Lembrar Mario Vargas Llosa

Mario Vargas Llosa morreu ontem em Lima, capital do seu Peru natal, aos 89 anos. Era, sem favor algum, um dos maiores escritores dos dois últimos séculos - justamente distinguido, em 2010, com o Prémio Nobel da Literatura. Foi sempre um nome de referência no DELITO DE OPINIÃO. Pelo seu talento ímpar, pela manifesta qualidade da sua escrita, pela clareza das suas ideias, pelo desassombro das suas opiniões.  Pela minha parte, nunca o escondi: era um dos meus autores preferidos. Equiparo-o a Kafka, Orwell, Camus, Hemingway, Greene. Escritores que não apenas admiro e considero, mas que estimo muito. Como se integrassem a minha família alargada - desde os anos da adolescência, quando comecei a conhecê-los e a conviver com eles sem nunca me cansar.   Tendo escrito sobre três livros de Vargas Llosa, é o momento de recordar esses textos aqui publicados. Sobre Conversa na Catedral (1969): «Recorrendo à técnica da diluição cronológica, Vargas Llosa povoa esta magnífica obra de múltiplas personagens e narrativas secundárias sem abandonar a denúncia dos governos que suprimem a liberdade e condenam sucessivas gerações a um futuro sem esperança.»   Sobre A Tia Julia e o Escrevedor (1977): «Acontece que a sua história pessoal, sendo verdadeira, parecia trama de ficção. Puro radioteatro. Impensável confusão entre biografia e folhetim. Quanto mais inverosímil, mais emocionante ou divertida – e, num certo sentido, mais verdadeira. Lembrando-nos que a vida é um romance - percorrido por momentos delirantes ou lancinantes de riso e choro, varrido por horas alternadas de partilha e solidão.»   Sobre La Llamada de la Tribu (2018): «O liberalismo não é uma ideologia, não é uma doutrina fechada que suscite aplausos acéfalos ou seguidores incondicionais. Em tempo de trincheiras, potenciadas pelas chamadas redes sociais, um liberal à moda antiga – cultor da tolerância, da moderação, da justa medida, da liberdade apenas condicionada ao império da lei – é menos mobilizador do que um populista incendiário apelando ao encerramento das fronteiras. Mas nem por isso deixa de ter a razão do seu lado.»   ..................................................................................   É também o momento propício para lembrar alguns dos seus pensamentos que mereceram destaque neste blogue. Aqui ficam, nos parágrafos que se seguem, em modesta mas comovida homenagem à sua memória. «A literatura é o alimento de espíritos indóceis e propagadora de inconformismo, um refúgio para aqueles a quem sobra ou falta algo, na vida, para ser infeliz, para não se sentir incompleto, sem realizar as suas aspirações.» «Agora, graças à grande revolução audiovisual e cibernética, a privacidade deixou de existir, e em qualquer caso ninguém a respeita: transgredi-la é um desporto praticado diariamente pelos órgãos de informação perante um público que assim o exige com avidez.» «Por detrás da crise financeira, existe uma moral degradada pela ganância. Esta é uma forma terrível de incultura.» «A magia e o hipnotismo colectivos podem conduzir ao poder qualquer demagogo sem escrúpulos, tanto numa ditadura como numa democracia.» «Todo o nacionalismo foi sempre uma catastrófica epidemia para os povos.» «A paixão pode ser generosa e altruísta quando inspira a luta contra a pobreza e o desemprego. Mas a paixão também pode ser destruidora e feroz quando é movida pelo fanatismo e pelo racismo.» «A literatura francesa fez o mundo inteiro sonhar um mundo melhor. A literatura francesa permitiu que sejam hoje realidade muitas democracias, preservando a razão contra pesadelos e revoluções, após tantos fracassos e mortos.» «As democracias mais imperfeitas são sempre preferíveis às ditaduras mais perfeitas.»   (1936-2025)

Abr 14, 2025 - 18:05
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Lembrar Mario Vargas Llosa

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Mario Vargas Llosa morreu ontem em Lima, capital do seu Peru natal, aos 89 anos. Era, sem favor algum, um dos maiores escritores dos dois últimos séculos - justamente distinguido, em 2010, com o Prémio Nobel da Literatura.

Foi sempre um nome de referência no DELITO DE OPINIÃO. Pelo seu talento ímpar, pela manifesta qualidade da sua escrita, pela clareza das suas ideias, pelo desassombro das suas opiniões. 

Pela minha parte, nunca o escondi: era um dos meus autores preferidos. Equiparo-o a Kafka, Orwell, Camus, Hemingway, Greene. Escritores que não apenas admiro e considero, mas que estimo muito. Como se integrassem a minha família alargada - desde os anos da adolescência, quando comecei a conhecê-los e a conviver com eles sem nunca me cansar.

 

Tendo escrito sobre três livros de Vargas Llosa, é o momento de recordar esses textos aqui publicados.

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Sobre Conversa na Catedral (1969):

«Recorrendo à técnica da diluição cronológica, Vargas Llosa povoa esta magnífica obra de múltiplas personagens e narrativas secundárias sem abandonar a denúncia dos governos que suprimem a liberdade e condenam sucessivas gerações a um futuro sem esperança.»

 

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Sobre A Tia Julia e o Escrevedor (1977):

«Acontece que a sua história pessoal, sendo verdadeira, parecia trama de ficção. Puro radioteatro. Impensável confusão entre biografia e folhetim. Quanto mais inverosímil, mais emocionante ou divertida – e, num certo sentido, mais verdadeira. Lembrando-nos que a vida é um romance - percorrido por momentos delirantes ou lancinantes de riso e choro, varrido por horas alternadas de partilha e solidão.»

 

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Sobre La Llamada de la Tribu (2018):

«O liberalismo não é uma ideologia, não é uma doutrina fechada que suscite aplausos acéfalos ou seguidores incondicionais. Em tempo de trincheiras, potenciadas pelas chamadas redes sociais, um liberal à moda antiga – cultor da tolerância, da moderação, da justa medida, da liberdade apenas condicionada ao império da lei – é menos mobilizador do que um populista incendiário apelando ao encerramento das fronteiras. Mas nem por isso deixa de ter a razão do seu lado.»

 

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É também o momento propício para lembrar alguns dos seus pensamentos que mereceram destaque neste blogue. Aqui ficam, nos parágrafos que se seguem, em modesta mas comovida homenagem à sua memória.

«A literatura é o alimento de espíritos indóceis e propagadora de inconformismo, um refúgio para aqueles a quem sobra ou falta algo, na vida, para ser infeliz, para não se sentir incompleto, sem realizar as suas aspirações.»

«Agora, graças à grande revolução audiovisual e cibernética, a privacidade deixou de existir, e em qualquer caso ninguém a respeita: transgredi-la é um desporto praticado diariamente pelos órgãos de informação perante um público que assim o exige com avidez.»

«Por detrás da crise financeira, existe uma moral degradada pela ganância. Esta é uma forma terrível de incultura.»

«A magia e o hipnotismo colectivos podem conduzir ao poder qualquer demagogo sem escrúpulos, tanto numa ditadura como numa democracia.»

«Todo o nacionalismo foi sempre uma catastrófica epidemia para os povos.»

«A paixão pode ser generosa e altruísta quando inspira a luta contra a pobreza e o desemprego. Mas a paixão também pode ser destruidora e feroz quando é movida pelo fanatismo e pelo racismo.»

«A literatura francesa fez o mundo inteiro sonhar um mundo melhor. A literatura francesa permitiu que sejam hoje realidade muitas democracias, preservando a razão contra pesadelos e revoluções, após tantos fracassos e mortos.»

«As democracias mais imperfeitas são sempre preferíveis às ditaduras mais perfeitas.»

 

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(1936-2025)