Apesar de estarem no rótulo, as empresas usam estratégias de marketing para não dar tanta visibilidade a essas mudanças. Por isso, é importante que o consumidor leia atentamente os rótulos e não se deixe levar apenas pela comunicação visual do produto.”
A engenheira química ressalta ainda que o ideal para o consumidor é buscar produtos com o menor número possível de aditivos alimentares.
Embora alguns aditivos sejam necessários por questões de conservação, é bom evitar os que se enquadram nas categorias de corantes e aromatizantes, que são mais problemáticos do ponto de vista da saúde.
Oliveira acrescenta que para apreciar bons chocolates atualmente, o consumidor precisará investir em marcas que utilizem cacau em proporções adequadas. “Isso infelizmente reduz o acesso a produtos de qualidade para a maioria das pessoas”, diz.
Outro lado
A Nestlé foi procurada pelo InfoMoney para comentar as críticas à composição das novas receitas dos produtos citados, mas não respondeu até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto.
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