“Quero trabalhar junto do Governo para a aplicação do regime fiscal geral para os advogados”
João Massano, até aqui líder do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados (desde 2019) é o novo bastonário da Ordem dos quase 40 mil advogados. O advogado – que venceu na segunda volta do ato eleitoral realizado a 31 de março – venceu Fernanda de Almeida Pinheiro com 54,58% (9.541 votos), mais 1500 […]


João Massano, até aqui líder do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados (desde 2019) é o novo bastonário da Ordem dos quase 40 mil advogados. O advogado – que venceu na segunda volta do ato eleitoral realizado a 31 de março – venceu Fernanda de Almeida Pinheiro com 54,58% (9.541 votos), mais 1500 que a anterior bastonária. A tomada de posse está marcada para esta quinta-feira, no Largo de São Domingos, sede da OA, em Lisboa.
Em entrevista à Advocatus, o advogado nascido e criado em Odivelas, explica qual é a sua visão para a classe, o propósito de unir a advocacia, de acabar com o regime de transparência fiscal dos advogados, como pretende ajudar os jovens advogados e fala das vantagens, mas também dos riscos, da Inteligência Artificial. As quotas cobradas pela OA, o sistema de previdência dos advogados, o sistema de acesso ao direito e o estatuto dos advogados são também uma preocupação do homem que toma posse esta semana para o próximo triénio do Largo de São Domingos.
Quando tomar posse, qual é que vai ser a sua primeira medida na agenda?
Quando o Governo tomar posse – que só será no mês de junho – vou pedir uma reunião com o novo ministro/a da Justiça. Mas é óbvio que, até lá não vou estar parado e eu vou iniciar a implementação da plataforma dos DPAs, a implementação da maior transparência na Ordem dos Advogados através do lançamento das bases do balcão online como já existe no Conselho Regional de Lisboa a nível nacional e vou acabar com a censura nas redes sociais. Uma das coisas que é essencial é começar a trabalhar numa proposta da classe de estatuto dos advogados.
Acha que nesse assunto o anterior mandato falhou?
Acho que sim. Eu, independentemente de conseguirmos ou não convencer os partidos políticos e o governo daquilo que queremos, acho que era importante ter uma proposta. Não há uma proposta que tenha sido debatida numa Assembleia Geral do tempo da anterior bastonária.
Quando é que começou a ficar envolvido na estrutura da Ordem? O que é que gostou na Ordem?
Foi a formação. Foi a única coisa que me motivou mesmo, porque eu comecei como tesoureiro e não achava piada nenhuma. Fazia, mas não era aquilo que me motivava.
Quem é que o trouxe para a estrutura da Ordem?
Foi o Vasco Marcos Correia, na altura presidente do Conselho Regional. Foi ele que me fez o convite para eu ser o tesoureiro dele. Mas a formação é que, de facto, me entusiasmou porque contactava com pessoas diferentes. Pela formação, eu começo a conhecer todo o Conselho Regional de Lisboa e toda a área do Conselho Regional de Lisboa e não imagina a diferença que há entre Lisboa e Sintra, mesmo aqui ao lado. Ou mesmo entre Lisboa, Cascais e Amadora. Portanto, essa vivência que eu ganho, só se ganha com uma formação no terreno.
Tal como na campanha….
Foi das coisas que eu gostei mais na campanha, foi falar com pessoas diferentes e ver as diferenças que existem entre Bragança e, por exemplo, a Ilha Terceira, nos Açores.
É um homem muito de redes sociais…
Eu costumo dizer que estou em todas, menos no Tinder (risos).
Durante a campanha há quem tenha dito – não como crítica ou elogio – que se virou mais para as pessoas ou seja, chegou a um ponto em que percebeu que a diferença com a Fernanda Almeida Pinheiro tinha que ser falar com as pessoas? Concorda?
Absolutamente. Mas eu sempre tive a perceção de que uma coisa não pode passar sem a outra. Ou seja, eu defendo e sempre defendi, e aliás até na atividade do Conselho Regional, que a comunicação é fundamental.
Acha que a sua participação na televisão, na TVI e depois na RTP ajudou à vitória?
Ajudou, claro que sim.
Mas não ajudou a ex-bastonária…
Não ajudou a Fernanda de Almeida Pinheiro porque tudo depende da forma como se está na televisão e do que se faz na televisão.
Teve media training para isso?
Não tive nenhum media training. Tenho – e tenho tido sempre – a minha intuição a funcionar. O que se vê é o que eu sou. Eu às vezes até sou acusado de dizer coisas que não devo, que deveria ter mais cuidado no que digo, mas eu cheguei aqui assim….
E agora, acha que vai ter que mudar um bocadinho?
Acho que posso ter que mudar alguma coisa. Principalmente porque a assertividade nem sempre funcionou a favor de alguns bastonários. E porque acho que as pessoas confiaram em mim como sou. As pessoas disseram que eu sou a pessoa que eles querem à frente da Ordem dos Advogados e querem um estilo diferente. Neste momento houve uma rejeição clara de uma forma de estar e de ser, não vale a pena estarmos a dizer o contrário. As pessoas querem que a Ordem dê dignidade à classe.
Que a classe tenha mais classe?
Sim, que a classe tenha mais classe. Outra forma de estar e uma OA que consiga falar com as pessoas. E foi isso que eu disse às pessoas. Eu não fiz grandes promessas. Portanto, a diferença de estilo, creio que já foi notória, até pelas entrevistas que eu tenho dado, e isso é óbvio que eu acho que um bastonário, até como qualquer dirigente da ordem, não pode ficar no seu gabinete, nem pode ficar só nas redes sociais, porque as pessoas têm que ver o homem ou a mulher para além do que está nas redes.
Mas, claro, é óbvio que hoje em dia ninguém pode prescindir das redes, porque se se juntar a parte pessoal e a proximidade com as redes, é o ideal, tu não podes ter uma coisa sem a outra porque não se consegue estar em todo o lado ao mesmo tempo. Portanto, a única forma que se tem de suprir a ausência, entre aspas, presencial. Mas se se juntar a isso um conhecimento que as pessoas já têm de nós, do dia-a-dia, ou de terem visto ou de terem falado comigo, é o ideal.
As pessoas disseram que eu sou a pessoa que eles querem à frente da Ordem dos Advogados e querem um estilo diferente. Neste momento houve uma rejeição clara de uma forma de estar e de ser, não vale a pena estarmos a dizer o contrário. As pessoas querem que a Ordem dê dignidade à classe”
Quantas horas andava a dormir na altura da campanha?
Nem sei, eu agora estou de ressaca de cansaço. Porque tivemos de fazer uma campanha – que normalmente é um ano – em quatro semanas.
No dia que ganhou as eleições, disse que foi um dos dias mais felizes da tua vida.
Foi.
Esta era uma ambição que tinha desde sempre?
Isto, para mim, é uma vitória tremenda. Primeiro, porque ganhamos à bastonária incumbente, o que não é fácil porque era uma incumbente que tinha dois anos e qualquer coisa no terreno.
Mas admite que vocês os dois tinham essa vantagem face aos outros candidatos, experiência no terreno e cargos na OA…
Claro, eu sempre reconheci que é muito difícil quando não se tem um cargo. Mas o mais importante foi nós conseguimos ganhar com uma campanha limpa limpa, pela positiva, não atacamos ninguém e falávamos apenas do que queríamos fazer, do nosso programa.
A campanha da bastonária foi assim? Suja e não limpa?
Eu acho que é óbvio que sim. Repare, e isso foi uma das coisas que eu mais digo às pessoas que me rodearam: nós conseguimos fazer algo que não é fácil de fazer, que é conseguir manter um nível diferente, não responder a ataques, não atirar lama para cima de ninguém, falar do que queremos fazer e apenas isso. Desde que tomei posse como Presidente do Conselho Regional de Lisboa estava debaixo de fogo.
Porquê?
Porque achavam que eu ia ser candidato a bastonário desde essa altura. E desde essa altura, que fizeram um bocadinho como o Rei Herodes tentou fazer a Jesus.
Nas redes eu fui insultado de tudo e mais alguma coisa durante o primeiro mandato, porque já achavam que eu iria candidatar-me – na altura em que a Dra. Fernanda ganhou – e por isso tentaram aniquilar as minhas possibilidades com processos disciplinares para ver se eu não chegava sequer à candidatura.
Mas como?
Fizeram uma campanha como eu acho que nunca houve uma igual. Fizeram tudo para que nós não ganhássemos. Primeiro, que não passássemos à segunda volta, porque houve o claro privilégio de outras candidaturas em relação à minha, porque os ataques que havia eram só praticamente dirigidos à minha pessoa e à minha lista.
Nas redes eu fui insultado de tudo e mais alguma coisa durante o primeiro mandato, porque já achavam que eu iria candidatar-me – na altura em que a Dra. Fernanda ganhou – e por isso tentaram aniquilar as minhas possibilidades com processos disciplinares para ver se eu não chegava sequer à candidatura”
Mas atacaram o José Costa Pinto quando o advogado decidiu apoiar formalmente a vossa candidatura…
Só aí. Portanto, eu diria que houve um benefício claro. A estratégia que eu segui desde sempre, mesmo na minha primeira campanha para o Conselho Regional de Lisboa, foi sempre de não responder a ataques.
A sua candidatura foi uma candidatura dos grandes escritórios versus a de defesa dos advogados com menos condições e de prática individual?
É óbvio que não. Quando alguém se candidata a um cargo dirigente de alto grau, seja na política, no governo e noutras instituições que representam os cidadãos nas suas mais variadas facetas, deve ter presente que, se ganhar, terá obrigatoriamente de representar, como um todo, quem o elegeu.
Se quiser, parafraseando um antigo presidente da República, a minha é uma candidatura de “todos os advogados” e serei bastonário de “todos os advogados”. Nem sequer vejo como poderia ser de outra forma, uma vez que essa é uma das missões principais da Ordem. Já o disse e repito-o aqui de novo: a Ordem deve trabalhar e acolher todos os advogados, porque todos e cada um se debatem com questões diferentes, algumas que podem atingir mais uns do que outros, mas a Ordem deve trabalhar para dar resposta a todos.
Há muitos colegas que deixaram de se rever no posicionamento da Ordem e que não entendem o caminho que tem seguido porque sentem que esta se distancia cada vez mais da defesa dos interesses e problemas reais dos advogados. Temos tido uma Ordem que, à vez, se orienta para os advogados ‘coitadinhos’ ou para advogados ‘bem na vida’.
Eu não quero nem uma coisa, nem a outra, não quero uma Ordem de ‘quintas’, ora dos advogados da prática individual, ora dos escritórios, ora das grandes sociedades, ora do apoio judiciário. Isso não existe, somos todos advogados, cada um a exercer a profissão nas condições que escolheu ou porque optou. Por isso esta candidatura nunca poderia ser só de uns ou de outros e, sobretudo, porque eu repudio essa ideia.
De qualquer forma, a sua candidatura a bastonário foi um caminho estudado…
Sim, sim. Eu tive muita gente a pedir-me e eu acho que me candidatei no tempo certo. Eu acho que a melhor forma de conseguirmos derrotar algumas tendências populistas é deixá-los ir ao poder. Os populistas revelam-se e não conseguem fazer o que dizem. É muito fácil estar cá fora a dizer não fizeste isto, não fizeste aquilo, não fizeste não sei o quê. E depois chegam lá e não conseguem fazer o que dizem. Porque não é possível, nomeadamente quando se prometem coisas que não são competência de Conselho Geral dos Advogados.
Mas a ambição estava lá, então?
Eu começo a querer ser bastonário a partir do momento em que sinto que há uma ordem em Lisboa e uma ordem fora de Lisboa. Eu começo a ser bastonário a partir do momento em que eu vejo que as formações do Conselho Regional de Lisboa, felizmente, numa circunstância infeliz, passaram a ser nacionais.
E a partir do momento em que eu sinto verdadeiramente que podemos fazer a diferença… eu acho que tinha que me candidatar. Não o fiz há três anos, porque achava que ainda tinha muitas coisas para fazer no Regional, e ainda bem que não o fiz, porque acho que este foi o momento certo.
Mas o momento ideal teria sido no final do mandato de Fernanda Almeida Pinheiro, não é?
Se ela tivesse cumprido o mandato até ao fim, acredito que ela tivesse ainda menos votos, portanto…Mas acredito que Deus escreve direito por linhas tortas.
Muita gente me disse “isto é uma armadilha para ti, tu vais perder. Tu não vais ter tempo de preparar. Eu tive ‘n’ arautos da desgraça a dizerem, tu vais perder porque ela está no terreno há dois anos”. Mas eu disse que esta é a altura. Se ela provocou as eleições, mesmo que eu perca, paciência, vou ser advogado, que é o que eu sou.
Não quero uma Ordem de ‘quintas’, ora dos advogados da prática individual, ora dos escritórios, ora das grandes sociedades, ora do apoio judiciário. Isso não existe, somos todos advogados, cada um a exercer a profissão nas condições que escolheu ou porque optou. Por isso esta candidatura nunca poderia ser só de uns ou de outros e, sobretudo, porque eu repudio essa ideia”
Porque escolheu não ter exclusividade como bastonário?
Eu quero ser advogado e estar junto dos advogados.
Qual é a sua visão para o futuro da Ordem dos Advogados?
Quero uma Ordem dos Advogados (OA) moderna e respeitada por todos, a começar pelos advogados que deve representar e pela advocacia, como profissão, que deve defender.
Mas a Ordem é muito mais que isso: tem um papel institucional na sociedade e deve ser ouvida e respeitada como um agente indispensável do nosso sistema de Justiça, sobretudo pelo poder político. Só dessa forma se consegue defender a importância e a necessidade do papel do Advogado na defesa dos direitos, liberdades e garantias e do regime democrático.
Vejo no futuro próximo uma OA que dialoga e negoceia, que contribui e constrói um melhor sistema de Justiça, em cooperação com os outros agentes, abandonando a lógica confrontacional com as instituições que tem tido nos últimos tempos.
Quero uma Ordem que promove o diálogo construtivo para dentro e para fora e é por isso que, no meu programa, defendi medidas como (i) a criação de canais de comunicação regulares e eficazes com o Ministério da Justiça (mas também com o Parlamento e com os Grupos Parlamentares) para abordar temas da Advocacia e da Justiça em geral, (ii) a participação ativa da OA em grupos de trabalho e comissões relacionadas com temas que afetam a prática da Justiça, como o SADT mas também outros como (exemplo prático) a mudança do campus da Justiça em Lisboa, em que participo em nome do CR Lisboa, etc.
Mas também quero uma Ordem que ouve, responde e trabalha com todos os seus órgãos internos e com todos e cada um dos Advogados. Uma Ordem que não se ‘fecha’ em Lisboa e ignora os colegas que trabalham todos os dias em todos os pontos do país.
E sobretudo, quero uma Ordem que fala a uma só voz, não no sentido de uma liderança autoritária, que impõe os pontos de vista de uma pessoa única, mas que debate internamente as posições que quer assumir sobre determinados temas e que depois, para fora, ‘puxa’ toda para o mesmo lado, demonstrando consistência, coerência, força e união.
Medidas para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores?
É preciso ir além do debate entre a manutenção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e a migração para a Segurança Social. Além dessas duas possibilidades, e enquanto essa definição está a ser estudada pelo Governo, penso que devemos tomar a iniciativa e considerar uma terceira via: a criação de um sistema híbrido inovador, concebido para transcender as limitações inerentes aos dois sistemas, e que ofereça uma proteção mais robusta e adaptada às necessidades atuais da classe.
Esse modelo – inspirado no dos bancários – assentaria em três pilares fundamentais, proporcionando uma proteção integral ao longo da carreira: (i) proteção na velhice (através da criação de PPR especializados), (ii), proteção na perda de rendimentos (expandindo e aperfeiçoando o plano atual da CPAS) e (iii) proteção na doença (implementando um sistema de saúde específico para a Classe, inspirado no modelo dos bancários).
Medidas para o Sistema de Acesso ao Direito?
Sobre o apoio judiciário, defendo a luta pela dignidade dos advogados inscritos no SADT, com a atualização regular da tabela de honorários, a garantia de condições adequadas de trabalho nos tribunais e instituições e o pagamento de honorários pelo IGFEJ todos os meses do ano, entre outras medidas.
Mas considero também que é urgente modernizar o sistema atual – um exemplo de uma tarefa em que a Ordem pode e deve trabalhar com os outros agentes da Justiça para melhorar o seu funcionamento – , com o uso mais atempado das plataformas CITIUS/ SITAF, para acelerar a inscrição dos Advogados e o pagamento das sessões já confirmadas e validadas pelo tribunal, remetendo automaticamente para o IGFEJ que deverá pagar num prazo de 30 a 45 dias após o pedido.
Quais são as suas propostas para valorizar a profissão de advogado e combater a precariedade no setor?
Quero ‘tomar o pulso’ à classe porque há muitos anos que não é feito um retrato concreto do que é a advocacia hoje em Portugal.
Para isso pretendo realizar uma espécie de roadshow pelo país, para conhecer os Advogados, reunir com as estruturas da Ordem, auscultar os seus problemas e necessidades, com vista a melhorar o funcionamento interno e promover união e sinergias. Quero também realizar um Inquérito à classe, para que possamos obter esse retrato mais atualizado da Advocacia em Portugal e fazer um levantamento dos principais desafios.
Depois, acho imperativo remodelar a tabela de quotas cobradas pela OA, promovendo a não atualização de quotas durante o mandato inteiro e o incremento de um patamar intermédio e revisão de valores.
Quero continuar a lutar pela dignificação dos atos próprios dos Advogados e vou fazer o que estiver ao meu alcance para negociar a reversão e adequação à realidade da profissão das alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), sensibilizando o Governo e os grupos parlamentares para essa necessidade.
Também quero criar uma Comissão Contra o Isolamento da Advocacia, a qual deverá ser integrada por vários Colegas das mais diferentes Comarcas, para que se possa criar uma efetiva rede de apoio à Classe, sentindo e sistematizando as diversas necessidades dos Advogados nas diferentes regiões do País, para depois se poder atuar convenientemente. Para isso, serão organizados fóruns de troca de ideias nas diversas Delegações, para depois se intervir na integração de todos os Advogados na nossa Ordem.
Outra iniciativa que quero tomar é trabalhar junto do Governo para a aplicação do regime fiscal geral (como alternativa ao regime da transparência fiscal) a todas as sociedades de advogados, mesmo que estas não sejam integradas por sócios que não se encontrem inscritos no exercício da Advocacia, acabando-se com a discriminação atentatória criada pela atual lei que favorece claramente terceiros em detrimento dos advogados. Além disso, temos como objetivo sensibilizar o poder político para a necessidade de reduzir a taxa de IVA aplicada às prestações dos nossos serviços para 6%.
Quero criar uma Comissão Contra o Isolamento da Advocacia, a qual deverá ser integrada por vários Colegas das mais diferentes Comarcas, para que se possa criar uma efetiva rede de apoio à Classe, sentindo e sistematizando as diversas necessidades dos Advogados nas diferentes regiões do País”
Como a OA pode apoiar os jovens advogados no início da sua carreira?
Para haver jovens advogados é primeiro preciso que consigamos ter jovens estagiários o que está muito comprometido, como sabemos, com as alterações ao EOA promovidas, há dois anos, pelo então Governo do PS. Uma dessas medidas, com a qual concordo como princípio, foi a de promover os estágios remunerados na Advocacia. Mas o mesmo governo não quis ou não soube equacionar se havia condições objetivas para o pagamento desses estágios. Ou não teve quem lhe explicasse as realidades da vida da Advocacia.
Por isso, uma das coisas que quero fazer é revisitar esse tema e propor a implementação de medidas no sentido de o Estado assegurar ou viabilizar os meios financeiros necessários à formação dos Advogados estagiários, seja criando bolsas ou disponibilizando acesso a outros meios de financiamento, seja com apoios do IEFP ou outros similares, de modo a permitir que todos os Colegas tenham a possibilidade de dar estágio remunerado.
Além disso, as medidas transversais de que já aqui falei, como a formação e o Programa Advogado 360, também se aplicam aos Colegas mais jovens, sobretudo na área da formação complementar, as chamadas soft skills, para ajudar os jovens advogados a planearem a sua prática.
Também defendo a implementação de uma linha de crédito bonificada, para jovens advogados que pretendam iniciar a sua atividade, para instalação de um escritório, etc., entre outras medidas.
Como a OA pode garantir a independência dos advogados face a pressões políticas, económicas ou mediáticas?
Sempre entendi e entendo que a independência dos Advogados é fundamental para o funcionamento de um sistema de justiça equitativo e eficaz. A Ordem dos Advogados deve, portanto, ser uma “fortificação” da independência da Advocacia, garantindo que os Advogados possam atuar com liberdade e segurança, independentemente das pressões externas.
Para alcançar esse objetivo, a OA deve defender a autonomia dos Advogados, protegendo-os de influências políticas, económicas ou mediáticas que possam comprometer a sua capacidade de representar os clientes de forma ética e eficaz. Isso inclui promover uma cultura de resistência a pressões externas, oferecer suporte institucional aos Advogados e garantir que as normas deontológicas sejam rigorosamente aplicadas para evitar conflitos de interesses ou condutas abusivas.
Além disso, a OA deve manter um diálogo constante com o poder legislativo e outros atores sociais para assegurar que as leis e regulamentações respeitem a independência da Advocacia. Isso pode ser alcançado através da criação de comissões específicas que analisem e critiquem as reformas legislativas que afetem a profissão, garantindo que a voz dos Advogados seja ouvida e considerada no processo legislativo.
A formação contínua também desempenha um papel essencial, pois ajuda a reforçar a importância da independência profissional entre os Advogados. Workshops e seminários sobre dilemas éticos e estratégias para resistir a pressões externas podem ser particularmente benéficos.
Em resumo, a OA deve ser uma instituição forte e respeitada que proteja a independência dos Advogados, garantindo que eles possam exercer a sua profissão com integridade e liberdade, mesmo perante todos os desafios externos que enfrenta. Essa é uma missão essencial para a manutenção da confiança pública no sistema jurídico e para a defesa dos direitos dos cidadãos.
A OA deve defender a autonomia dos Advogados, protegendo-os de influências políticas, económicas ou mediáticas que possam comprometer a sua capacidade de representar os clientes de forma ética e eficaz. Isso inclui promover uma cultura de resistência a pressões externas, oferecer suporte institucional aos Advogados e garantir que as normas deontológicas sejam rigorosamente aplicadas para evitar conflitos de interesses ou condutas abusivas”
Como vê o impacto da inteligência artificial e da automação na profissão de advogado?
A Inteligência Artificial (IA) está a perturbar quase todas as indústrias e profissões, algumas de forma mais rápida e profunda do que outras. Enquanto, por um lado, está a otimizar trabalhos sustentados por mão-de-obra física, por outro, a IA está também a provocar uma mudança muito profunda em muitas funções especializadas ligadas aos serviços que antes se pensava estarem protegidas da automatização.
Algumas destas profissões estão a ser completamente transformadas pelas capacidades sobre-humanas da IA para fazer coisas que antes não eram possíveis, aumentando – e até certo ponto substituindo – os seus ‘colegas’ humanos nos escritórios.
E a prática do Direito não está a ser alheia a esta revolução. Para a Advocacia, a IA tem muitas vantagens já que economiza tempo, aumenta a produtividade, melhora o acesso à Justiça, aumenta as oportunidades de negócio, permite uma avaliação de risco mais precoce (e mais precisa), melhora a estrutura organizacional e lógica, aumenta a análise criativa e a identificação de precedentes persuasivos, tudo além de reduzir o stress e a frustração dos Advogados e de melhorar as relações com os clientes.
Mas esta ferramenta tecnológica não é isenta de riscos e tem de ser usada com responsabilidade e regras de regulação claras. Há um conjunto de desafios e considerações que os Advogados devem ter em conta antes de avançar para estas soluções e devem ser cautelosos ao confiar em ferramentas de IA sem supervisão, até por causa das questões éticas, que vão desde o sigilo profissional, à proteção de dados, ao potencial de enviesamento de decisões, etc.
Ou seja, acredito que embora não seja infalível e exija que os Advogados sejam cautelosos, a IA para Advogados tem o potencial de transformar positivamente a forma como trabalham. Quando usadas com responsabilidade, as ferramentas de IA podem ser ensinadas a automatizar e executar tarefas rotineiras, ajudando os Advogados a realizar mais com menos tempo e esforço, libertando tempo para uma melhor relação com os clientes, a um custo menor. Desta forma, a utilização de ferramentas de IA também pode ajudar a melhorar o acesso à Justiça.
Como encara a atual situação política e a marcação de eleições antecipadas para este mês?
A análise que eu faço disto tudo é: acho péssimo haver eleições agora. Acho que não deveria acontecer uma eleição neste momento. Até porque nós sabemos que a sociedade está muito partida e provavelmente os resultados das eleições também não vão alterar grande coisa.
Vai haver um partido que tem mais um pouco, outro um pouco menos, ou coisa que o valha, mas não vai resolver o problema de fundo. Eu acho que era muito importante, ainda para mais com todas as ameaças externas que temos, era muito importante que os maiores partidos não tivessem chegado a um ponto de não retorno.
Pareciam duas cabeças duras, a teimarem, não é?
Eu acho que sim.Houve uma altura em que eles se encostaram tanto um ao outro que já não conseguiram recuar. Mas encostaram no sentido quase como no futebol, cabeça à cabeça.
E depois já não podiam recuar sem perder a face.
Quem teve a culpa desta crise política?
Eu creio que, obviamente, ainda que Luís Montenegro venha a ser novamente incomodado com a questão da empresa, já parecerá ressabiamento, se isso acontecer, a menos que venham factos verdadeiramente graves, para além daqueles que já existem. Eu acho que o Pedro Nuno Santos acabou por ser empurrado para umas eleições: sinceramente acho que ele não queria eleições. Porque ele tem noção que dificilmente pode ganhar.
Para onde é que o mundo pode estar a caminhar com esta guerra comercial toda do Trump?
Portugal vai sofrer, mas eu tenho esperança que se aproveite esta crise. Há oportunidades que podem surgir. E uma coisa que é muito positiva do que se está a ver é a união que a União Europeia está a tentar criar. E isso pode ser positivo, porque uma das coisas que eu nunca percebi foi porque é que nós ficámos tão dependentes de terceiros fora da União Europeia. E a esperança que eu tenho é que, de uma vez por todas, os líderes europeus percebam que não podemos ficar dependentes da China, não podemos ficar dependentes da Rússia, não podemos ficar dependentes dos Estados Unidos. Podemos cooperar com eles, obviamente, ter parcerias e devemos ter boas relações. A única forma da Europa conseguir ter alguma hipótese no meio disto tudo é ser também um gigante continental.