Crítica | Mickey 17 (2025): Robert Pattinson se destaca em sci-fi contido e aquém do seu potencial
Bong Joon-ho parte de uma premissa intrigante e apresenta muitos caminhos para desenvolver suas críticas sociais, mas o resultado é um filme diluído, mastigado e longe da ousadia típica do diretor. O post Crítica | Mickey 17 (2025): Robert Pattinson se destaca em sci-fi contido e aquém do seu potencial apareceu primeiro em Cinema com Rapadura.

A ficção científica é admirável pela facilidade em utilizar os avanços tecnológicos e o futuro para discutir a condição humana e suas contradições no presente. Temas como a precarização do trabalho, a luta de classes e outros tantos problemas oriundos do capitalismo são recorrentes não somente no sci-fi, mas também na filmografia de um grande cineasta: Bong Joon-ho. Em “Mickey 17”, o diretor de “Parasita” adapta uma obra do gênero que parte de uma premissa intrigante, aborda assuntos que lhe são caros e conta com um dos atores mais versáteis de Hollywood. A receita parecia à prova de erros, mas o resultado não faz jus nem ao peso de seu conceito, nem à carreira do cineasta.
A trama acompanha Mickey (Robert Pattinson), um tripulante de uma missão de colonização espacial cuja função é morrer. Sempre que uma tarefa perigosa surge, ele é convocado sem hesitação, pois, caso sua vida chegue ao fim, seu corpo é descartado e uma nova versão é impressa com suas memórias implantadas de volta. Só esse conceito instiga discussões que saltam os olhos, e o diretor é preciso ao gastar o início do longa desenvolvendo essas situações. O protagonista aceita um contrato para se tornar descartável sem o ler até o fim, algo tão comum atualmente que qualquer um faz o mesmo com os termos de aceite de aplicativos e redes sociais, abrindo mão de algo cada vez mais escasso: a privacidade. Vemos também figuras de políticos e ricaços sendo transformadas em messiânicas, além de, claro, uma alegoria sobre a desumanização e o valor da vida, que dentro desse sistema vale menos do que o custo para substituí-la.
Entretanto, o que se sucede bate de frente com a informação de que Bong Joon-ho manteve o controle criativo sobre o corte final de “Mickey 17”. A filmografia dodiretor deixa claro que o sul-coreano já mostrou ser capaz de trabalhar temáticas desse tipo com a ousadia necessária, mas que dessa vez não é vista. Mais do que isso, o roteiro também escrito por ele é tão mastigado, superficial e com metáforas óbvias que parece impossível a Warner não ter exercido influência considerável para garantir que a obra fosse de fácil compreensão para o público médio. O conteúdo é apresentado e o potencial está todo lá, mas tudo acaba sendo muito diluído em um filme que não consegue se aprofundar em nenhum de seus tantos assuntos a ponto de entregar uma experiência coesa e realmente impactante.
Se há algo que merece destaque no longa, é a atuação de Pattinson. É notável a precisão do ator ao construir a crescente apatia de Mickey ao longo das repetições de sua existência. A indiferença que toma conta do personagem após cada nova morte reflete não apenas a perda do medo do fim, mas uma erosão de sua humanidade. O grande conflito se revela quando um erro no processo de clonagem gera uma versão duplicada, obrigando o protagonista a encarar o verdadeiro horror de sua situação: ele não é insubstituível, apenas mais um número no sistema, e caso venha a morrer agora, outro já tomou o seu lugar. Esse momento de ruptura oferece uma rara centelha de complexidade ao roteiro, mas que, novamente, acaba não passando da superfície dos próprios questionamentos.
As figuras do comandante da missão, Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) e sua esposa Ylfa (Toni Collette), sintetizam esse problema. A existência dos personagens é justificada como figuras de poder do sistema de trabalho vigente na nave. Porém, a caracterização deles é tão exagerada que a crítica acaba se tornando rasa, como se o roteiro, mais uma vez, temesse confiar na inteligência do público para captar sutilezas — a obsessão fútil por molhos de Ylfa ou as falas ostensivas de Marshall sobre raças puras e superiores são exemplos. Outro elemento perdido ao longo da narrativa é a relação entre Mickey e Nasha (Naomi Ackie). O vínculo, que se inicia de forma promissora, logo se transforma em um triângulo amoroso que pouco adiciona às discussões iniciais e ainda compromete um dos raros aspectos emocionais que poderiam agregar profundidade ao protagonista. Ainda que Pattinson brilhe ao diferenciar as cópias apenas com expressões e movimentos, a conexão dos personagens se dispersa em uma trama secundária que ganha status de principal sem nunca consolidar de maneira significativa o que foi apresentado anteriormente.
Até a narração em off, utilizada para transmitir os pensamentos do protagonista, é surpreendentemente questionável. É compreensível o seu uso como forma de adaptação do livro original. Contudo, sua execução se torna excessiva e, por vezes, funciona como uma muleta para avançar a história, indo contra paradigmas básicos da narrativa como o “mostrar em vez de falar”. É até um insulto à carreira do diretor considerar isso um erro amador. No entanto, por mais que “Mickey 17” tenha todo o valor de produção de seu orçamento robusto e momentos que ressoam com o estilo de Bong Joon-ho, ele se mostra refém de uma abordagem que diluiu todas as complexidades da história para não correr grandes riscos.
O saldo final de “Mickey 17” é mais frustrante do que qualquer outra coisa, especialmente pela certeza da capacidade que Bong Joon-ho tem de entregar algo melhor — por mais que o “não tão bom” dele ainda tenha suas qualidades. As discussões filosóficas e existenciais são apenas pinceladas, enquanto as referências a ditadores, corporações fascistas, colonialismo e religião são jogadas aos baldes. O resultado é uma obra que entretém, apesar do humor irregular, e que passa longe de atingir todo seu potencial como ficção científica, mesmo com a forte presença de Robert Pattinson e a direção competente do cineasta sul-coreano.
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