Salários até têm crescido, mas baixa produtividade impede aproximação aos melhores da Europa

O ECO vai divulgar cinco séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 18 de maio. Os rendimentos das famílias, a execução dos fundos europeus, o crescimento da economia nacional, a crise da habitação e o investimento na Defesa vão estar em foco. O ECO […]

Abr 22, 2025 - 08:07
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Salários até têm crescido, mas baixa produtividade impede aproximação aos melhores da Europa

  • O ECO vai divulgar cinco séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 18 de maio. Os rendimentos das famílias, a execução dos fundos europeus, o crescimento da economia nacional, a crise da habitação e o investimento na Defesa vão estar em foco. O ECO vai fazer o ponto da situação destes temas, sintetizar as propostas dos principais partidos e ouvir a avaliação dos especialistas.

Embora esteja a subir há dez anos sem parar, o salário mínimo português está hoje mais longe dos campeões da União Europeia. E o mesmo se pode dizer do salário médio. Apesar dos aumentos dos últimos anos — e dos acordos assinados (e revisitados) na Concertação Social para a valorização dos vencimentos –, Portugal continua a sair mal na fotografia europeia. Não tem faltado ambição, sublinham os economistas ouvidos pelo ECO. Mas a baixa produtividade da economia nacional continua a travar os reforços mais expressivos dos rendimentos.

Comecemos pelo salário mínimo nacional. Após ter estado vários anos (durante a crise) congelado em 485 euros, em 2015 subiu para 505 euros, engordando, assim, 20 euros (o correspondente a 4,1%). António Costa chegou pouco depois ao poder e levou a cabo nove aumentos consecutivos da retribuição mínima nacional, mesmo durante os anos difíceis da pandemia.

Tanto que, quando o seu último Governo chegou ao fim, o salário mínimo estava em 820 euros brutos mensais. Entretanto, já com Luís Montenegro no poder, a retribuição mínima garantida subiu para 870 euros em janeiro deste ano, um aumento de 50 euros face a 2024, o equivalente a 6,1%.

Salário mínimo cresceu 6,1% este ano

Fonte: INE

Contas feitas, entre 2015 e 2025, o salário mínimo nacional engordou 365 euros, o que é sinónimo de um salto de 72,3%. Ainda assim, continua longe dos melhores da União Europeia.

De acordo com os dados divulgados pelo Eurostat em fevereiro, embora tenha avançado mais de 6% este ano, o salário mínimo português foi ultrapassado pela Lituânia (depois de já ter sido ultrapassado pela Polónia em 2024) e só não desceu no ranking europeu, porque o Chipre desceu nessa tabela.

Assim, o salário mínimo português está, neste momento, em 11.º lugar entre os Estados-membros que têm fixados salários mínimos. Há cinco anos, não estava muito longe: em 12.º lugar.

Luxemburgo tem o salário mínimo mais atrativo da UE

Fonte: Eurostat

Pior, a diferença face ao salário mínimo mais expressivo da União Europeia (o do Luxemburgo) agravou-se: em 2020, distava 1.401 euros. Agora, está a 1.623 euros.

O mesmo aconteceu face ao segundo melhor da Europa: em 2020, a diferença entre a retribuição mínima portuguesa e a irlandesa era de 966 euros. Hoje? Há quase 1.300 euros a separar estes dois vencimentos.

E mesmo se considerarmos que os diferentes países praticam preços diferentes (e, portanto, um mesmo salário tem um poder de compra diferente em cada Estado-membro), Portugal não compara bem com os demais países europeus. Está sensivelmente a meio da tabela europeia (13.º lugar), ficando atrás da Polónia e da Lituânia, mesmo depois de se ajustar os rendimentos às diferenças nos preços.

O nosso rendimento per capita continua muito longe dos melhores, e não tem melhorado muito.

Pedro Braz Teixeira

Diretor do gabinete de estudos do Fórum para a competitividade

O nosso rendimento per capita continua muito longe dos melhores, e não tem melhorado muito”, assinala Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade.

Não tem faltado ambição, o que tem faltado é prudência. Em 2015, o rácio entre o salário mínimo e o salário médio (índice de Kaitz) era de 56%, tendo subido para 68% em 2023, tornando-se o mais elevado da Zona Euro. A percentagem de trabalhadores a auferir o salário mínimo subiu de 18% em 2015 para 23% em 2023“, destaca o economista.

Também Filipe Grilo, professor da Porto Business School, salienta que o problema não é Portugal não ter tido Governos suficientemente ambiciosos.

“O Governo do PS foi bastante ambicioso na subida do salário mínimo e, verdade seja dita, aproveitou um momento perfeito do mercado de trabalho para o fazer. Com o desemprego em queda e uma forte dinâmica de criação de emprego, este era o melhor contexto para subir o salário mínimo sem efeitos imediatos negativos sobre o emprego. Mas isso não significa que esta subida agressiva não cause outros problemas importantes na sociedade portuguesa“, afirma.

Na visão deste economista — em linha com Pedro Braz Teixeira –, o “principal problema” é que o salário médio não está a crescer ao mesmo ritmo do salário médio, colocando Portugal entre os países da Europa onde essa diferença é menor. “A distância entre o salário mínimo e o salário mediano está perigosamente curta, e isso fragiliza a classe média“, enfatiza o professor.

Não é uma questão de falta de ambição política. É, isso sim, uma limitação estrutural da nossa economia. Para que o aumento do salário mínimo seja sustentável, é preciso criar as condições para que a produtividade acompanhe: melhor estrutura empresarial, setores com mais valor acrescentado e incentivos ao crescimento das empresas”, indica Filipe Grilo.

Já João Cerejeira, professor da Universidade do Minho, salienta que a Lituânia e a Polónia têm tido “um crescimento muito maior do que Portugal“. Põe, por isso, o foco na produtividade, argumentando que Portugal precisa de um perfil de especialização com uma maior aposta em setores de capital intensivo e com mais inovação para que os salários acelerem e se aproximem dos melhores exemplos europeus.

Salário médio ganha 36%, mas nem chega ao top 15 da UE

Enquanto o salário mínimo nacional é fixado por decreto — e, portanto, tem crescido por decisão dos Governos –, o salário médio só cresce se houver o ambiente adequado para tal.

Entre 2015 e 2024, a remuneração bruta total média por trabalhador aumentou cerca de 36%, de acordo com as contas do ECO, com base nos dados do Instituto Nacional de Estatística. Ou seja, bem menos do que o salário mínimo nacional. Em termos absolutos, o salário médio passou de 1.179 euros brutos em 2015 para 1.602 em 2025, uma diferença de 423 euros.

Remuneração bruta média aumentou 35,9% entre 2015 e 2024

Fonte: INE

Já no que diz respeito à comparação europeia, os dados mais recentes do Eurostat são relativos a 2023 e mostram que Portugal está em 18.º lugar na tabela comunitária, ficando abaixo da média da União Europeia.

Em 2022, já estava nessa posição, mas entre esse ano e 2023 agravou-se a diferença face à média e ao topo (Luxemburgo, Dinamarca e Irlanda).

Salário médio português está abaixo da média da UE

Fonte: Eurostat

“Entre 2015 e 2024, o PIB subiu 21%, com um crescimento de 15% do emprego e apenas 5% da produtividade. O nosso PIB tem crescido de forma limitada, mas sobretudo devido ao emprego e não da produtividade, pelo que não há condições para grandes aumentos do salário médio“, explica o economista Pedro Braz Teixeira.

Mais uma vez, é a produtividade a chave para que Portugal consiga aproximar-se dos campeões, entende o especialista, que sublinha que, para tal, seria preciso aumentar a dimensão média das empresas, reduzir a burocracia e atrair investigação e desenvolvimento de elevada produtividade.

“Para que os salários cresçam, temos de atacar as debilidades estruturais da economia portuguesa“, atira, no mesmo sentido, o professor Filipe Grilo, defendendo que é, portanto, essencial apostar em setores de maior valor acrescentado, reduzir a burocracia, tornar o regime fiscal mais favorável ao investimento produtivo e criar condições para que as empresas cresçam.

O nosso tecido empresarial continua extremamente fragmentado. Estas empresas, por muito que se esforcem, têm dificuldades em investir em tecnologia, em processos e em pessoas — tudo aquilo que gera produtividade e, com ela, salários mais altos.

Filipe Grilo

Professor da Porto Business School

“O nosso tecido empresarial continua extremamente fragmentado: como vimos, as microempresas representam 82% das empresas em Portugal. Ora, estas empresas, por muito que se esforcem, têm dificuldades em investir em tecnologia, em processos e em pessoas — tudo aquilo que gera produtividade e, com ela, salários mais altos. Neste ponto, seria importante incentivar fusões, consolidações e o crescimento orgânico”, observa o docente da Porto Business School.

“A mentalidade empresarial portuguesa, muitas vezes marcada por aversão ao risco e por modelos de gestão familiar muito fechados, é uma barreira importante. Mas também o regime fiscal não ajuda: o IRC é progressivo por escalões, o que significa que empresas que crescem e têm mais lucro pagam automaticamente uma taxa mais elevada — o que pode desincentivar a ambição de crescer“, realça.

Sem surpresas, pensões comparam mal com UE

No caso das pensões, da lei consta uma fórmula que dita as atualizações que devem ser aplicadas todos os anos, à boleia da inflação e do crescimento económico. Mas na última década, os Governos até têm sido mais generosos.

Durante os Executivos de António Costa, durante vários anos foram aplicados aumentos extraordinários às reformas mais baixas (conforme lembrou ainda recentemente o socialista Pedro Nuno Santos) e este ano tal voltou a acontecer, embora à revelia do Executivo de Luís Montenegro (que preferia dar um suplemento pago de uma vez).

De acordo com os dados da Segurança Social, entre 2017 e 2024, o valor médio mensal da pensão de velhice pago por pensionista aumentou quase 185 euros, o equivalente a um salto de 41%.

Pensão média ultrapassou 600 euros em 2024

Fonte: Segurança Social

Ainda assim, também neste ponto, Portugal compara mal com os demais países europeus, o que não surpreende, uma vez que as pensões são um resultado dos salários. Os dados do Eurostat são relativos ao rendimento médio das pessoas com 65 anos ou mais e Portugal está longe do topo (mais uma vez, é o Luxemburgo que se destaca, seguindo-se a Dinamarca e os Países Baixos).

Salários baixos implicam, inevitavelmente, reformas baixas“, nota o professor Filipe Grilo. “Tem que ver com o fraco rendimento per capita, mas também com um envelhecimento muito rápido, mais do que na média da UE. Com pouco PIB, não há margem para grande generosidade. Com muitos pensionistas, comparados com o número de trabalhadores, também não é possível pagar pensões muito elevadas“, acrescenta, em concordância, Pedro Braz Teixeira.

O cenário futuro também não é particularmente soalheiro. De acordo com o relatório “Ageing Report 2024” da Comissão Europeia, a taxa de substituição das pensões (isto é, a fatia do último salário que é “vertida” na reforma) deverá cair para 38,5% em 2050.

“Isso significa que um trabalhador com o salário mediano (cerca de mil euros) terá, no futuro, uma pensão inferior a 400 euros mensais. Ou seja, ficará logo abaixo do limiar que dá acesso ao Complemento Solidário para Idosos“, avisa o professor Filipe Grilo. Conseguir que os salários de hoje acelerem será, portanto, positivo não só para as carteiras dos trabalhadores atuais, mas também os dos futuros pensionistas, emagrecendo a diferença entre Portugal e os campeões do Velho Continente.