Futebol brasileiro precisa reverter seu processo de apagamento

Brasileirão não é atraente para o público internacional porque deixou de representar seu país e sua gente O post Futebol brasileiro precisa reverter seu processo de apagamento apareceu primeiro em MKT Esportivo.

Mai 9, 2025 - 13:23
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Futebol brasileiro precisa reverter seu processo de apagamento

Há alguns dias, publiquei por aqui um texto discutindo a ideia de criação de comunidades ao redor do esporte. Esse é provavelmente o tema que eu mais estudei desde que me mudei para os Estados Unidos para estudar gestão esportiva e, no meu entendimento, fornece a (ou, ao menos, parte da) resposta para uma das questões que mais vejo ser debatida: como tornar o Brasileirão relevante internacionalmente? É muito fácil explicar por que pouca gente fora do país assiste a NBB, a Liga Nacional de Basquete, por exemplo, mas a questão se torna mais complexa quando pensamos no futebol brasileiro.

Como pode o Brasil, o “país do futebol” (entre aspas porque eu nem sequer concordo com esse título), não conseguir emplacar seu principal campeonato internacionalmente?

Em entrevista ao Charla Podcast há algumas semanas, Ronaldo discutiu o assunto, e trouxe alguns argumentos bastante interessantes, mas no geral apresentou um racional do qual eu discordo. Ele inicia essa conversa comentando que esteve envolvido nas primeiras reuniões sobre a criação de uma nova liga no futebol brasileiro, e que desde as primeiras conversas a maior preocupação era a divisão dos direitos de transmissão. A crítica apresentada aponta para a principal raiz do problema de falta de atratividade do Campeonato Brasileiro internacionalmente: inexiste uma preocupação mais generalizada em tornar o futebol brasileiro um produto sólido, coerente e que de fato consiga representar o país. O que existe, como o Fenômeno bem apontou, é uma eterna guerra para decidir quem leva mais vantagem.

Enquanto isso, as competições do futebol brasileiro – dos estaduais à Série A do Brasileirão, passando pelas divisões inferiores, copas regionais e pela Copa do Brasil – são paupérrimas de boas ideias, e na maioria das vezes representam cópias baratas e inapropriadas do que se vê sendo realizado internacionalmente.

Quando digo que discordo do racional apresentado pelo Ronaldo na entrevista, é porque acredito que as soluções apresentadas melhorariam o produto para o público nacional, mas não endereçam a principal questão pela qual entendo que não somos atraentes ao mercado estrangeiro. Vou endereçar rapidamente as ideias apresentadas na entrevista, e na sequência levantarei alguns pontos que entendo serem a chave para que os campeonatos nacionais ganhem espaço lá fora, que são a razão de existir desse texto. E só para que fique claro, não acho que ganhar espaço internacionalmente seja mais importante do que melhorar o produto para o público interno (muito pelo contrário!).

O foco desse texto no mercado internacional se deve ao simples fato de que as soluções para melhorar nossos campeonatos para o público nacional são muito mais claras para a maioria, e não quero ficar reforçando algo que já parece óbvio.

Voltando às ideias apresentadas pelo Fenômeno, a maior parte delas se enquadra naquela categoria de tópicos que todo mundo no país concorda, mas que ninguém consegue tirar do papel: adequar o calendário, melhorar a qualidade da arbitragem, diminuir a violência e melhorar (e padronizar) a qualidade dos gramados. Dentre esses tópicos, só discordo da questão do gramado, mas não faz parte do escopo desse artigo entrar nessa discussão em específico. De resto, corrigir esses problemas realmente ajuda a melhorar o futebol brasileiro enquanto produto para o público brasileiro, e por isso concordo que todos esses pontos deveriam demandar atenção por parte de dirigentes.

O calendário brasileiro é o pior do mundo, as polêmicas com relação à arbitragem não parecem diminuir nem com a implementação do VAR, e a violência continua sendo notícia ao longo do ano. Corrigir esses problemas é, sem dúvidas, fundamental para que o público brasileiro tenha uma experiência positiva acompanhando o futebol nacional.

O ponto desse texto, no entanto, é que todos esses aspectos fazem pouquíssima diferença para o público estrangeiro, e corrigi-los ou não pouco altera a percepção internacional sobre o nosso campeonato. Já tive inúmeras conversas sobre esse assunto com gente de ao menos dez nacionalidades diferentes, e nunca ouvi qualquer um deles comentando sobre os problemas do nosso calendário ou da qualidade da arbitragem brasileira, por exemplo.

A violência, ao contrário, é algo que se comenta, como vimos nas semanas que antecederam a primeira partida da NFL no Brasil. Ainda assim, nenhum estrangeiro jamais deixou de colocar um jogo brasileiro na TV porque as organizadas daqui estavam se atacando do lado de fora do estádio. Como disse, esses são problemas principalmente para o público nacional.

Para entender o lugar do futebol brasileiro internacionalmente, é preciso antes entender que somos um produto de nicho. Nessa posição, não há nada mais importante do que criar vantagens competitivas e formas de se diferenciar dos produtos mais populares (leia-se Premier League, La Liga e Champions League, principalmente). É preciso, antes de mais nada, que a gente entenda que é impossível que o Brasileirão atinja os números da Premier League internacionalmente, e que existe um motivo óbvio que explica a dominância do futebol europeu, contra o qual nada podemos fazer: os melhores jogadores e treinadores do mundo estão lá. Premier League, La Liga e Champions League mantém sua hegemonia por serem a principal referência de qualidade no futebol de clubes.

Por óbvio, países como Alemanha, Itália e França, muito em virtude de suas participações na Champions, também conseguem tornar suas ligas nacionais atrativas internacionalmente, muito em função também da quantidade de estrelas jogando em suas ligas nacionais.

O Brasil, sem esse privilégio, precisa buscar meios de se diferenciar. Se a maior parte dos fãs de futebol ao redor do mundo buscam assistir aos melhores jogadores do mundo, não há muito o que possamos fazer para competir por esse mercado. Ainda estamos muito longe do patamar financeiro necessário para trazer e manter os principais jogadores do mundo no auge, e acho muito difícil que algum dia a gente chegue nesse nível. O grande problema, na minha visão, é que cada vez mais buscamos importar a “fórmula do sucesso” da Europa, tornando o futebol brasileiro uma cópia barata do futebol europeu, mas somente fora de campo. Fazemos isso sob o falso pretexto de que eles são o que são por terem as melhores arena do mundo ou por cobrarem os ingressos mais caro (e expulsarem qualquer tipo de bagunceiro dos estádios).

A questão é que, mesmo copiando suas arenas, suas políticas de ingresso e essa “gentrificação” das arquibancadas, continuamos sem Haaland, Mbappé e Vinícius Júnior nos nossos gramados. Não só não conseguimos replicar a maior explicação para o sucesso dessas ligas, como também matamos qualquer diferenciação do futebol brasileiro enquanto produto nesse processo.

Parte importante da solução para vender o futebol brasileiro lá fora, na minha visão, envolve algo mais simples: nossos campeonatos precisam voltar a ser uma representação do nosso país. “E qual seria a representação do nosso país?”, talvez você se pergunte. A resposta, no meu entendimento, está no que o nosso futebol brasileiro era há quinze ou vinte anos. Onde foi parar, por exemplo, a Avalanche da Geral do Grêmio? Onde foi parar o Green Hell da torcida do Coritiba? Onde foram parar as bandeiras de mastro e os bandeirões das torcidas paulistas? Por que motivo deixamos de ter os times entrando de maneira separada em campo, acabando completamente com recepções tão tradicionais em troca de uma cerimônia de entrada completamente antinatural ao nosso futebol? Em que momento aceitamos que as maiores potências do país joguem para estádios de 40 ou 50 mil pessoas, no máximo?

No final do último ano, perdi as contas de quantas pessoas de fora do Brasil me enviaram vídeos das recepções do River Plate e do Racing, me perguntando se o futebol brasileiro também tinha aquilo. Já tivemos, mas optamos, seja por um vira-latismo deprimente ou por uma absoluta incompetência em lidar com a falta de segurança nos estádios, por abandonar toda a nossa essência na busca por um padrão que não faz absolutamente nenhum sentido para o nosso país.

A solução, sempre que nos deparamos com qualquer problema de segurança, é proibir, ao invés de adaptar e buscar soluções mais criativas que mantenham a nossa essência. Há anos, cada vez mais buscamos nos tornar uma réplica do futebol europeu, porém sem muitas condições de copiar o que eles têm de melhor: as estrelas em campo. O povo foi expulso das arquibancadas e o futebol brasileiro se parece cada vez menos com o Brasil. Tem quem goste, tem quem aprove… Eu jamais vou conseguir entender.

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