Quando a liderança é o problema: o impacto de gestores ruins em times de Design

Como lideranças ruins afetam o trabalho e a saúde mental dos times de design — e o que fazer para mudar esse cenário.Eu amo The Office, mas convenhamos: Michael Scott é um ótimo exemplo de péssimo chefe.Eu sei, o título é polêmico, então, antes de irmos direto ao ponto, quero contextualizar.Vou ser sincero com você: este artigo é uma espécie de desabafo. Precisei de terapia para me entender (e continuo nesse processo) e compreender certas situações, além de encontrar coragem para escrever sobre elas. Já adiantando, a psicoterapia é uma grande aliada para lidar com muitas das questões que abordarei aqui.Entretanto, não pretendo julgar habilidades nem me colocar como dono da verdade sobre liderança. Nenhum profissional sabe tudo, e estamos sempre aprendendo.Quando falo em gestores ruins, não me refiro à habilidade ou conhecimento técnico do profissional, até porque as melhores lideranças que tive nem formação em design tinham. Aqui quero abordar atitudes tóxicas que não têm espaço em um ambiente de trabalho saudável.O objetivo deste artigo é provocar reflexão e debate sobre como lideranças ruins impactam nosso trabalho, motivação e nossa saúde mental.Dito isto, vamos ao texto!­Photo by Keenan Beasley on UnsplashNo livro Designer e Líder, Victor Zanini destaca o autoconhecimento como pilar essencial da liderança. Mas vou além: acredito que ele é fundamental para qualquer designer, independente da posição. Uma frase do livro que gosto muito diz:Quanto mais você se conhecer, melhor você conhecerá as pessoas que trabalham com você.O autoconhecimento nos permite lidar melhor com desafios, entender nossas motivações, aprimorar o controle emocional e valorizar nossas virtudes. A psicoterapia, inclusive, é um ótimo caminho para isso.Nem sempre os maiores desafios do trabalho são técnicos. Quem nunca duvidou de suas habilidades por conta de um feedback mal formulado ou uma crítica injusta? Muitas vezes, o maior obstáculo não está nas entregas ou na nossa habilidade, mas na liderança. Para designers mais novos, pode ser difícil perceber que um ambiente hostil não reflete sua competência, mas sim falhas de gestão.­Pesquisando sobre lideranças tóxicasPhoto by LinkedIn Sales Solutions on UnsplashFazendo uma pesquisa rápida sobre o tema “liderança”, no âmbito de design e tecnologia, boa parte dos materiais e debates que encontrei abordam formas de ajudar pessoas que almejam atuar ou já atuam em papel de liderança a serem melhores nessa função. E quando falamos sobre dados, as pesquisas sobre lideranças tóxicas abrangem o mercado de maneira geral, o que já nos traz dados valiosos sobre o tema, porém, pensando em dar foco ao setor de tecnologia (design, desenvolvimento, pesquisa, etc.) decidi fazer uma pesquisa própria para coletar alguns dados e percepções.Disponibilizei a pesquisa do dia 22 até 31 de março, nas minhas redes. O objetivo era entender como as pessoas percebem suas lideranças, quais impactos positivos ou negativos sentem no dia a dia e, principalmente, como lidam com situações de gestão tóxica.­Perfil dos respondentesA pesquisa coletou respostas de 24 profissionais e a distribuição dos participantes por área de atuação foi bem diversificada, com destaque para a área de Design (cerca de 41%) e Desenvolvimento (25%).Perfil profissional das pessoas participantes, com destaque para as áreas de Design e Desenvolvimento.­Percepção geral sobre liderançaAntes de abordar diretamente o tema da liderança tóxica, quis entender o que as pessoas participantes consideravam como qualidades essenciais em uma boa liderança. As respostas convergiram em torno de cinco pilares: transparência, ética, empatia, confiança na equipe e comunicação.Abaixo, incluí uma nuvem de palavras que destaca essas características.Nuvem de palavras onde se destacam: transparência, confiança na equipe, ética e comunicação assertiva.Esses atributos refletem um desejo coletivo por lideranças mais humanas e menos autoritárias. No entanto, quando comparamos com a prática, os dados mostram uma diferença entre o ideal e a realidade.­Experiência com lideranças tóxicasUm dado alarmante foi a alta incidência de experiências com lideranças tóxicas. 21 de 24 respondentes (87,5%) afirmaram já ter vivenciado ou presenciado situações problemáticas relacionadas à gestão tóxica.Os impactos relatados foram diversos e bastante significativos:Desmotivação e queda na produtividade;Ansiedade e exaustão emocional;Diminuição da confiança no ambiente de trabalho;Vontade de pedir demissão;Gráfico detalhando os impactos sentidos sob uma liderança tóxica.Esses dados reforçam o quanto uma liderança disfuncional pode afetar não só o desempenho das equipes, mas também a saúde mental dos profissionais. Tanto que 15 pessoas (62,5%) afirmaram ter buscado apoio em psicoterapia ou conversas com outras pessoas para lidar com a situação.­As tentativas de diálogo e seus resultadosDiante de uma liderança tóxica, alguns profissionais tentaram o caminho do diálogo. Das 18 tentativas de diálo

Abr 17, 2025 - 14:53
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Quando a liderança é o problema: o impacto de gestores ruins em times de Design

Como lideranças ruins afetam o trabalho e a saúde mental dos times de design — e o que fazer para mudar esse cenário.

Personagem Michael Scott, da série The Office, segurando uma caneca com a legenda "melhor chefe do mundo".
Eu amo The Office, mas convenhamos: Michael Scott é um ótimo exemplo de péssimo chefe.

Eu sei, o título é polêmico, então, antes de irmos direto ao ponto, quero contextualizar.

Vou ser sincero com você: este artigo é uma espécie de desabafo. Precisei de terapia para me entender (e continuo nesse processo) e compreender certas situações, além de encontrar coragem para escrever sobre elas. Já adiantando, a psicoterapia é uma grande aliada para lidar com muitas das questões que abordarei aqui.

Entretanto, não pretendo julgar habilidades nem me colocar como dono da verdade sobre liderança. Nenhum profissional sabe tudo, e estamos sempre aprendendo.

Quando falo em gestores ruins, não me refiro à habilidade ou conhecimento técnico do profissional, até porque as melhores lideranças que tive nem formação em design tinham. Aqui quero abordar atitudes tóxicas que não têm espaço em um ambiente de trabalho saudável.

O objetivo deste artigo é provocar reflexão e debate sobre como lideranças ruins impactam nosso trabalho, motivação e nossa saúde mental.

Dito isto, vamos ao texto!

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Homem de costas, sentado em uma cadeira de escritório com as mãos entrelaçadas atrás da cabeça, olhando para um monitor de computador.
Photo by Keenan Beasley on Unsplash

No livro Designer e Líder, Victor Zanini destaca o autoconhecimento como pilar essencial da liderança. Mas vou além: acredito que ele é fundamental para qualquer designer, independente da posição. Uma frase do livro que gosto muito diz:

Quanto mais você se conhecer, melhor você conhecerá as pessoas que trabalham com você.

O autoconhecimento nos permite lidar melhor com desafios, entender nossas motivações, aprimorar o controle emocional e valorizar nossas virtudes. A psicoterapia, inclusive, é um ótimo caminho para isso.

Nem sempre os maiores desafios do trabalho são técnicos. Quem nunca duvidou de suas habilidades por conta de um feedback mal formulado ou uma crítica injusta? Muitas vezes, o maior obstáculo não está nas entregas ou na nossa habilidade, mas na liderança. Para designers mais novos, pode ser difícil perceber que um ambiente hostil não reflete sua competência, mas sim falhas de gestão.

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Pesquisando sobre lideranças tóxicas

Duas pessoas conversando seriamente em uma mesa de ambiente corporativo, com luz natural entrando por janelas amplas ao fundo.
Photo by LinkedIn Sales Solutions on Unsplash

Fazendo uma pesquisa rápida sobre o tema “liderança”, no âmbito de design e tecnologia, boa parte dos materiais e debates que encontrei abordam formas de ajudar pessoas que almejam atuar ou já atuam em papel de liderança a serem melhores nessa função. E quando falamos sobre dados, as pesquisas sobre lideranças tóxicas abrangem o mercado de maneira geral, o que já nos traz dados valiosos sobre o tema, porém, pensando em dar foco ao setor de tecnologia (design, desenvolvimento, pesquisa, etc.) decidi fazer uma pesquisa própria para coletar alguns dados e percepções.

Disponibilizei a pesquisa do dia 22 até 31 de março, nas minhas redes. O objetivo era entender como as pessoas percebem suas lideranças, quais impactos positivos ou negativos sentem no dia a dia e, principalmente, como lidam com situações de gestão tóxica.

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Perfil dos respondentes

A pesquisa coletou respostas de 24 profissionais e a distribuição dos participantes por área de atuação foi bem diversificada, com destaque para a área de Design (cerca de 41%) e Desenvolvimento (25%).

Gráfico de pizza, detalhando o perfil profissional das pessoas participantes, com destaque para as áreas de Design (41,7%) e Desenvolvimento (25%).
Perfil profissional das pessoas participantes, com destaque para as áreas de Design e Desenvolvimento.

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Percepção geral sobre liderança

Antes de abordar diretamente o tema da liderança tóxica, quis entender o que as pessoas participantes consideravam como qualidades essenciais em uma boa liderança. As respostas convergiram em torno de cinco pilares: transparência, ética, empatia, confiança na equipe e comunicação.

Abaixo, incluí uma nuvem de palavras que destaca essas características.

Nuvem de palavras onde se destacam: transparência, confiança na equipe, ética e comunicação assertiva.
Nuvem de palavras onde se destacam: transparência, confiança na equipe, ética e comunicação assertiva.

Esses atributos refletem um desejo coletivo por lideranças mais humanas e menos autoritárias. No entanto, quando comparamos com a prática, os dados mostram uma diferença entre o ideal e a realidade.

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Experiência com lideranças tóxicas

Um dado alarmante foi a alta incidência de experiências com lideranças tóxicas. 21 de 24 respondentes (87,5%) afirmaram já ter vivenciado ou presenciado situações problemáticas relacionadas à gestão tóxica.

Gráfico de pizza mostra que 21 dos 24 participantes da pesquisa já viveram uma experiência com liderança tóxica, enquanto apenas 3 disseram que não.

Os impactos relatados foram diversos e bastante significativos:

  • Desmotivação e queda na produtividade;
  • Ansiedade e exaustão emocional;
  • Diminuição da confiança no ambiente de trabalho;
  • Vontade de pedir demissão;
Gráfico detalhando os impactos sentidos sob uma liderança tóxica, onde se destacam a desmotivação, vontade de sair da empresa, insegurança e ansiedade.
Gráfico detalhando os impactos sentidos sob uma liderança tóxica.

Esses dados reforçam o quanto uma liderança disfuncional pode afetar não só o desempenho das equipes, mas também a saúde mental dos profissionais. Tanto que 15 pessoas (62,5%) afirmaram ter buscado apoio em psicoterapia ou conversas com outras pessoas para lidar com a situação.

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As tentativas de diálogo e seus resultados

Diante de uma liderança tóxica, alguns profissionais tentaram o caminho do diálogo. Das 18 tentativas de diálogo, apenas uma relatou melhora na relação com a liderança (e ainda com ressalvas).

Gráfico de pizza mostra que a maioria tentou dialogar com a liderança, mas sem sucesso. Abertura para conversa foi limitada, segundo 57,1% das 21 respostas.

Em contrapartida, 17 pessoas (70,8%) afirmaram que a situação se manteve igual ou piorou. Houve ainda quem relatasse represálias após o diálogo, o que agravou o clima organizacional. Além disso, boa parte dos participantes relatou que suas lideranças não dão abertura para dialogar.

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Reportar ou não reportar, eis a questão

Outro ponto que chama atenção é a baixa taxa de reportes formais. Apenas 9 pessoas (37,5%) afirmaram ter levado a questão à empresa. Mesmo entre aqueles que sofreram com gestores problemáticos, muitos optaram por não denunciar. Os motivos mais comuns para essa decisão foram:

  • Medo de retaliação: 66,7%
  • Falta de confiança nos canais internos: 58,3%
  • Histórico de omissão da empresa: 41,7%
  • Casos anteriores em que colegas foram demitidos após denunciarem: 29,2%

Essa resistência em reportar aponta para a falta de segurança psicológica no ambiente de trabalho e a desconfiança nas ações da empresa diante de denúncias. Na prática, profissionais evitam denunciar por temerem consequências negativas — o que acaba alimentando a cultura da toxicidade.

Reforçando esse cenário, 2 pessoas (cerca de 8%) afirmaram ter sofrido algum tipo de ameaça ou até mesmo terem sido desligadas da empresa após reportarem à liderança. Mesmo entre os que relataram, quase todos afirmaram que a empresa não tomou medidas efetivas. Apenas um relato indicou que houve aplicação de medidas disciplinares, mas sem consequências mais severas para a liderança em questão.

Gráfico de pizza com 9 respostas sobre ações da empresa após denúncias à liderança. A maioria (44,4%) disse que a empresa entrevistou colegas, mas nada aconteceu. As demais respostas ficaram divididas entre ações efetivas e ausência de medidas.

E, para piorar, 21 pessoas (87,5%) disseram não ter recebido qualquer tipo de amparo por parte da empresa.

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A confiança dentro da equipe

Acredito que uma das formas mais genuínas de amparo no ambiente de trabalho está nas relações construídas com os colegas de equipe, principalmente quando a empresa falha em dar suporte diante de uma liderança tóxica. Pensando nisso, quis entender como as pessoas percebiam o clima de confiança entre os pares.

Gráfico de pizza destacando que 16 pessoas (66,7%) disseram confiar nos colegas para discutir decisões da empresa ou da liderança.
16 pessoas (66,7%) disseram confiar nos colegas para discutir decisões da empresa ou da liderança.

Ao todo, 16 pessoas (66,7%) disseram confiar nos colegas para discutir decisões da empresa ou da liderança. Apesar desse dado positivo, houve consenso sobre o receio em questionar abertamente a gestão. Esse medo, na minha visão, reforça o distanciamento entre liderança e equipe — mesmo em ambientes onde há apoio mútuo entre os pares.

De modo geral, os achados da pesquisa se conectam com outros estudos e materiais que citarei ao longo do artigo. Eles evidenciam o papel fundamental da liderança na motivação, no bem-estar e no desempenho das pessoas. E, acima de tudo, reforçam a urgência de se discutir os efeitos da liderança tóxica dentro e fora das organizações.

Nota sobre a pesquisa: após o fim da coleta de dados, acredito ser importante destacar que, os resultados obtidos não podem ser generalizados por conta do número de participante e também pelo curto tempo de disponibilidade da pesquisa.
Outro ponto que considero válido para reflexão é que poderia ter aprofundado melhor outros pontos, como por exemplo, se a experiência com a liderança tóxica era atual ou passada. Isso teria permitido cruzar com os dados de faixa etária para entender se pessoas menos experientes enfrentam mais esse tipo de situação. Também faltaram dados sobre identidade de gênero, o que permitiria analisar a gravidade e a frequência de comportamentos tóxicos entre diferentes perfis. Espero poder trabalhar melhor esse tema no futuro e, se surgir a oportunidade, aplicar esses aprendizados em uma pesquisa mais estruturada e com dados mais robustos.

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Quando a liderança falha: principais padrões nocivos

Mulher em frente ao computador, com as mãos no rosto em um gesto de frustração.
Photo by SEO Galaxy on Unsplash

Acredito que, em algum momento, todo profissional terá contato com uma liderança nociva. Recentemente, tive essa experiência na pele.

Diante de frustrações recorrentes, busquei conversar com colegas de design e desenvolvimento para entender se o problema era comigo ou se havia um padrão. Descobri que não estava sozinho no time.

Pesquisando mais sobre o tema, podemos encontrar alguns dados que reforçam essa realidade. Um estudo de 2024, realizado no Brasil, apontou que 87% dos entrevistados já tiveram um líder tóxico. Destes, 62% pediram demissão devido a isso. Outra pesquisa, de 2019, revelou que 62% dos trabalhadores sofreram assédio moral no trabalho e 48% consideraram sair da empresa por conta disso.

Diante desse cenário, é essencial reconhecer padrões nocivos para nos protegermos e tomarmos as melhores decisões para nossa carreira e bem-estar.

A seguir, listo alguns comportamentos comuns de lideranças ruins.

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1. Não assumir responsabilidades

Criança em roupas formais, sorrindo e levantando as mãos em um gesto de quem se exime de alguma situação. Na imagem, há também a legenda “Não foi culpa minha”.
Sabe aquela decisão que eu tomei? A culpa é sua.

Esse talvez seja um clássico em qualquer área, não só em times de design. Ainda é muito comum vermos gestores que jogam a culpa no time quando algo dá errado, mas assumem os méritos quando dá certo, mesmo que sem participação direta nos resultados positivos ou entregas de valor.

Este tipo de liderança cria um ambiente tóxico, inseguro e extremamente desmotivador. Essa equação resulta em medo de errar, afetando diretamente a inovação e a experimentação no time.

Já presenciei gestores que adoram montar apresentações impecáveis para a diretoria, destacando as entregas do time, mas sem mencionar quem as executou — ou, em alguns casos, assumindo completamente o mérito. No entanto, quando há problemas, são os primeiros a se eximir.

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2. Delegar sem apoiar

Um homem com feições irritadas, em uma mesa circular. Ao redor da mesa, uma mulher tenta falar com o homem, que gira em sua cadeira para evitar contato com ela.
Quando você precisa entender a tarefa dada pela liderança e ela super está disponível para ajudar

Delegar tarefas é essencial, mas sem suporte adequado, o time pode se sentir perdido ou sobrecarregado. Uma boa liderança acompanha, orienta e está disponível para ajudar, sem microgerenciar.

Lideranças que priorizam o marketing pessoal acima do bem-estar do time costumam cobrar um número alto de entregas, sem considerar qualidade, prazos ou sobrecarga. O foco é alimentar uma falsa métrica de produtividade.

Pior ainda é quando um designer manifesta dificuldades ou sinais de exaustão e não encontra apoio adequado na liderança. O problema não é um gestor não saber tudo, mas sim não demonstrar humildade para buscar soluções junto ao time e promover aprendizado mútuo. Quando isso não acontece e as respostas se resumem a frases motivacionais vazias, críticas desproporcionais ou até desdém, a motivação desmorona — junto com a confiança na gestão.

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3. Desmerecer decisões do time

Uma criatura antropomórfica fazendo um aceno com a mão, tentando hipnotizar um homem  e dizendo a seguinte frase: “Você não irá resistir. Fará exatamente o que eu mandar”. O homem, com olhar confuso, responde: “Eu acho que não”.
Não opine, só faça o que eu mando!

Lideranças que constantemente invalidam as decisões da equipe, sem diálogo ou argumentação construtiva, destroem a confiança e a autonomia dos designers. Isso pode transformar um time criativo em um grupo meramente executor.

Recentemente vivi isso ao trabalhar em uma tela legada, ou seja, que ainda não utilizava o Design System da empresa. No kickoff da demanda, reunimos design, engenharia e negócios para avaliar todas as variáveis do projeto e definir a melhor abordagem. Dado que a demanda era uma exigência legal, com um prazo extremamente curto e alta complexidade no back-end, a decisão técnica tomada em conjunto foi inserir a informação necessária da forma mais simples possível, garantindo que, no futuro, a tela pudesse ser facilmente atualizada para os padrões do DS. Com isso, evitamos criar uma nova tela, focando apenas na adição da informação essencial, enquanto planejávamos uma reformulação mais estruturada posteriormente.

No entanto, ao saber que trabalharíamos em uma tela legada, meu líder ignorou nossa escolha. Mesmo tendo explicado os motivos da decisão, a minha palavra não foi levada em consideração. A liderança de design marcou reuniões sem minha presença e só aceitou a mesma decisão quando reafirmada por outros envolvidos. Como esperado, após o ocorrido, fiquei muito desmotivado.

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4. Falta de espaço para crítica construtiva e sincera ao trabalho

Um homem com olhar ofendido dizendo a seguinte frase: “Ah é mesmo? Bem, ninguém te perguntou”.
Ah, então você acha que podemos melhorar nossos processos? Bem, ninguém te perguntou

Ambientes onde os designers não se sentem seguros para opinar, criticar ou sugerir melhorias geram times que não amadurecem. Isso dificulta a evolução da cultura de design e transforma a área em uma grande executora de telas.

Em alguns casos, esse problema pode estar ligado ao ego da liderança, que não aceita críticas ou insiste em métodos ineficazes. Nessas situações, é comum que gestores recorram ao próprio currículo ou à sua posição hierárquica para evitar questionamentos e desestimular qualquer contestação.

Para o desenvolvimento individual do designer, essa falta de abertura se torna um grande obstáculo. Questionar é uma das principais ferramentas do design de produto, permitindo enxergar problemas não óbvios e propor soluções. A crítica também faz parte desse processo, ajudando a identificar falhas e aprimorar resultados. Se um ambiente trata questionamentos como algo negativo, o time de design se limita a cumprir tarefas sem atuação estratégica.

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5. Não reconhecer falhas nem aprender com o time

Um homem de terno, olhando para outra pessoa com olhar irritado. O homem de terno cobre parte do rosto com a mão para ameaçar a pessoa sem que outras vejam. Na imagem há a legenda “Eu vou acabar com você”.
Obrigado pela crítica construtiva! (Vou te demitir)

Bons líderes aprendem com a equipe e reconhecem suas próprias limitações. Quando isso não acontece, a troca se torna difícil e a relação hierárquica sufoca o crescimento do time.

Vejo esse padrão de comportamento muito alinhado ao anterior. Criar um espaço onde questionamentos são bem-vindos fortalece o time e promove evolução. A palavra “crítica” ainda é frequentemente associada a algo negativo, mas, na verdade, quando construtiva e bem fundamentada, ela impulsiona crescimento e amadurecimento. Afinal, se uma liderança soubesse tudo, qual seria o propósito do time? Uma das maiores virtudes de um bom líder é reconhecer suas limitações e saber contar com a equipe, valorizando o conhecimento multidisciplinar de cada colega. Isso fortalece o senso de pertencimento e engajamento do time, criando um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo.

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6. Liderança tóxica por natureza

Um chef de cozinha colocando o rosto de uma cozinheira entre duas fatias de pão. O cozinheiro pergunta gritando: “O que é você?”. A cozinheira, responde nervosa: “Um sanduíche idiota”.
Sem legenda engraçada nesse tópico, galera.

Mais grave do que a falta de habilidades interpessoais é a presença de lideranças que, por natureza, adotam comportamentos tóxicos. Até aqui, muitos dos problemas citados derivam da ausência de soft skills, mas há gestores que, por vezes, podem até possuir conhecimento técnico, mas que demonstram atitudes desrespeitosas, preconceituosas e autoritárias de maneira sistemática. Gestores assim justificam essas práticas sob o pretexto de um “empreendedora” ou como um estímulo à performance e “protagonismo” do time de design, quando, na realidade, prejudicam diretamente o ambiente de trabalho. Essa forma de gestão pode se manifestar em microagressões, favoritismo, abuso de poder, falta de ética e até discriminação.

De acordo com um estudo da MIT Sloan Management Review, realizada nos Estados Unidos em 2022, a principal razão pela qual profissionais apresentam sintomas de burnout ou que deixam seus empregos é a presença de uma cultura de trabalho tóxica, superando fatores como remuneração e carga de trabalho.

Em um ambiente saudável, o trabalho em equipe é conduzido com transparência e respeito. No entanto, já vivi uma situação em que a liderança criou um clima de desconfiança ao justificar realocações de maneira divergente para cada pessoa envolvida. Enquanto para alguns a mudança era uma questão estratégica, para outros, a justificativa vinha carregada de insinuações sobre competência e performance. O problema é que essas versões conflitantes acabavam gerando insegurança e poderiam facilmente colocar colegas em lados opostos, alimentando um ambiente de intrigas. Felizmente, o diálogo aberto entre os designers permitiu que essas distorções fossem percebidas antes que se tornassem um problema maior. Em vez de rivalidade, conseguimos nos unir para demonstrar que as movimentações não faziam sentido — mas, a partir disso, alguns de nós passaram a receber resistência e invalidação por parte da liderança.

Empresas que toleram esse tipo de gestão, sem implementar medidas para coibir abusos, acabam perpetuando um ambiente prejudicial. Além do impacto profissional e emocional, vale lembrar que certas condutas ultrapassam o limite da ética e configuram crimes, que jamais deveriam ser normalizados.

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Os impactos nas pessoas e no trabalho

Homem com o rosto apoiado em sua mão, olhando para o celular com feição cansada e apática.
Photo by Siavash Ghanbari on Unsplash

Sabendo dos padrões de comportamentos nocivos que uma liderança pode apresentar, fica fácil destacar os impactos no time, especialmente se a cultura de design ainda é muito baixa ou mal desenvolvida.

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Motivação do time

A motivação é o primeiro aspecto a sofrer com uma liderança ruim. Um time desmotivado entrega menos, não se desenvolve, não consegue inovar e, muito provavelmente, vai acabar perdendo talentos.

Designers que sentem que suas opiniões não são valorizadas ou que trabalham sob uma gestão tóxica podem se desligar emocionalmente da empresa, entregando apenas o mínimo necessário para seguir em frente e, em termos de carreira, ficam estagnados em uma ação repetitiva e sem entrega de valor. Além disso, todo o estresse e desgaste gerado por um ambiente negativo pode acabar resultando em burnout. Isso tem muita relação com o tópico a seguir.

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Impacto nas entregas

Sem autonomia e apoio, a qualidade das entregas cai. O design perde seu valor estratégico e se torna apenas operacional, aumentando a vulnerabilidade da área em tempos de reestruturação.

Esse ciclo leva à repetição do mantra “Precisamos mostrar o valor do design”, algo que já vivi mais do que gostaria, inclusive em uma mesma empresa. Mesmo com resiliência e evidências do impacto positivo do design, reestruturações podem desfazer avanços conquistados, minando a motivação do time até não restarem forças para insistir.

Se você é gamer como eu, essa dinâmica se parece muito com jogos rogue-like: você avança, conquista recursos e habilidades, mas ao ser derrotado, perde quase tudo e precisa recomeçar. Ah, e o caminho muda — o que você enfrentou antes agora está diferente e potencialmente mais difícil.

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Influência na saúde mental

Este é o impacto mais grave. Ambientes sem suporte ou amparo geram estresse, ansiedade e até burnout. Profissionais, especialmente menos experientes, podem sentir que não são bons o suficiente, que são incapazes, quando na verdade o problema está na gestão.

Como citei anteriormente, já vivi mais de uma reestruturação dentro da mesma empresa. Em uma delas, minha equipe tinha uma excelente líder, havia clareza nos processos, autonomia e valorização. A equipe estava bem estruturada e atuava com boas práticas do mercado, o que resultava em um ambiente saudável e produtivo.

No entanto, uma nova reestruturação trouxe mudanças na liderança e no funcionamento do time. Muitos dos avanços que havíamos conquistado foram desconsiderados, e a equipe perdeu recursos e autonomia. Além disso, a nova gestão apresentou vários dos padrões comportamentais mencionados anteriormente e, como resultado, vi profissionais talentosos saindo por falta de valorização. Foi um dos momentos mais desgastantes da minha carreira. A terapia está sendo essencial para lidar com isso.

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Como podemos tentar melhorar?

Duas pessoas em uma mesa olhando para seus computadores e conversando.
Photo by charlesdeluvio on Unsplash

Distinguir uma liderança ineficaz de uma que apenas comete erros pontuais pode ser desafiador, afinal, em um ambiente de trabalho é comum haver divergência de opiniões, de métodos de trabalho e a própria forma de nos comunicarmos pode afetar nossa percepção sobre situações diversas.

No entanto, é importante lembrar que todo profissional está em constante aprendizado, e liderar uma equipe é um desafio contínuo, especialmente quando envolve gestão de pessoas. Às vezes, a falha vem da falta de experiência ou da cultura da empresa.

Como designers, nossa natureza nos leva a analisar problemas e buscar soluções. O mesmo princípio pode ser aplicado ao lidar com lideranças que enfrentam dificuldades. Em vez de apenas julgar ou pensar em desligamento da empresa, podemos adotar algumas ações para tentar apoiar e promover melhorias:

  • Criar um ambiente de diálogo aberto: Estabelecer momentos para feedbacks sinceros e construtivos, sempre com empatia e foco na solução.
  • Oferecer perspectivas embasadas: Como profissionais de design, temos expertise em resolver problemas complexos. Podemos utilizar dados e argumentos sólidos para propor mudanças que beneficiem o time e a empresa como um todo.
  • Apoiar com sugestões e ferramentas: Muitas vezes, a liderança pode não ter conhecimento de boas práticas de gestão e cultura de design. Podemos compartilhar referências, estudos e exemplos de times bem-sucedidos.
  • Construir alianças: Conversar com colegas que compartilham das mesmas dificuldades pode fortalecer o time e criar um senso de comunidade, aumentando a capacidade coletiva de promover mudanças.
  • Saber quando é hora de seguir em frente: Se, mesmo após tentativas de diálogo e apoio, a liderança não demonstrar abertura para mudanças, pode ser um sinal de que o ambiente não é saudável e buscar novas oportunidades seja o melhor caminho.

Ainda dentro de ações para desenvolvimento de lideranças, quero recomendar o artigo “Por uma liderança (mais) positiva”, escrito pelo Diogo Kpelo. Ele traz reflexões valiosas sobre como lideranças podem ser inspiradoras sem abrir mão dos resultados.

Melhorar a relação com a liderança não é uma tarefa simples. No entanto, em uma comunidade culturalmente colaborativa como a do Design, que valoriza a colaboração e o compartilhamento de conhecimento, podemos contribuir para o crescimento tanto dos times quanto dos gestores. Com empatia, diálogo e embasamento, podemos construir espaços mais saudáveis e produtivos para todos.

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Mas e a empresa?

Topo de um prédio em um dia claro de céu azul com núvens.
Photo by Scott Webb on Unsplash

Até aqui, falamos bastante sobre a relação entre liderança e designers, mas também é essencial abordar a responsabilidade da empresa nesses cenários. Organizações com baixa maturidade em design frequentemente promovem à liderança profissionais sem experiência suficiente (ou que são amigos do chefe), que acabam enfrentando dificuldades na gestão de pessoas.

Embora esforços individuais e, em alguns casos, da própria liderança possam melhorar o ambiente de trabalho, há um limite. No fim das contas, a empresa precisa estar disposta a encarar e resolver essas questões. Retomando os dados mencionados no início do texto: se temos consciência dos problemas e eles são frequentemente relatados, por que ainda existem ambientes tóxicos e resistentes a mudanças?

É um ponto óbvio, mas essencial: empresas devem implementar políticas preventivas contra assédio moral e lideranças prejudiciais. Além disso, precisam oferecer canais confiáveis para reportar condutas inadequadas e garantir que esses relatos gerem ações concretas. E aqui vale um destaque: segurança para denunciar deve ser real, não apenas um discurso bonito da empresa (sim, estou olhando para você, Canal de Ética que é “confidencial e seguro”). Sem isso, a organização se torna tão responsável por manter essas lideranças problemáticas quanto os próprios gestores.

Duas mãos segurando um papel em formato de coração, como se uma estivesse entregando o papel para outra.
Photo by Kelly Sikkema on Unsplash

Se você sente que seu trabalho é constantemente desvalorizado ou que sua liderança não oferece suporte, saiba que isso não significa que seu trabalho é ruim. Muitas vezes, o problema está na gestão, e não no profissional. O primeiro passo é reconhecer esses padrões para entender até que ponto é possível buscar mudanças internas ou se é hora de procurar um ambiente mais saudável.

E você, já passou por situações assim? Como lidou com isso?

Sugestões de leitura

Por uma liderança (mais) positiva” — Diogo Kpelo aborda caminhos para a construção de lideranças mais humanizadas e positivas.

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Referências


Quando a liderança é o problema: o impacto de gestores ruins em times de Design was originally published in UX Collective