Ricardo Teodósio e um estilo moldado por décadas de paixão: “a esponja da sabedoria começa a ficar saturada, né?”
Num desabafo sentido, Ricardo Teodósio abre o coração sobre os desafios por que passa um piloto à beira dos 50, confrontado com a evolução implacável do desporto motorizado. Longe vão os tempos dos carros indomáveis, de tração traseira e integral, que moldaram a sua paixão. Hoje, a minúcia e a precisão cirúrgica dominam, exigindo uma […] The post Ricardo Teodósio e um estilo moldado por décadas de paixão: “a esponja da sabedoria começa a ficar saturada, né?” first appeared on AutoSport.

Num desabafo sentido, Ricardo Teodósio abre o coração sobre os desafios por que passa um piloto à beira dos 50, confrontado com a evolução implacável do desporto motorizado. Longe vão os tempos dos carros indomáveis, de tração traseira e integral, que moldaram a sua paixão. Hoje, a minúcia e a precisão cirúrgica dominam, exigindo uma adaptação que teima em não acontecer. Será que a ‘esponja da sabedoria’ já não absorve mais nada, ou serão os carros tão ‘robots’ que se afastaram dos pilotos?

Na Aboboreira, a chuva transformou o belo troço num campo de batalha escorregadio, onde Teodósio lutou contra um carro rebelde. Entre derrapagens e encontros imediatos com barreiras, a sorte teimava em esgotar-se. Ricardo, um rali desafiante… “Ui, muito desafiante, muito difícil. E esta última passagem no troço da Aboboreira, que é um troço tão bonito, com a chuva, estragou-nos à festa, a mim e talvez também o público que estava a ver.
Não tivemos o mesmo desempenho da primeira passagem.
Ainda tivemos um encontro imediato com uma barreira e com umas pedras, mas pronto, isto também temos que ter um bocadinho de sorte às vezes e também saber bater…
Neste troço perdi o carro e umas cinco ou seis vezes, e quando digo perder o carro, é já não haver mais volante. Isso e acreditar no acelerador e dizer: vamos embora e vai ter que dar, vai ter que dar e deu.
Mas pronto, houve uma que não deu…”
Mas já foi para aí a sétima, ‘tás’ a ver? Das outras antes, deu…
Mas foi muito difícil. Infelizmente temos o tempo não nos ajuda nada. Nem para mim, nem para ninguém…”
Felizmente, esta dança frenética que Ricardo Teodósio sempre nos habituou, quase sempre acaba bem, mas a frustração tolda-lhe alguma alegria de conduzir. Mas se bem conhecemos este fantástico algarvio, nunca vai perder a esperança de domar a fera e reencontrar a harmonia perdida: “Nós temos andado, pá, estamos este ano de Hankook e temos que trabalhar mais. Temos que trabalhar o carro para este pneu. Temos conseguido evoluir, mas precisamos mais quilómetros. Temos que fazer mais quilómetros e mais quilómetros para que eu me sinta 100% à vontade. Eu sinto-me bem. Eu venho conduzindo da minha maneira bem, mas os tempos não saem…”, lamenta.

A conversa envereda depois para as subtilezas da máquina, pelas diferenças entre o carro dócil que lê o chão e os ‘bichos’ de outrora, de tração traseira e integral. Aos comandos, Ricardo sente que a sua ‘biblioteca de experiências’ está a atingir o limite. Os jovens lobos, habituados à tração dianteira, parecem falar outra língua. Será que o problema reside na falta de afinação, ou na teimosa recusa em reinventar um estilo moldado por décadas de paixão?
“Há diferenças, há diferenças. Este carro aqui é mais dócil que o outro (ndr, o Hyundai20 N Rally2 de 2024).
Este carro aqui pisa muito bem, lê muito bem o chão, mal pisa, lê muito bem. Mas depois tem um motor que é diferente do outro, três cilindros, estamos com um binário a mais baixa rotação.
O outro é mais alta rotação, mas isto no final da brincadeira, isto mais coisa, menos coisa, isto vai dar tudo ao mesmo, as ‘cavalagens’, porque os carros têm quase todos a mesma cavalagem.
E depois é desempenho da suspensão e geometria do carro e tudo isso, mas pronto, nós temos trabalhado…
E temos vindo a evoluir e evoluir e evoluir, mas a evoluir, mas a evolução é muito pequenina, sabes?
A gente precisava testar mais e não temos conseguido e depois é assim, já não tenho 18 nem 20…
Já tenho quase 50 e eu costumo dizer na brincadeira que é a esponja, a esponja da sabedoria começa a ficar saturada, né? E chega a um ponto que aquilo já não absorve mais nada, né?
Por muito só se tu apertares aquilo da outra vez, fazer um reset e abrires a esponja para tirar a água.
E eu, pronto, esta rapaziada mais nova vê as coisas de outra maneira.
Mas só estão habituados a conduzir carros de tração à frente, que se conduzem de uma maneira diferente daquilo que fui habituado a conduzir. Tração atrás e tração às quatro, Mitsubishi que se conduzia de outra maneira do que estes carros, e eu tenho tido dificuldade em conduzir os carros, porque os carros não são eficazes da maneira que eu conduzo.
Ou seja, eu tenho que mudar, tenho que mudar, mas eu acho que eu acho que já não tenho idade para mudar.
E acho que fazem os carros, é que tinha que fazer os carros para pilotos.
Fazem os carros para pilotos de pistas e depois não dá, né?
E eu não consigo andar dessa maneira. Não consigo, eu consigo, mas tem que estar tudo muito bem afinadinho…
Não é que esteja mal, mas eu tenho que estar a 100%.”
Mas sais daqui satisfeito?
“Eu saio satisfeito com o resultado com o resultado final, não foi o que nós queríamos. Claro que nós queríamos um pódio, mas não conseguimos.
Conseguimos chegar ao fim, divertimos imenso na primeira passagem do troço da Aboboreira, que é o que mais importa para mim, além do resultado final, claro, que tem que representar todos os meus patrocinadores e fazer o melhor possível, mas tenho sempre que chegar ao fim e pontuar, porque a guerra não se ganha só numa batalha, né? No fim do campeonato é que se ganha a guerra e eu sei que não vai ser nada fácil este ano, mas se nós não tivermos aqui lutando e continuando na estrada, não conseguimos…”