Faltam dados sobre filhos de detentos
Levantamento realizado pelo Correio aponta para a falta de informações no sistema penitenciário brasileiro. Estados e o Distrito Federal não compilam quantos homens se tornam pais após o encarceramento

No Brasil, não se quantifica o número de homens encarcerados que se tornam pais durante o cumprimento de suas penas. O Correio solicitou dados sobre esse fato e nenhum dos 26 estados e o Distrito Federal fazem esse tipo de monitoramento.
A apuração trouxe à luz a falta de informações mais completas dos sistemas penitenciários brasileiros, principalmente após a prisão.
Nacionalmente, os dados disponíveis são de quantos presos recebem o auxílio-reclusão, ou mulheres gestantes durante a reclusão. Para o advogado penal, constitucional e direito do consumidor Ilmar Muniz, a falta de dados claros sobre a situação familiar dos detentos é preocupante. "A ausência de dados é um grave problema que compromete não apenas a ressocialização do apenado, mas também o desenvolvimento de políticas públicas eficazes", destacou.
"Sem essas informações, é impossível dimensionar corretamente quantas crianças ficam sem assistência paterna ou materna, quantas famílias são empurradas para a vulnerabilidade social e quais medidas poderiam ser adotadas para minimizar esses danos. Além disso, prejudica a formulação de políticas que incentivem o fortalecimento dos vínculos familiares, fator essencial para reduzir a reincidência criminal", afirmou.
Situação delicada
Embora faltem dados precisos de quantos pais pós-encarceramento existem no país, o que se tem estudado nos últimos anos é o efeito de ter um dos pais presidiários causa na criança e adolescente. A psicóloga Cláudia Melo ressaltou que o sofrimento que alguns jovens sentem é devastador nessas situações. "A prisão de um pai ou uma mãe representa para a criança ou adolescente uma ruptura no vínculo primário, gerando angústia, culpa e sentimentos de desamparo", explicou.
Segundo ela, Freud destaca a importância dessas primeiras relações na constituição psíquica. "A ausência dessa função simbólica pode levar a dificuldades na formação da identidade, na internalização da lei e no manejo das emoções, podendo resultar em comportamentos de transgressão ou sintomas psíquicos como ansiedade e depressão", disse.
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Melo destaca, ainda, que a situação de ter um dos genitores presos pode causar o risco de haver repetição transgeracional. "A experiência da prisão se inscreve no psiquismo das crianças, influenciando sua trajetória futura. Os sinais de sofrimento psíquico variam conforme a idade e podem incluir regressões, irritabilidade, isolamento ou comportamentos de risco", avaliou.
"A escuta, o acolhimento e a manutenção dos vínculos são fundamentais para minimizar os impactos emocionais. O suporte familiar, social e psicoterapêutico é essencial para que a criança possa elaborar essa perda e ressignificar sua experiência traumática", indicou a psicóloga.
Já do lado da parceira, que acaba engravidando do companheiro após a sua privação de liberdade, o psicanalista e professor sênior da Associação Brasileira de Psicanálise Clínica (ABPC), Artur Costa, afirma que pode ser uma forma de vínculo afetivo. "A decisão de engravidar de um parceiro encarcerado pode ter diferentes motivações psicológicas e emocionais."
Para algumas mulheres, ele avalia que a gravidez pode representar um vínculo afetivo e simbólico, "funcionando como uma forma de manter a relação viva apesar da distância e da privação da convivência". "Em alguns casos, pode haver uma idealização da relação, em que a prisão é vista como um obstáculo temporário, e a gravidez surge como um projeto de vida que reforça a conexão entre o casal. Além disso, para algumas mulheres, a maternidade pode ser uma tentativa de suprir carências emocionais ou um desejo de reafirmação da presença do companheiro em suas vidas", destacou.
O que diz a lei
De acordo com o advogado penal, Ilmar Muniz, mesmo que a criança nasça depois do encarceramento do pai, ela tem direito ao auxílio, desde que seja reconhecida como dependente legal. "É bacana falar que, se a criança for reconhecida judicialmente após o nascimento, o benefício pode ser solicitado e pago retroativamente à data do nascimento. Além disso, a criança pode ter direito a outros benefícios, como a inclusão em programas assistenciais e sociais, dependendo da renda da família", explicou.
O advogado Fernando Viggiano, por sua vez, acredita que ainda há lacunas normativas que podem gerar insegurança jurídica nessa questão, "especialmente no que tange à comprovação da dependência econômica para fins de concessão de benefícios". "A jurisprudência tem avançado no sentido de assegurar a proteção social aos dependentes do preso, mas a dificuldade de acesso à documentação exigida pelo INSS e a morosidade nos processos administrativos e judiciais são entraves recorrentes", avaliou.
Viggiano ressaltou, ainda, a falta de uma regulamentação específica sobre acompanhamento e direitos da família. "Há desafios relacionados à ausência de regulamentação específica sobre o acompanhamento familiar e os direitos dos filhos nascidos após a prisão do pai, o que leva a decisões casuísticas e, consequentemente, a uma insegurança jurídica na efetivação desses direitos", afirmou.
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