Espetáculo na Câmara chama a atenção para pessoas com deficiência
Pela primeira vez, o Salão Nobre da Câmara dos Deputados recebeu uma apresentação artística completa. A peça "Feliz Ano Novo", encenada por cinco atores com deficiência, emocionou o público e ressaltou a exclusão cultural vivida por pessoas com deficiência no Brasil

O Salão Nobre da Câmara dos Deputados, tradicionalmente reservado para sessões solenes e cerimônias protocolares, abriu suas portas nesta quinta-feira (8/5), para algo inédito. Pela primeira vez em sua história, um espetáculo artístico foi apresentado de forma íntegra no espaço.
Trata-se de Feliz Ano Novo, do Teatro dos Sentidos, um marco que abre caminho para novas possibilidades de inclusão no ambiente político e cultural brasileiro.
A realização foi possível graças à promoção da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Câmara dos Deputados, atualmente presidida pelo deputado Duarte Júnior (PSB-MA), que ouviu sugestões da sociedade civil e apostou na potência transformadora da arte acessível.
Mais do que uma peça, “Feliz Ano Novo” é uma experiência sensorial, onde o público, vendado, é imerso em uma narrativa construída para ser sentida com todos os sentidos, com exceção da visão.
A metáfora de “tirar a venda” simboliza o despertar para a presença, a potência e a exclusão vivida pelas pessoas com deficiência no Brasil.
“A gente convida as pessoas para uma experiência artística. Mas depois pede para tirar as vendas. É uma venda simbólica: percebam os números, percebam quantas pessoas com deficiência existem. Nós somos os mais excluídos dos excluídos”, afirma Paula Wenke, diretora, roteirista e atriz do espetáculo — que também é autista.
Com elenco de 20 atores — incluindo cinco com deficiência —, trilha sonora original, uma exposição tátil com obras de 20 artistas e uma narrativa que combina drama, romance e humor, Feliz Ano Novo escancara que é possível produzir arte de altíssima qualidade fora dos padrões convencionais. O espetáculo provoca, emociona e, sobretudo, educa.
“Não existe uma ‘para-cultura’. A cultura abrange todo mundo. E nós podemos estar nas novelas, nos filmes, nos palcos. Mas os produtores ainda não conhecem nossos números, nem nossa capacidade”, critica Paula.
A aposentada Maria Ilze Venquimota de Castigo, de 83 anos, resumiu sua experiência. "As sensações são muito fortes. Drama, romance, humor… é muito aprazível. Toda vez que o Teatro dos Sentidos estiver em cartaz, eu pretendo assistir", disse.
Falta de espaço
Apesar da consagração simbólica dentro da Câmara, a organização reclama de dificuldades. De acordo com Paula Wenke, o espetáculo já foi recusado diversas vezes pelo Fundo de Apoio à Cultura do DF (FAC) por não apresentar audiodescrição no orçamento. Wenke critica essa restrição, por entender que o projeto é voltado especificamente para o público cego.
“Eles não leem o projeto. Só olham o orçamento e dizem: ‘faltou isso’. Isso mostra como Brasília, apesar das leis, ainda trata com negligência a produção cultural inclusiva”, critica a diretora.
O Correio entrou em contato com Secretaria de Cultura do Distrito Federal e foi informado pela assessoria de comunicação que a situação será encaminhada para os setores responsáveis para análise com retorno até esta sexta-feira (9/5). O espaço está aberto para a resposta.
Sobre o evento
Com 25 anos de trajetória, o Teatro dos Sentidos aposta no encantamento e na emoção para tocar o público e provocar reflexão. Paula Wenke ressalta que a peça não é um panfleto, mas sim um convite sensível à mudança de percepção. E sonha alto: quer fixar o espetáculo em Brasília e abrir sessões semanais para escolas, seguidas de palestras sobre inclusão e cidadania.
“A gente precisa plantar essa cultura. Cultura é o que você cultiva para colher depois. Nós temos leis boas, mas se a cabeça das pessoas não mudam, elas não funcionam. E só uma experiência afetiva forte pode promover essa transformação”, afirma a organizadora do espetáculo.
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