Mobilização indígena termina sem a presença de Lula

Pela primeira vez desde o início do terceiro mandato do presidente, nenhuma nova terra indígena (TIs) foi homologada pelo governo durante o evento. Clima era de descontentamento de lideranças indígenas com o Executivo

Abr 13, 2025 - 08:07
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Mobilização indígena termina sem a presença de Lula

O Acampamento Terra Livre (ATL) deste ano contou com cerca de nove mil indígenas de mais de 200 etnias, reunidos na Capital Federal. Ao longo dos dias de evento, plenárias e marchas cobraram do Executivo menos morosidade em relação às necessidades dos povos. Entre as demandas, os povos originários reivindicam educação e saúde adaptadas para suas culturas e conhecimentos ancestrais, preservação ambiental e combate à crise climática e, especialmente, demarcação de terras.

Pela primeira vez desde o início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nenhuma nova terra indígena (TIs) foi homologada pelo governo durante a realização do evento, que não contou com a presença do petista.

Promessa de campanha, a demarcação tem sido um assunto polêmico. Ao longo dos dois primeiros anos de governo, apenas 13 áreas foram homologadas, diante do compromisso de 14 homologações nos 100 primeiros dias de mandato. Em 2023, foram homologadas oito áreas indígenas. Em 2024, no entanto, o número caiu para cinco.

Durante o ATL, o clima era de descontentamento com o Executivo. Em uma plenária voltada para debater a criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade, a liderança indígena Paulino Montejo, da etnia Maia, da Guatemala, ex-assessor da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), acusou o governo de descaso com os povos originários.

O ambientalista, historiador indígena e professor do Instituto Federal da Bahia (IFBA), Edson Kayapó, afirmou que a culpa não deve ser colocada em cima da equipe indígena histórica que está à frente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI).

"Eu sei que a Sônia Guajajara (ministra) fica de mãos atadas, porque é um ministério que não tem orçamento, ou que tem um orçamento tão baixo, que não dá para fazer quase nada. A Funai também está com uma série de problemas. E aí nós temos a bancada que a gente chama de BBB, que é da boiada, da bala e da Bíblia. A bancada ruralista, evangélica, e que é absolutamente anti-indígena", lamentou.

Orçamento

Em 2025, o orçamento disponibilizado para a pasta é de R$ 664,3 milhões — o menor valor do terceiro ano de governo —, um investimento baixo se comparado com outros ministérios, como o de Minas e Energia (R$ 81,48 bilhões) e da Agricultura e Pecuária (R$ 8,62 bilhões) — os que mais causam conflitos com os povos originários. A Funai também se encontra na mesma média orçamentária do MPI, com R$ 624,6 milhões previstos para 2025.

Para Kayapó, não se pode esperar mudanças profundas em curto prazo. "Eu não acredito, sinceramente, que uma gestão de quatro anos conseguirá corrigir toda essa política de genocídio, de epistemicídio, de etnocídio. Estou falando de problemáticas que são históricas, e aí tem questões de limitações de poder político e de poder econômico".

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A liderança indígena Tereza Arapium, do povo Arapium do Pará, avaliou que, apesar do atual governo ser um grande avanço na luta pelos direitos indígenas, ainda é preciso cumprir com a promessa de demarcação dos territórios. "Todos os dias indígenas morrem, e não é justo que tenham que morrer por causa de um pedaço de terra", afirmou. Para ela, a promessa não envolve apenas números, mas vidas.

O sentimento foi compartilhado, também, pelo cacique Fábio Pataxó, da Terra Indígena Ponta Grande, na Bahia. Ele reconheceu avanços importantes, como a criação do MPI, e a presença de lideranças nos espaços de poder. Para ele, seus direitos são inegociáveis. "Resistimos 525 anos, não é agora que vamos desistir. Nós somos natureza: quando nos cortam, a gente brota. A gente sempre vai resistir para existir", afirmou.

Kayapó ressaltou, ainda, que a demarcação é uma política ambiental urgente. "Pensar em demarcar território indígena nesse momento de crise climática não é uma política voltada somente para os povos indígenas. O planeta está desequilibrado, nós estamos num momento de emergência climática. As pessoas estão com medo de morrer", disse.

Procurados, o Ministério dos Povos Indígenas, a Funai e o Planalto não se posicionaram sobre as queixas ouvidas pelo Correio ao longo dos dias do acampamento. O espaço segue aberto para manifestações.

*Estagiários sob a supervisão de Rafaela Gonçalves