Brasil tem mais de 5 mil procurados por estupro de vulnerável; Justiça já condenou quase metade

Levantamento do g1 mostra que acusados demoram, em média, quase 4 anos para serem presos. Brasil tem mais de 5 mil procurados por estupro de vulnerável; Justiça já condenou maioria "Quase matou minha sobrinha. Achou que tinha matado e fugiu. Nunca mais foi encontrado." O relato é de A.L., tia de uma menina de 11 anos violentada no começo de 2024 em uma cidade de Mato Grosso. “Achou que tinha matado e largou na beira do rio. Três da manhã foi quando acharam ela, desacordada, machucada com as marcas das mãos no pescoço”, relata. O homem a quem ela se refere é Fábio Júnior Sampaio, de 41 anos. Há mais de um ano, a Justiça determinou a prisão preventiva do suspeito. Dias após a fuga, com Sampaio ainda foragido, A.L recorreu às redes sociais em busca de ajuda. “Nos ajudem a encontrar”, escreveu ao divulgar o cartaz de procurado no Facebook. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso, ele nunca foi localizado. "Ninguém sabe se ele foi pego ou não, porque a única notícia que tivemos é que ele sumiu", conta a tia. O g1 não conseguiu falar com a defesa de Sampaio. Fábio Júnior Sampaio é suspeito de estuprar uma menina de 11 anos no Mato Grosso. Reprodução Nesta reportagem, você vai ver: Que os mandados de prisão por estupro de vulnerável ficam, em média, quase 4 anos sem ser cumpridos; Qual o impacto dessa demora na vida das vítimas e de suas famílias; Quais os motivos dos mandados não serem cumpridos; “Falta investimento nas polícias”, diz Secretário Nacional de Segurança Pública; E como o Brasil já tem uma lei que prevê um cadastro nacional de estupradores — mas ela ainda não saiu do papel. Procurados há quase 4 anos Brasil tem quase 5,7 mil mandados de prisão pelo crime de estupro de vulnerável Arte g1 O Brasil tem 5.692 mandados de prisão abertos por estupro de vulnerável, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse número representa 1,47% do total de ordens de prisão vigentes no país, que somam 386.560 mil — sendo 240.352 mil referentes a crimes e 76.208 mil a questões cíveis, como não pagamento de pensão alimentícia. O g1 teve acesso aos detalhes de cerca de 5 mil mandados e solicitou ao CNJ informações sobre os demais. O órgão, no entanto, informou que não poderia fornecer esses dados (leia mais abaixo). A análise dos documentos mostra que os mandados por estupro de vulnerável estão abertos há, em média, 3 anos e 10 meses. O mais antigo foi expedido em 2005, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Entre os mandados de prisão expedidos por estupro de vulnerável, 49% são contra pessoas já condenadas em definitivo pelo crime, ou seja, que não podem mais recorrer da sentença. O percentual deste crime é superior à média geral dos mandados de prisão ativos no país quando se trata de condenações definitivas: 28,1%. Outros 59,1% são de prisões preventivas ou em flagrante. Por que não são presos? Para a promotora de Justiça Valéria Scarance, do Ministério Público de São Paulo e especialista em crimes sexuais, esse padrão se repete porque os relatos das crianças nem sempre são considerados pelos juízes provas consistentes para justificar uma prisão preventiva. Com isso, nos crimes contra vulneráveis, o mandado de prisão costuma ser expedido apenas após a condenação, o que facilita que muitos acusados fujam antes da ordem judicial de prisão. “Tem casos em que a criança relata abusos sexuais com riqueza de detalhes e o juiz pergunta: ‘Mas ela não pode ter inventado isso?’. Há uma dificuldade muito grande em reconhecer a palavra da vítima como prova”, diz a promotora. Segundo Scarance, se o mandado fosse expedido logo após a denúncia, mesmo que temporariamente, muitas fugas poderiam ser evitadas. "O ideal seria que esses indivíduos fossem presos temporariamente, com a prisão sendo convertida em preventiva depois. Isso porque estupradores, em regra, atacam pessoas conhecidas, que continuam sob sua influência enquanto eles estão soltos", afirma. Em 2023, por exemplo, uma juíza cobrou providências da Corregedoria da Polícia de São Paulo após um mandado de prisão por estupro de vulnerável, expedido três anos antes, continuar em aberto. A agressão ocorreu em 2012, a ordem de prisão foi emitida em 2020 e, até hoje, o condenado segue solto. Juíza cobra providências da Corregedoria da Polícia de SP após mandado de prisão por estupro de vulnerável continuar em aberto após três anos. Arte/g1 A juíza Lívia Mattos, que atua em varas especializadas em crimes sexuais contra vulneráveis, aponta ainda outros entraves para efetivar as prisões, como a fuga dos condenados para outros estados. “Muitos são moradores de regiões rurais ou se deslocam para áreas onde a fiscalização é mais difícil”, explica. 'Segurança exige investimento e exige gente', diz secretário de Segurança Pública Sem inclusão no banco nacional de mandados Segundo a delegada Sílvia Pauluzzi, titular da Gerência Estadual de Polinter e Capturas (Gepol) de Mato Grosso, e Michelle Braga de Oliveira, chefe do setor de mandados d

Abr 13, 2025 - 18:53
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Brasil tem mais de 5 mil procurados por estupro de vulnerável; Justiça já condenou quase metade

Levantamento do g1 mostra que acusados demoram, em média, quase 4 anos para serem presos. Brasil tem mais de 5 mil procurados por estupro de vulnerável; Justiça já condenou maioria "Quase matou minha sobrinha. Achou que tinha matado e fugiu. Nunca mais foi encontrado." O relato é de A.L., tia de uma menina de 11 anos violentada no começo de 2024 em uma cidade de Mato Grosso. “Achou que tinha matado e largou na beira do rio. Três da manhã foi quando acharam ela, desacordada, machucada com as marcas das mãos no pescoço”, relata. O homem a quem ela se refere é Fábio Júnior Sampaio, de 41 anos. Há mais de um ano, a Justiça determinou a prisão preventiva do suspeito. Dias após a fuga, com Sampaio ainda foragido, A.L recorreu às redes sociais em busca de ajuda. “Nos ajudem a encontrar”, escreveu ao divulgar o cartaz de procurado no Facebook. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso, ele nunca foi localizado. "Ninguém sabe se ele foi pego ou não, porque a única notícia que tivemos é que ele sumiu", conta a tia. O g1 não conseguiu falar com a defesa de Sampaio. Fábio Júnior Sampaio é suspeito de estuprar uma menina de 11 anos no Mato Grosso. Reprodução Nesta reportagem, você vai ver: Que os mandados de prisão por estupro de vulnerável ficam, em média, quase 4 anos sem ser cumpridos; Qual o impacto dessa demora na vida das vítimas e de suas famílias; Quais os motivos dos mandados não serem cumpridos; “Falta investimento nas polícias”, diz Secretário Nacional de Segurança Pública; E como o Brasil já tem uma lei que prevê um cadastro nacional de estupradores — mas ela ainda não saiu do papel. Procurados há quase 4 anos Brasil tem quase 5,7 mil mandados de prisão pelo crime de estupro de vulnerável Arte g1 O Brasil tem 5.692 mandados de prisão abertos por estupro de vulnerável, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse número representa 1,47% do total de ordens de prisão vigentes no país, que somam 386.560 mil — sendo 240.352 mil referentes a crimes e 76.208 mil a questões cíveis, como não pagamento de pensão alimentícia. O g1 teve acesso aos detalhes de cerca de 5 mil mandados e solicitou ao CNJ informações sobre os demais. O órgão, no entanto, informou que não poderia fornecer esses dados (leia mais abaixo). A análise dos documentos mostra que os mandados por estupro de vulnerável estão abertos há, em média, 3 anos e 10 meses. O mais antigo foi expedido em 2005, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Entre os mandados de prisão expedidos por estupro de vulnerável, 49% são contra pessoas já condenadas em definitivo pelo crime, ou seja, que não podem mais recorrer da sentença. O percentual deste crime é superior à média geral dos mandados de prisão ativos no país quando se trata de condenações definitivas: 28,1%. Outros 59,1% são de prisões preventivas ou em flagrante. Por que não são presos? Para a promotora de Justiça Valéria Scarance, do Ministério Público de São Paulo e especialista em crimes sexuais, esse padrão se repete porque os relatos das crianças nem sempre são considerados pelos juízes provas consistentes para justificar uma prisão preventiva. Com isso, nos crimes contra vulneráveis, o mandado de prisão costuma ser expedido apenas após a condenação, o que facilita que muitos acusados fujam antes da ordem judicial de prisão. “Tem casos em que a criança relata abusos sexuais com riqueza de detalhes e o juiz pergunta: ‘Mas ela não pode ter inventado isso?’. Há uma dificuldade muito grande em reconhecer a palavra da vítima como prova”, diz a promotora. Segundo Scarance, se o mandado fosse expedido logo após a denúncia, mesmo que temporariamente, muitas fugas poderiam ser evitadas. "O ideal seria que esses indivíduos fossem presos temporariamente, com a prisão sendo convertida em preventiva depois. Isso porque estupradores, em regra, atacam pessoas conhecidas, que continuam sob sua influência enquanto eles estão soltos", afirma. Em 2023, por exemplo, uma juíza cobrou providências da Corregedoria da Polícia de São Paulo após um mandado de prisão por estupro de vulnerável, expedido três anos antes, continuar em aberto. A agressão ocorreu em 2012, a ordem de prisão foi emitida em 2020 e, até hoje, o condenado segue solto. Juíza cobra providências da Corregedoria da Polícia de SP após mandado de prisão por estupro de vulnerável continuar em aberto após três anos. Arte/g1 A juíza Lívia Mattos, que atua em varas especializadas em crimes sexuais contra vulneráveis, aponta ainda outros entraves para efetivar as prisões, como a fuga dos condenados para outros estados. “Muitos são moradores de regiões rurais ou se deslocam para áreas onde a fiscalização é mais difícil”, explica. 'Segurança exige investimento e exige gente', diz secretário de Segurança Pública Sem inclusão no banco nacional de mandados Segundo a delegada Sílvia Pauluzzi, titular da Gerência Estadual de Polinter e Capturas (Gepol) de Mato Grosso, e Michelle Braga de Oliveira, chefe do setor de mandados da Polinter, outro fator para demora no cumprimento dos mandados é que, por tramitarem sob sigilo, crimes como o estupro de vulnerável nem sempre têm seus mandados incluídos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP). Isso dificulta a localização dos foragidos, principalmente quando estão fora do estado onde o crime foi cometido. "Eles estão em segredo de justiça, então não aparecem. Normalmente são casos de feminicídio ou crimes contra vulneráveis", disse Pauluzzi. Oliveira acrescenta que, nesses casos, a polícia só toma conhecimento dos mandados por outros canais — como o envio direto do Judiciário ou da própria vítima. “A gente já até solicitou um login, porque a Polinter trabalha com mandados de prisão, além das cartas precatórias... Fizemos várias reuniões com a Corregedoria da Justiça, mas até agora não tivemos retorno positivo”, conta Michelle. “Se o mandado não está no Banco Nacional, às vezes a gente só fica sabendo por outras vias — como a própria vítima, o advogado dela ou até por alguma denúncia.” O impacto dessa demora para as vítimas “Foi um dia de tortura pra gente. Ele machucou muito ela, maltratou. Até hoje ela faz terapia, toma remédio. Não foi fácil”, relata a tia da vítima que abre esta reportagem. Em 2023, ano mais recente com dados disponíveis, o Brasil registrou 64.237 casos de estupro de vulnerável, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O crime — caracterizado pela violação sexual de crianças e adolescentes menores de 14 anos ou de pessoas sem capacidade de consentimento — representa mais da metade de todos os estupros contabilizados no país. Segundo Mariana Albuquerque Zan, advogada do Instituto Alana, a demora na prisão agrava ainda mais a situação. Muitas vítimas seguem vivendo sob o mesmo teto que quem as violentou, mesmo após a condenação na Justiça. “A gente fala de uma criança convivendo com o agressor durante a violência e também no pós-violência, quando, às vezes, já temos a condenação [do agressor]”, afirma. Os dados mostram que, em muitos casos, o agressor está dentro de casa. Entre as vítimas de até 13 anos, 64,4% dos estupros foram cometidos por familiares, e 21,6% por pessoas conhecidas. Apenas 13,9% dos agressores eram desconhecidos. Entre adolescentes com 14 anos ou mais, 24,4% dos casos envolveram parceiros ou ex-parceiros, e 37,9% foram cometidos por familiares. 'Falta investimento' Em entrevista ao g1, o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, reconheceu que, embora todas as forças de segurança tenham acesso ao Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), há falhas na alimentação da base de dados — o que dificulta a atuação das polícias. "Muitas vezes, quando a consulta é feita, aquele mandado ainda não entrou na base de dados. Então, esse é o grande desafio de a gente ter um padrão e uma maior unidade em todo o Brasil, também e principalmente na questão da alimentação do sistema", afirma. Questionado sobre o não cumprimento dos mandados e a integração dos dados, Sarrubbo apontou a falta de investimento como um dos principais obstáculos. "Falta material humano, falta investimento em tecnologia e o mesmo acontece nessa questão dos dados. Faltam, muitas vezes, pessoas para alimentar esses sistemas, faltam muitas vezes pessoas capacitadas para alimentar da forma correta o sistema. Isso exige investimentos, exige treinamento, preparo", destaca. Cadastro de estupradores ainda não foi implementado Para a promotora Valéria Scarance, a consolidação de um Cadastro Nacional de Estupradores seria uma ferramenta decisiva para ajudar na localização de foragidos e na prevenção de novos crimes. “Temos a necessidade urgente de um banco nacional de dados sobre estupradores condenados. Isso auxiliaria não só na fiscalização, mas também na elaboração de políticas públicas de proteção”, defende Scarance. O Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais foi previsto por lei em 2021 e sancionado em novembro de 2024, mas até hoje ainda não está plenamente implantado. A proposta é que o banco reúna dados biométricos, fotografias e informações criminais de todos os condenados por estupro e estupro de vulnerável no país. Procurados, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável pela implementação do projeto, disse que está em articulação com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e com a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) para integrar as bases de dados e, por isso, “ainda não é possível precisar quando o cadastro estará disponível para consulta pública”. Procurados presos após reportagem do g1 Nas eleições do ano passado, o g1 localizou três procurados pelo crime de estupro de vulnerável. Gasparino Lustosa Azevedo e Celmar Mucke foram encontrados após um levantamento revelar que eles se candidataram nas eleições de 2024, mesmo já tendo sido condenados pelo crime. Já Carlos José de Figueiredo, ex-vigilante da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), também condenado pelo mesmo crime, foi localizado depois que a reportagem identificou que servidores públicos federais estavam entre os procurados com mandados de prisão em aberto. Todos foram presos após a reportagem revelar os casos.