23andMe entra em recuperação judicial – e põe em risco o DNA de 15 milhões de pessoas
Pioneira das análises genômicas via internet não consegue pagar dívidas; consumidores correm para tentar evitar que seus dados genéticos sejam vendidos a terceiros

A empresa 23andMe, pioneira no segmento de análise genética, entrou em recuperação judicial – o que detonou uma corrida de consumidores tentando deletar suas informações genéticas do banco de dados da empresa, antes que sejam vendidas a terceiros. O número de acessos ao site da 23andMe quintuplicou, com 1,4 milhão de visitas só na última segunda-feira (24), quando a recuperação judicial foi anunciada. A empresa detém as informações genéticas de 15 milhões de pessoas, a maioria nos EUA.
A 23andMe, fundada em 2006 pela executiva Anne Wojcicki e mais duas pessoas, foi a primeira a oferecer testes genéticos pela internet (a islandesa deCODE Genetics começou antes, mas inicialmente operava apenas no próprio país). Na época, a 23andMe -o nome é uma referência aos 23 pares de cromossomos que compõem o DNA humano- chamou a atenção da mídia internacional, incluindo a Super, por vários motivos.
O primeiro era o preço relativamente acessível. A análise, feita com uma amostra de saliva que você enviava para a 23andMe pelo correio, custava US$ 1.000 – um valor considerável, mas muito abaixo dos US$ 300 mil que um sequenciamento genômico completo custava na época.
Segundo, porque a empresa oferecia resultados muito detalhados: eram ao todo 58 testes, que apontavam o risco de desenvolver várias doenças, além de mapear a sua ancestralidade genética. A 23andMe também tinha uma espécie de rede social genômica, na qual você podia adicionar amigos que também tivessem feito o teste, e comparar seu DNA com o deles.
A terceira razão foi que Anne Wojcicki, uma das fundadores da 23andMe, era casada com Sergey Brin, um dos dois criadores do Google – o que levantou inevitáveis especulações sobre uma eventual aquisição da empresa (cuja sede ficava em Mountain View, a mesma cidade do Google) pelo gigante. Isso não ocorreu. O Google fez um investimento pequeno, de US$ 3,9 milhões, na 23andMe, que permaneceu independente.
Ao longo dos anos, ela levantou quase US$ 1 bilhão, lançou ações na Bolsa e fez uma parceria com a empresa farmacêutica GSK para ajudar no desenvolvimento de um tratamento anticâncer. Mas, em 2013, a FDA (a Anvisa dos EUA) suspendeu a comercialização dos testes da 23andMe, impondo uma pausa que duraria quase dois anos. O problema era que a empresa exagerava: ao contrário do que ela dizia aos consumidores, nem sempre havia uma relação cientificamente comprovada entre possuir determinados genes e desenvolver certas doenças.
Tempos depois, a 23andMe sofreria um baque ainda maior: um ataque hacker, em 2023, que expôs os dados de 7 milhões de pessoas. Isso afugentou os consumidores e abalou a imagem da companhia, que nunca mais conseguiu se recuperar – ela demitiu mais de 200 funcionários no ano passado.
A recuperação judicial dará à 23andMe prazos maiores para honrar suas dívidas (o mecanismo serve para tentar salvar empresas da falência). Porém, também significa que ela irá explorar todos os meios de levantar dinheiro para pagar seus credores – o que, em tese, pode incluir a venda a terceiros das informações genéticas dos consumidores.