Quem lucra com o ódio às mulheres na internet
Eu estava ao lado da minha amiga quando seu rosto empalideceu ao ver a tela do celular. Ela tinha acabado de receber uma imagem sua modificada por inteligência artificial. Alguém pegou sua foto, inseriu um prompt e o ChatGPT retornou com a imagem alterada em que ela aparecia de maneira sexualizada. Essa pessoa sem identificação a enviou no Telegram e logo depois apagou, sem deixar rastros. Ela conseguiu dar print da tela do celular,... O post Quem lucra com o ódio às mulheres na internet apareceu primeiro em Meio e Mensagem - Marketing, Mídia e Comunicação.


(Crédito: Shutterstock)
Eu estava ao lado da minha amiga quando seu rosto empalideceu ao ver a tela do celular. Ela tinha acabado de receber uma imagem sua modificada por inteligência artificial. Alguém pegou sua foto, inseriu um prompt e o ChatGPT retornou com a imagem alterada em que ela aparecia de maneira sexualizada. Essa pessoa sem identificação a enviou no Telegram e logo depois apagou, sem deixar rastros.
Ela conseguiu dar print da tela do celular, antes que o desconhecido apagasse, mas junto com a captura de tela, veio outra frustração. O Telegram permite que pessoas desconhecidas e sem número de celular identificado te enviem mensagens. Para ativar a funcionalidade em que apenas seus contatos podem te enviar mensagem, é preciso pagar o Telegram Premium. O pacote custa R$ 149,90 anualmente, ou R$ 19,90 por mês. Pois é, o Telegram lucra para dar o mínimo de segurança para quem usa o aplicativo.
Como se fosse preciso, esse é mais um lembrete de como a internet é um lugar perigoso para as mulheres. Uma pesquisa realizada pelo Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, iniciativa do NetLab UFRJ em parceria com o Ministério das Mulheres, mostrou que há conteúdos misóginos em pelo menos 137 canais brasileiros no YouTube. Os canais somam mais de 105 mil vídeos produzidos e têm, em média, 152 mil inscritos.
Mais uma vez, os dados mostram como é lucrativa a violência de gênero na internet. O estudo apontou que 80% dos canais misóginos contam com alguma estratégia de monetização. A título de exemplo, em 257 transmissões ao vivo de oito desses canais, foram arrecadados mais de R$68 mil — um valor médio de R$267 por live. Sem contar o que foi arrecadado com e-books, cursos e consultorias com os ditos “influenciadores” da machosfera.
Enquanto a mídia celebra a primeira missão espacial com tripulação composta apenas por mulheres em mais de 60 anos, na Terra e na internet, os corpos das mulheres seguem em risco. Segundo o estudo do NetLab, “os vídeos expressam aversão, desprezo, controle e ódio às mulheres, com comentários direcionados a grupos específicos, tratados de forma generalizada, como ‘as feministas’, ‘as mães solteiras’ e ‘as mulheres mais velhas’. Com isso, perpetuam comportamentos hostis, fortalecendo um cenário discriminatório contra mulheres no YouTube.”
O enfrentamento contra a misoginia na internet é relativamente recente no Brasil. O livro “Misoginia na Internet: uma década de disputa por direitos“, escrito pela advogada e doutora em direito Mariana Valente, reconstitui esse processo na década de 2012 a 2022, sob a ótica das ciências humanas, mas especialmente na dimensão jurídica.
Para quem não se lembra, 2012 foi o ano em que entrou em vigência a Lei Carolina Dieckmann à Lei de Violência Política, que tipifica crimes virtuais e delitos informáticos. Essa lei foi criada no ano seguinte à divulgação de 36 fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, divulgadas em redes sociais após não ceder à extorsão dos criminosos.
De lá pra cá, houve avanços no debate teórico e jurídico. Se antes havia dúvidas, hoje, não há controvérsia a respeito de “a violência on-line ser ou não violência de fato”. Mas com a inteligência artificial e o apetite financeiro das big techs, a violência online contra as mulheres se sofisticou. E as grandes plataformas não parecem se importar com a insegurança que pelo menos metade da sua audiência sofre. Ignorando, como a Mariana Valente escreve no livro, que “a misoginia on-line se coloca como obstáculo entre as mulheres e os potenciais da comunicação, distribuição da informação e expressão pela internet”.
Depois de passar alguns dias em silêncio, minha amiga decidiu compartilhar o episódio do Telegram com seu grupo de amigas. Uma delas comentou que passou por algo parecido, porém no Twitter. Essa descoberta fez com que ela desconfiasse de um certo rapaz, “colega” em comum. Ato contínuo, ela escreveu para a ex-namorada dele e descobriu que ela também tinha recebido mensagens anônimas com imagens suas de um usuário desconhecido no Instagram.
Juntando todos esses fatos, minha amiga foi à delegacia e denunciou o rapaz. Somado ao alívio da possibilidade dessa importunação chegar ao fim, veio o medo de ser descoberta por ele e ter retaliação. O aparato jurídico dá alguma segurança para as mulheres, mas infelizmente, o temor das mulheres na internet parece nunca ter fim.
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